quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Corpos e almas nuas

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Apesar de malcheiroso, gosto de sentir cheiro de alho em minhas mãos. Acho um cheiro honrado, digno. Sim, para mim, o cheiro de alho nas mãos confere uma distinta dignidade.

É o cheiro de quem descasca e pica o tempero com a faca , sem fazer uso de processadores. É o cheiro de quem se entrega à arte de cozinhar sem medo ou ressalvas. É o cheiro de quem bota a mão na massa, manipula a carne sem nojo, pica a cebola até cair aos prantos, misturando o odor provocado pelo vegetal com as próprias dores. É o odor de quem sente que cozinhar é muito mais do que jogar os ingredientes na panela e acender o fogo.

Não consigo conceber a vida sem uma dose cavalar de entrega e paixão. Não consigo viver sem paixão. Paixão por qualquer coisa. Por um projeto, por uma ideia.  Não sei viver na zona morta das emoções.  Não sei ser indiferente.

Uma vez, na faculdade, uma professora me disse que havia pensado muito em meu rosto no final de semana. Estranhei. Em princípio não entendi o que poderia haver de interessante no meu rosto para ser lembrado por alguém em seus momentos de descanso.

Ela explicou-me que era a minha expressividade que chamava a sua atenção. Ela falou-me que ao olhar para mim, ela sempre tinha a sensação de que uma emoção estava prestes a explodir, uma emoção estava prestes a vir à tona.

Nunca me esqueci deste comentário. É curioso como , na maioria das vezes,  o nosso mais óbvio é percebido antes pelos outros.

O que aparentemente pode ser muito poético ( o que minha professora descreveu como poético) pode ser uma cruel desvantagem em um mundo implacável como o nosso, em que cada uma de nossas fraquezas e deslizes é usado contra nós.

Sempre tive problemas por apresentar a alma na face. Sempre fui um alvo fácil para aqueles que desejaram conscientemente ou inconscientemente me ferir. É como se todos estivessem sempre um passo à minha frente mirando meu corpo nu e as faces rubras. Em vão, puxo o penhoar largado ao pé da cama e cubro meus seios. Mas já é tarde demais.

 










Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


 
 
 

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