quinta-feira, 30 de junho de 2016

O peso afetivo das coisas flutuantes

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Sou apaixonada pelas coisas flutuantes. Pelas coisas que chacoalham, que empurram para o movimento, que agitam, que balançam, que provocam erupções na pele da alma.

Sou apaixonada por cadeiras de balanço, poltronas massageadoras , banheiras de hidromassagem, simples redes. Gosto do peso afetivo das coisas flutuantes , das coisas que nos fazem flutuar, que por meio do movimento do corpo, agita os pensamentos e nos fazem passear por universos paralelos.

Sempre me lembro das fantasias coloridas que me faziam viver uma outra vida quando voava no balanço da escola. Eu não era mais eu quando o balanço se punha em louco movimento. Sim, eu era eu sim. A menina antes de se sentar no balanço era a outra. O sonho e o delírio nos levam a nós mesmos. O resto é encenação, é teatrinho de quinta para sobrevivermos à "realidade". É showzinho grotesco,  comédia bobinha para os incautos ou para aqueles que preferem  se passar por incautos. 

As mentiras nas quais mais fielmente e ferozmente acreditamos são aquelas contadas por nós mesmos. Sim, ninguém pode nos enganar melhor do que o nosso estúpido senso de sobrevivência. 

Gosto de arrancar do simples , do banal e do cotidiano a mais visceral poesia, a mais torpe filosofia , o mais venenoso e embriagante vinho. 

Sim, não concebo a vida sem o peso afetivo das coisas flutuantes, das coisas que nos roubam de nós mesmos ou daquilo que imaginamos ser o nosso eu mais verdadeiro. Não concebo a vida sem o estupefato e o entreabrir de lábios e de alma que as coisas flutuantes nos causam.

Gosto de tudo que me faz arrepiar diante do espelho da alma. Gosto de correr desvairada por meu pátio interno, entre canteiros com flores belas e maltratadas. Gosto de me sentar e de me molhar na fonte que nunca deixa de jorrar. A camisola de fina renda branca adere aos mais lancinantes pensamentos e a carne e a poesia finalmente se beijam na boca. Vivo meu mais louco sonho de unidade. 





Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Sobre a fome de viver

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
 

Sim, é preciso ter fome de viver. É preciso ter apetite. Devorar a vida com grandes e empolgadas mordidas. É preciso passear a língua pela vida, com movimentos suaves e apaixonados, como quem chupa um delicioso sorvete.
 
É preciso tomar o último gole do Martini, pensando cheia de cobiça na azeitona ou na cerejinha abandonada no fundo da taça. É preciso beber todo o copo de cerveja com a mesma sofreguidão do primeiro gole sedento.
 
É preciso vagar pelo mundo como quem passa alegremente por uma quermesse, aspirando todos os odores quentes , picantes , adocicados e salgados que atravessam o nosso caminho. É preciso querer comer o milho assado, flertando com o churrasquinho. Se lambuzar com a maçã do amor fluindo levemente como chumaços de algodão doce cor de rosa.
 
É preciso acordar de manhã sentindo o cheiro de café forte e bom na alma e se deitar extenuado à noite com o calor bondoso e conciliador de uma caneca de chá. É preciso saborear um simples almoço como o mais delicioso banquete. É preciso salpicar a vida com maionese e molho barbecue como se a nossa existência tivesse a faceirice brincalhona de um grande X-Tudo.
 
Sim, sem apetite , sem fome de viver não dá. A coisa não rola, não flui. Desce mal, dá azia , má digestão. A gente quer arrotar e não consegue. Fica o dia inteiro ruminando o peso de uma comida que nos ancora em más lembranças.
 
Sim, a vida é dura. Não nego. Ás vezes , tem gosto de molho vencido, bacon ranço. Às vezes, tem textura de creme de leite talhado.  Às vezes , cai mal para caramba e dar a próxima garfada exige uma coragem danada.
 
Mas precisamos correr atrás das melhores iguarias. Não podemos perder o apetite diante de um belo prato porque comemos algo estragado no passado.
 
Viver é se reinventar , é se reinventar com cores novas , mais fortes. Outras vezes, mais delicadas. Viver é despertar em si o próprio apetite quando ele se esconde medroso num cantinho escuro e frio da alma.
 
 
 
 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 







quarta-feira, 22 de junho de 2016

Cheiro de café e o teu olhar melancólico

 
Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
 
Teu olhar no fim da noite tem cheiro de café. Aconchegante , melancólico, um pouco cansado como o gosto da bebida que passou horas dentro da garrafa térmica.
 
Caminhamos pela noite fria , mãos nos bolsos , olhos nos olhos, um sorriso que ironiza tudo ao nosso redor. Que ironiza a nós mesmos. Principalmente a nós e a esta nossa mania de tecer tudo com fios de poesia.  Poesia esgarçada, pálida e desdenhosa.
 
Niilistas. Acreditamos no nosso acidental encontro. Quase uma trombada. Nada estava escrito. Sabemos disso. Sorrimos extasiados. Pouco importa. Entendemos o que não é possível explicar.
 
Enlaço o teu braço com os meus. Enlaço a tua alma com a minha que também cheira a café abandonado na garrafa. Também estou cansada. Também sou melancólica.
 
Sorrio. Sorrio com aquele ar de quem já sentiu tudo. Como um rio que desagua no teu mar revolto.  Eu apenas fluo sentindo o teu olhar morno, teu gosto melancólico, seu ar de poeta cansado e bebo da  tua filosofia fragmentada. Mosaico estilhaçado.
 
E seguimos. Seguimos sem saber para onde vamos. Apenas seguimos. Meu braço ainda te enlaça.

 
 



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 












sexta-feira, 17 de junho de 2016

Sobre aniversários e recomeços simbólicos

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Sempre gostei de fazer aniversário. E mesmo não querendo envelhecer, mesmo temendo a velhice e a perda do vigoroso encanto da juventude, paradoxalmente , continuo gostando de fazer aniversário.
 
Não acho que o dia do nosso aniversário seja um dia a mais , um dia banal, um dia para simplesmente acordar e trabalhar , tomar café com leite , comer arroz com feijão. A não ser que o aniversariante seja realmente vidrado em café com leite e/ou arroz com feijão.
 
Ok.Ok.Ok. Precisamos trabalhar se o aniversário não cai nas férias nem em um final de semana. Mas depois do expediente , precisa ter uma taça de vinho compartilhada entre familiares, amigos , parceiros dos jogos amorosos. Se estiver muito calor ou a grana curta demais , uma cerveja já faz as vezes. Pode ser um copo de suco de abacaxi também ou um refri caso o aniversariante não beba.
 
Precisa ter uma fatia de bolo nem que seja um daqueles bem simples , caseiros.  Precisa ter uma série de abraços apertados , mensagens no Whats, recadinhos floridos na linha do tempo do Facebook, e-mails ou felicitações mais íntimas inbox.
 
Sim, fazer aniversário é completar , é encerrar um ciclo e ao mesmo tempo iniciar outro. Ok.Ok.Ok. No dia do nosso aniversário fazemos apenas um dia a mais. Mas mesmo assim, para mim, existe algo de completamente mágico e energético em fechar e abrir ciclos.
 
De certa forma, simbolicamente falando, aniversários nos empurram para recomeços. Nos forçam delicadamente a jogar tranqueiras no lixo da alma. Nos forçam a reciclar o que ainda faz sentido, o que ainda nos parece belo, o que ainda nos soa melodioso, poético.
 
Para os mais românticos é possível sentir as vibrações de uma melodia invisível...para os mais crédulos , é possível voltar a crer no impossível. É possível tocar e apalpar e acariciar o intangível.
 
Sim, aniversários são grandes brechas nas janelas da alma ...é o sol esbofeteando nossos olhos pela manhã e nos obrigando a olhar para dentro de nós mesmos.  Cabe a cada um de nós transformá-los naquilo que eles são ou simplesmente passar por eles.

 



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 










sexta-feira, 10 de junho de 2016

Sobre frio, violinos e o melancólico som do amor

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Sim, violinos são melancólicos. Seu som me parece um choro. Mas não um choro histérico performático. Um choro que sai do fundo da alma. Um choro que denuncia tudo aquilo que não foi e que devia ter sido. Um choro que engolimos para continuarmos seguindo sempre em frente mesmo que o nosso coração fique para trás, aos frangalhos , jogado pelas sarjetas sujas da memória.

Sim, violinos são melancólicos. Por isso os amo. E mesmo eles me rasgando por dentro, não posso evitar de sorrir.  Sorrio melancolicamente feliz como a amante largada no leito depois de uma carícia de amor: com o corpo e a alma nua, um resto de rubor na face , uma alegria despudorada, o medo que segue logo atrás, como uma sombra. O medo que brota de toda a alma que treme e que teme perder tudo aquilo que lhe faz mais feliz. Gemo quase que em silêncio para que os deuses ciumentos não me escutem e não me arranquem tudo de mim brutalmente, tirando sangue das minhas mãos. 

Das mesmas mãos que digitam ao som , ao ritmo da música , febris , desesperadas , consumidas por uma paixão que me arrasta para todos os abismos que um dia imaginei em minha mente de poeta . Nesta mente que só sabe sonhar com o amor. Nesta mente que talvez tenha te inventado, que talvez tenha te criado homem de carne e osso, veias, sangue e coração para dizer que sempre estive loucamente certa. 

Bebo mais um pouco do vinho insano das imagens que dançam em meu coração. Vejo teu rosto...e os violinos continuam me rasgando por dentro.   





Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 











quinta-feira, 9 de junho de 2016

Das incertezas certeiras da vida...

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Ando na rua ou folheio um livro. Entre a banca de jornal e o barzinho de sempre , entre uma página e outra de um livro que me obrigo a ler, busco uma versão melhor de mim mesma.
 
Uma versão um pouco mais insana naquilo que é muito importante ou bem desimportante. Uma versão mais tradicional nas coisas intermediárias da vida.
 
Quero ser sensata quando te olho nos olhos e digo que está tudo bem diante de algum problema qualquer.
 
Quero ser mais louca do que o aceito pela sociedade quando desejo me perder em suas lacunas, nas minhas lacunas...quero ser mais louca para fundir nossas lacunas e fundar um abismo particular, de onde não possamos cair de mais lugar algum.
 
Quero chegar à estação de metrô na hora combinada, preparar o seu chá com a medida certa de açúcar quando estiver doente. Não posso adoçá-lo demais ou de menos. Não posso me distrair e esquecer a comida no fogo...
 
Preciso ser precisa quando falo de meus sentimentos...não quero que perca nenhuma nuance , por menor que seja , deste fogo brando que me queima aos poucos , num movimento lento e fatal.
 
Mas eu também preciso que continue a me ver como a insana do bar , que sai correndo pela rua , depois de ter dito algo que vai martelar na tua cabeça para sempre ou pelo menos nos próximos anos...
 
Quero te beijar depois de sorrir o mais assimétrico dos meus sorrisos , com gosto de cerveja , com gosto de talvez, por que não, quem sabe, deixa rolar , a vida é louca , vamos viver o momento, apenas isso, please?
 
E logo depois quero levá-lo para o meu mundo íntimo, niná-lo em meu coração, botá-lo para dormir entre os lençóis da minha cama, fazendo de meus seios seu travesseiro, seu porto-seguro, sua única certeza.
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 











quinta-feira, 2 de junho de 2016

Esta minha alma tua

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
 
 
Ás vezes tenho um sentimento furioso e deletério a me morder por dentro, corroendo a minha alma, comendo-a pelas beiradas como um ratinho travesso e sujo. Como um ratinho que aos poucos vai chegando ao cerne de tudo.
 
Mas o que há no centro da minha alma? No coração da minha alma? Algo a preservar ou algo a ser comido e corroído como tecidos velhos pelas traças de um armário escuro?
 
Algo que merece ser defendido com unhas e dentes, ferozmente, apaixonadamente ou apenas papeis sem utilidade atirados no fundo de um cesto de lixo imundo?
 
Algo que renderia uma poesia ou uma melodia tirada na hora , com gosto de inspiração e improviso...ou simplesmente uma modinha barata que vai virar notícia ultrapassada no dia seguinte?
 
Sim, às vezes tenho um sentimento furioso e deletério a banhar a minha alma como uma cachoeira de veneno. Meu sorriso se apaga. Ou se acentua mordazmente. Pergunta o que penso. O que sinto. O que quero. Nem sei se quero alguma coisa de fato quando este banho de fel me chega aos lábios...aos olhos...ao sexo.
 
Às vezes penso que não adianta pensar. Às vezes me perco na teia do meu próprio pensamento que vai se enredando em poesia e tecendo fios de melancolia...sim, sou um pouco melancólica. Sempre. Mesmo quando estou feliz e sorrio. Mesmo quando projeto meu corpo para o teu com os olhos febris....implorando por  mais um momento...tendo a certeza de que o receberei de suas mãos.
 
Existe algo de mágico na melancolia. O amor é melancólico pois tem um gosto constante de desafio e perda...sinto saudades suas quando está em meus braços, o rosto colado em meus seios, minhas pernas agarrando o teu corpo como duas garras gigantes...quero prendê-lo em meu mundo e você me olha ternamente...indefeso, sem reservas. Sinto-me tristemente feliz...nenhuma felicidade absurda fica impune neste mundo cinza cor de rato.
 
Sinto-me tristemente feliz porque não há felicidade sem tristeza. Não há paixão pela vida sem uma boa dose de desespero. Só pode apreciar e beber da luz quem dormiu com a escuridão.
 
 
 
 

 
 

 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.