domingo, 14 de fevereiro de 2016

Minha paixão pela paixão

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Sim, adoro frigideiras. Sou loucamente apaixonada por elas há muitos anos. Amo cozinhar usando frigideiras, principalmente aquelas bem grandes.

Só de pensar em frigideiras sinto fome. Fome de comer. Fome de cozinhar.

Tudo feito em frigideira me parece mais dourado, mais crocante ou mais molhado, mais saboroso, mais excitante.

Gosto de usar a gordura dos próprios bifes para dourar as batatas. As batatas se tornam uma extensão da carne. Fica tudo integrado, um sabor só: quente, oleoso, tudo muito untado com amor.

Se amor fosse comida, seria um prato bem calórico, condimentado, com muito molho. Tanto pratos como amores light , estilo peito de frango grelhado com salada de rúcula sem azeite pode ser muito saudável para quem quer morrer de tédio.  Não quero morrer saudável. Quero morrer doente. Envenenada pelo colesterol e  pela paixão insana pela vida.

Adoro jogar as sobras de comida na frigideira , quebrar uns dois ovos e salpicar muito queijo ralado. Conforme mexemos a mistura e aquela fumacinha vai subindo, me sinto embriagada de aconchego.

Amo chaleiras também. Não sei explicar o porquê , mas a água do chá fervida em uma chaleira deixa o chá mais gostoso. Adoro aquelas esmaltadas, bem alegres e coloridas.

Me demoro mais nas vitrines de lojas que vendem artigos para casa. Cheguei a dizer para o meu ex noivo que preferia comprar coisas para casa do que roupas. Ele deve ter acreditado na minha fala , pois basta olhar para mim por dez segundos para descobrir que roupas não são a minha prioridade. E neste calor , seria ótimo poder andar sem elas. Se o ser humano não tivesse a mente tão suja , poderíamos realmente abolir este hábito antinatural.

Mas voltando às frigideiras e chaleiras, elas representam para mim muito mais do que utensílios domésticos. Elas me provocam apetite , aconchego. Para mim, quase nada é apenas o que é.  E se sinto que algo é apenas o que é , perco o interesse. Saaaaaco....como diria uma personagem do programa Sessão de terapia. Ou Lily do filme Lua de fel, ao fingir um bocejo para o certinho personagem de Hugh Grant.

Esta coisa de seguir receita à risca, sem poder criar nada, também me chateia. Cai na categoria do romance com gosto de peito de frango grelhado e salada de rúcula sem tempero, insuportavelmente saudável.  Irritantemente perfeito.

Uma vez, uma interessantíssima professora de inglês do ensino médio, na época do carnaval, nos perguntou o que a gente gostaria de ser se a gente pudesse escolher. Uma garota meio estilo "me acho" disse que gostaria de ser alguém perfeito. Nossa professora suspirou e disse que querer ser perfeito é muita falta de imaginação... sorri internamente.  

Gostava do seu jeito indecente de dizer as coisas mais banais. As coisas mais simples cheiravam a sexo. Confesso que muitas vezes a imito durante as minhas aulas.

Foi uma grande professora que me ensinou talvez a lição mais importante da minha vida. Quando disse que queria fazer a faculdade de Cinema , mas tinha medo , ela olhou para mim e me disse que nesta vida nós devemos ter apenas um medo: de não ser feliz. Se eu tinha vontade de fazer a faculdade de Cinema, eu deveria fazê-la. E se no meio do caminho, descobrisse que estava errada, deveria partir para outra, começar de novo.

É o que tenho feito a minha vida inteira. Recomeçar, me reinventar, me virar do avesso, soltar as costuras do vestido e com o pano velho fazer um modelo novo. Mas só eu sei o quanto o tecido está puído.  Passo fazendo um gracejo, mas lá no fundo, morrendo de medo que as costuras se desfaçam e me deixem nua no meio da rua.










Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


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