segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Sessão de terapia e a necessidade de ser o mais brilhante do par

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Estou muito empolgada com o programa Sessão de terapia. Como comentei em outro post, estou gostando muito deste programa. Fico encantada com a quantidade de questões importantes que levanto por meio dos personagens.

Vi um episódio em que o terapeuta e a esposa dele eram atendidos por uma outra terapeuta. Eles começam a sessão falando deles , do casamento deles até que a conversa enverada para a paixão que ele sente por uma sedutora paciente, interpretada por Maria Fernanda Cândido.

Antes mesmo de a paciente declarar o seu amor pelo terapeuta , ele já estava apaixonado. Enfim, a paciente estava vivendo um caso clássico de transferência erótica e o terapeuta carente , vivendo um casamento em crise , deixou-se levar pelos encantos de uma mulher forte e frágil ao mesmo tempo.

Mas o que me interessou mais no episódio foi a fala da esposa, vivida pela atriz Maria Luiza Mendonça. Ela acredita que o marido nunca a amou eroticamente e que precisava dela para se sentir superior. E que agora que ela não precisava mais da força dele , a casa caiu.  Enfim, ele voltou os olhos para uma mulher que apesar de independente financeiramente , é dependente emocionalmente.

Este episódio me fez revisitar lembranças importantes e percebo que muitas vezes sim alguns relacionamentos podem se sustentar por meio desta relação de submissão e dominação.

Muitas vezes precisamos ficar com quem depende de nós. Com quem nos enxerga como um rei, como um sabe tudo, como um fodão ou fodona para escamotearmos as nossas próprias fragilidades.  Em suma: quantas vezes não imaginamos nos apaixonar por uma pessoa ou até mesmo decidimos racionalmente ficar com alguém intelectualmente inferior à nós e/ou pouco atraente para evitar o risco da perda , da rejeição?

Eu mesma sempre critico a falta de coragem de alguns homens para se atirar em relações intensas com mulheres inteligentes, cultas, com personalidade forte e sexy, optando por tipos opacos e inexpressivos.

Mas assistindo a este programa regularmente , começo a me questionar: será que eu não fiz o mesmo durante toda a minha vida?  Será que eu não me "apaixonei" por homens pseudo brilhantes por medo de me atirar na vida de alguém que pudesse realmente me arrastar para o abismo de uma cumplicidade insana? Será que lá no fundo eu também não queria estar no controle? Será que eu também não queria ser a mais brilhante? Me pergunto isso com um nó na garganta.  Pois levantar este questionamento é suspeitar da coragem que eu sempre imaginei possuir.  Levantar este questionamento é me identificar com os homens que eu sempre critiquei. Que eu sempre julguei fracos e covardes por abrirem mão de uma vida plena por outra de fachada.

Não digo que seja sempre um processo consciente. Para falar a verdade , acredito que  em muitos casos , a gente não entende direito porque está com uma pessoa mesmo quando a gente acha que sabe.

Só sei que muitas vezes o que une um casal não são as suas afinidades ou tudo de bom que viveram juntos. Um amigo meu, há muitos anos, me disse numa daquelas conversas "papo reto" que na opinião dele um vício ou defeito em comum une mais do que um monte de qualidades positivas. Sei lá. Papo meio cavernoso RS Mas faz sentido.

Depois me deparei com pensamento semelhante recentemente, assistindo a um giallo. Para quem não sabe , giallo é um gênero cinematográfico italiano, que mescla suspense e terror com uma boa dose de violência e misoginia.

Enfim, às vezes , depois de passar horas vendo uma sequência de episódios do programa Sessão de terapia , sinto que de certa forma , eu me sentei naquele sofá diante daquele terapeuta meio charmosão e blasé.

Acho uma experiência interessante e instigante para quem está a fim de se conhecer melhor.  Se conhecer melhor proporciona conforto? A curto prazo não. Mas um dia , creio que pode ser fundamental para uma vida realmente significativa.

 




Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


2 comentários:

  1. Uma vez eu li um artigo sobre relacionamento e essa questão de submissão e domínio (não foi um artigo erótico, tá? RS!). De que as pessoas viviam nessa situação quase como uma necessidade para viver. E depois do meu último relacionamentos eu percebi isso. Que um defeito pode unir mais do que qualquer afinidade.

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  2. É muito triste...mas é mais comum do que se imagina. Se as relações fossem alicerçadas em motivos saudáveis, seriam mais felizes. E felicidade conjugal é coisa rara de se ver. O que mais presenciamos são relações fake, mantidas pelo medo de ficar só, pela necessidade de se auto afirmar socialmente.

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