terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Ligações perigosas

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
 
Depois de ler um artigo muito interessante sobre psicopatia do meu amigo virtual, não resisti ao desejo de assistir  à série Ligações perigosas. Sou completamente apaixonada pelo filme dirigido por Stephen Frears e fiquei meio receosa em relação à série. Quando gostamos muito de uma versão, normalmente resistimos às outras.

Enfim, embora tenha as minhas ressalvas em relação a série, gostei muito. Patrícia Pillar está exuberante como a manipuladora sexy. E a atuação de Marjorie Estiano como a mulher devota que faz merda por paixão está muito consistente. Estiano é uma intérprete consistente e Pillar, em minha opinião, uma das nossas atrizes mais exuberantes.

Gostei da caracterização que fizeram em Marjorie Estiano. Ela inicia a série com pouca maquiagem, cabelos presos, a natural beleza eclipsada pela personagem que vive num mundo terno e desapaixonado. Quando finalmente descobre o seu corpo e percebe-se com pés de barro, os cabelos se soltam, a maquiagem define seus traços fortes e até mesmo a combinação branca é trocada por uma bordô, revelando assim todo um mundo de histérica paixão que se abre para a iludida Mariana.

A devota interpretada por Estiano é mais humilde do que a vivida pela devastadora Michelle Pheiffer no auge da beleza.  Sim, Pheiffer interpreta uma mulher casada, honrada , tremendamente correta que se perde. Mas a devota de Estiano mergulha mais profundamente tanto na caridade como na sua humilhação.  Antes de morrer ainda clama por seu amante , pela salvação de sua alma. A devota de Pheiffer apenas ouve indiferente e quase desfalecida sobre a sua morte e sobre o amor verdadeiro que ele lhe nutria. Ser amada ou não já não lhe importa. Ela está morrendo.

Gostei especialmente da cena em que  fica justificado  o ódio de Isabel ( personagem de Pillar) pelo personagem interpretado por Leopoldo Pacheco. No filme , sabemos que um homem muito rico trocou a marquesa por uma jovem inocente. E por inocente , leia-se virgem. Sim, o velho babão queria uma mocinha virgem. Não que Leopoldo Pacheco seja um velho babão. Muito pelo contrário. Mas no contexto da série ele é. No contexto do filme sabemos que a marquesa foi preterida.  Mas na série não. Não sabemos. Nós presenciamos, o que torna para mim muito mais impactante o golpe sofrido por parte de uma mulher que tem tudo sob controle...ou pensa ter. E quando não tem, vira a mesa.

Sim, ela é uma psicopata comunitária. Mas seu ex amante não deixa de ser um babaca. O mais cruel é que no afã de prejudicar quem a traiu, ela usa uma parenta como instrumento de vingança.  Mas sua parenta , aparentemente ingênua, está muito longe de ser uma mocinha doce, diferentemente da Cecília vivida por Uma Thurman no filme.
 
 
O romance se passa no século XVIII, um dos períodos históricos mais importantes da França. A série transpôs a trama para o contexto dos anos 1920. Uma década altamente instigante. Além da aura luxuriante dos anos 1920, foi uma década de grande efervescência cultural, o que confere um toque irreverente e sofisticado a uma história naturalmente intricada.
 
 
Se pudesse voltar no tempo e viver em outra época, escolheria os anos 1920. As mulheres com seus cabelos curtos, vestidos soltos , piteiras atrevidas e mentes abertas para o mundo.  Uma década de mulheres irreverentes e fortes, que fazem a sua hora mesmo quando dissimulam obedecer.
 
 
A abertura da série é um show à parte. Me fez lembrar vagamente da série Engraçadinha, mas com um pouco menos de tragédia e mais veneno.


Confesso que sentia saudades destas grandes produções realizadas pela Globo. Fazia muito tempo que a emissora não nos contemplava com uma sofisticada minissérie. Tudo bem que Ligações perigosas foi meio curta , mas mesmo assim, acho que já valeu a pena. Que venham outras para o nosso deleite.

 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 
 










Nenhum comentário:

Postar um comentário