Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
Antes de iniciar a minha terapia , não curtia os artigos do psicanalista Contardo Calligaris. Hoje, eles fazem muito sentido para mim. Li hoje uma entrevista que ele concedeu à revista do laboratório médico Fleury e achei muito interessante o seu olhar sobre a questão da passagem do tempo.
O tempo é subjetivo e dependendo do nosso momento , temos mais ou menos tolerância para o desenrolar lento ou acelerado da vida.
Sou uma pessoa ansiosa por natureza, apesar da minha fala mansa passar uma imagem diferente para as pessoas nos primeiros momentos de convivência.
Em novembro de 2014 , em pleno feriado da Consciência negra, tive que encarar uma viagem para o Rio de Janeiro. Ter não é o termo mais adequado. Aceitei encarar uma cidade turística num feriado que abrange todo o estado do Rio, feriado de verão, ruas lotadas , calor sufocante e preços superfaturados para agradar o meu ex noivo. Tenho este péssimo hábito de mimar quem amo ou imagino amar, até se tornarem monstrinhos de egoísmo. Sim, sou perita em produzir facínoras. Não que o meu ex noivo fosse...
Me preparei emocionalmente para a viagem. Me preparei para filas, para ambientes lotados , para muito calor. Apesar de paulistana , raramente enfrento filas porque fujo delas. Não vejo a menor graça em ter que esperar uma hora para almoçar ou jantar.
Enfim, chegando no hotel, precisamos deixar nossas malas na recepção porque houve um problema com o encanamento da nossa suíte. O hotel nos ofereceu um drink por conta da casa até o quarto ser arrumado. Aproveitamos para almoçar um delicioso sanduíche com batatas francesas enquanto esperávamos. E assim, reagimos diante de cada contratempo. No final das contas , foi um final de semana memorável no bom sentido da palavra.
Foi memorável porque fomos emocionalmente preparados para esperas e imprevistos.
Como Calligaris , sou um bicho da cidade grande. Por mais que reclame do trânsito caótico de Sampa, do transporte público lotado, das pessoas ansiosas correndo nas escadas rolantes do metrô e brigando por um assento como se estivessem lutando pela própria vida, gosto de Sampa.
Apesar de a cidade ser feia , poluída, cinzenta, São Paulo é meu habitat natural. Por muitos anos , alimentei a ilusão de que seria mais feliz em uma pequena e calma cidade do interior. Como podemos nos enganar sobre nós mesmos...
Em Sampa é natural estar estressado, cansado, sozinho, ferrado para não dizer outra palavra que se inicia com a letra f. Em Sampa é natural ser meio neurastênico, se entupir de café e tragar a própria solidão enquanto se lê um livro qualquer ou se escreve um artigo. Tem um certo charme ser melancólico em Sampa.
Sem falar que a cidade tem um insuportável e irresistível ar blasé. A gente pode sair de bunda de fora , correndo e gritando que é Joana D'Arc e ninguém está nem aí. Sim, eu gosto disso. É meio pedante, concordo. Mas é tremendamente sedutor para mim este "deixe viver" que encontramos em cidades do mundo.
Em 2012 , vivi alguns meses no interior. Ao regressar para Sampa , fui ao shopping Center 3 com entrada para a rua Augusta e para a Avenida Paulista. Uma mulher vestida de Carlitos andava meio sem rumo pelo shopping e ninguém a olhava. Sorri para mim mesma , pensando: "Finalmente em casa".
Acho meio sexy esta indiferença não proposital de Sampa. As pessoas não fingem não ligar. Elas não ligam mesmo. É uma cidade bem pirada. Não é à toa que é um dos locais perfeitos para fazer terapia. Não digo que apenas pirados fazem terapia. Muito pelo contrário. Mas este sentimento de solidão e desamparo que o paulistano carrega dentro de si nos faz perceber mais nitidamente que precisamos de ajuda. Entramos mais em contato com os nossos muitos eus em vez de verificar se a vizinha foi ao supermercado com a mesma roupa duas vezes na mesma semana.
Descobri tarde meu amor por Sampa. Mas quando ele chegou , veio forte e consistente. E quando declaro meu amor pela minha cidade , é um dos poucos momentos em que me sinto meio provinciana.
Antes de iniciar a minha terapia , não curtia os artigos do psicanalista Contardo Calligaris. Hoje, eles fazem muito sentido para mim. Li hoje uma entrevista que ele concedeu à revista do laboratório médico Fleury e achei muito interessante o seu olhar sobre a questão da passagem do tempo.
O tempo é subjetivo e dependendo do nosso momento , temos mais ou menos tolerância para o desenrolar lento ou acelerado da vida.
Sou uma pessoa ansiosa por natureza, apesar da minha fala mansa passar uma imagem diferente para as pessoas nos primeiros momentos de convivência.
Em novembro de 2014 , em pleno feriado da Consciência negra, tive que encarar uma viagem para o Rio de Janeiro. Ter não é o termo mais adequado. Aceitei encarar uma cidade turística num feriado que abrange todo o estado do Rio, feriado de verão, ruas lotadas , calor sufocante e preços superfaturados para agradar o meu ex noivo. Tenho este péssimo hábito de mimar quem amo ou imagino amar, até se tornarem monstrinhos de egoísmo. Sim, sou perita em produzir facínoras. Não que o meu ex noivo fosse...
Me preparei emocionalmente para a viagem. Me preparei para filas, para ambientes lotados , para muito calor. Apesar de paulistana , raramente enfrento filas porque fujo delas. Não vejo a menor graça em ter que esperar uma hora para almoçar ou jantar.
Enfim, chegando no hotel, precisamos deixar nossas malas na recepção porque houve um problema com o encanamento da nossa suíte. O hotel nos ofereceu um drink por conta da casa até o quarto ser arrumado. Aproveitamos para almoçar um delicioso sanduíche com batatas francesas enquanto esperávamos. E assim, reagimos diante de cada contratempo. No final das contas , foi um final de semana memorável no bom sentido da palavra.
Foi memorável porque fomos emocionalmente preparados para esperas e imprevistos.
Como Calligaris , sou um bicho da cidade grande. Por mais que reclame do trânsito caótico de Sampa, do transporte público lotado, das pessoas ansiosas correndo nas escadas rolantes do metrô e brigando por um assento como se estivessem lutando pela própria vida, gosto de Sampa.
Apesar de a cidade ser feia , poluída, cinzenta, São Paulo é meu habitat natural. Por muitos anos , alimentei a ilusão de que seria mais feliz em uma pequena e calma cidade do interior. Como podemos nos enganar sobre nós mesmos...
Em Sampa é natural estar estressado, cansado, sozinho, ferrado para não dizer outra palavra que se inicia com a letra f. Em Sampa é natural ser meio neurastênico, se entupir de café e tragar a própria solidão enquanto se lê um livro qualquer ou se escreve um artigo. Tem um certo charme ser melancólico em Sampa.
Sem falar que a cidade tem um insuportável e irresistível ar blasé. A gente pode sair de bunda de fora , correndo e gritando que é Joana D'Arc e ninguém está nem aí. Sim, eu gosto disso. É meio pedante, concordo. Mas é tremendamente sedutor para mim este "deixe viver" que encontramos em cidades do mundo.
Em 2012 , vivi alguns meses no interior. Ao regressar para Sampa , fui ao shopping Center 3 com entrada para a rua Augusta e para a Avenida Paulista. Uma mulher vestida de Carlitos andava meio sem rumo pelo shopping e ninguém a olhava. Sorri para mim mesma , pensando: "Finalmente em casa".
Acho meio sexy esta indiferença não proposital de Sampa. As pessoas não fingem não ligar. Elas não ligam mesmo. É uma cidade bem pirada. Não é à toa que é um dos locais perfeitos para fazer terapia. Não digo que apenas pirados fazem terapia. Muito pelo contrário. Mas este sentimento de solidão e desamparo que o paulistano carrega dentro de si nos faz perceber mais nitidamente que precisamos de ajuda. Entramos mais em contato com os nossos muitos eus em vez de verificar se a vizinha foi ao supermercado com a mesma roupa duas vezes na mesma semana.
Descobri tarde meu amor por Sampa. Mas quando ele chegou , veio forte e consistente. E quando declaro meu amor pela minha cidade , é um dos poucos momentos em que me sinto meio provinciana.
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.
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