segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Sobre a omissão nossa de cada dia

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
 

 

Lendo o artigo do filósofo Luiz Felipe Pondé hoje de manhã ( meu ex professor escreve na Folha todas às segundas) me lembrei de duas coisas que aparentemente não possuem relação . Pondé analisou o filme Spotlight e falou sobre a leniência moral de nossa sociedade.

Lembrei-me do filme A filha do general que vi há séculos e de um acontecimento ocorrido nos meus tempos de colégio.

Pondé fala amargamente sobre a tendência institucional e social de jogarmos escândalos e abusos para debaixo do tapete. O filme A filha do general mostra um linda e inteligente militar , filha do general, despertando a inveja em um meio altamente masculino.  Uma moça loira e de rosto meigo era mais competente do que muitos homens barbados. A moça de rosto suave tinha uma carreira mais promissora do que muitos machos alfa. E ser mais competente e inteligente é a ofensa mais grave que uma mulher pode fazer a um homem.

A filha do general é currada por um grupo de militares mascarados.  Fato suficiente para destruir completamente qualquer pessoa , independente do gênero. Mas não. A brutalidade extrema cometida pelos colegas não foi suficiente para destruí-la. O que realmente a levou a nocaute foi a reação do pai diante do horror que fizeram com ela. O general achou mais prudente abafar o caso,  tentando desta forma preservar a própria carreira e a da filha.

Zelar pela verdade e lutar por justiça não são o forte das instituições.  Uma dezena de homens mascarados se chafurdando sobre ela causaram menos danos do que a frieza do pai em relação ao seu sofrimento.

Precisamos parar de nos omitir porque brigar dá trabalho, desgasta , estremece relações.  O artigo de Pondé me transportou a um fato muito bizarro que ocorreu quando estava no terceiro ano do ensino médio.  Algum aluno ou um grupo instalou uma bomba no banheiro dos garotos. A bomba estourou no horário de aula. Por sorte , não havia nenhum aluno no banheiro na hora da explosão. O banheiro ficava de costas para o quarto de vestir das moças da limpeza. Por sorte não havia nenhuma das funcionárias no vestiário neste momento.

Nosso querido professor de Física nos explicou que se alguém estivesse no banheiro ou no quarto de vestir poderia ter ficado surdo.  Gostei do tom indignado que imprimiu à voz. Não digo que fosse apaixonada por ele. Mas confesso que ele despertava em mim um sentimento profundamente romântico.  Gostei da sua indignação pois era a mesma que sentia.

Existe um ar muito blasé em alunos de escolas de classe média alta.  Para muitos , o incidente era uma coisa qualquer que deu uma agitada na semana. Um crime havia acontecido e parecia que as pessoas não se davam conta disso. Alguém poderia ter ficado surdo.

Mas era ano de vestibular e precisávamos nos empenhar e nos concentrar para entrar na faculdade e nos tornarmos médicos, advogados e engenheiros respeitáveis da sociedade. A nossa rotina não devia ser abalada por uma investigação policial. E como pessoas respeitáveis e destinadas a boas posições na sociedade , deveríamos aprender logo cedo a nos calar. 

 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


















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