sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Sendo bem sincera...

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Tati Bernardi está virando a minha guru realmente. Hoje, seu texto transloucadamente lúcido aumentou a minha dor de cabeça pós ressaca e deixou meu espírito ainda mais agridoce como aquele molhinho delicioso que acompanha o rolinho primavera bem engordurado.

Curti especialmente a repetição histérica da frase "Que vida maravilhosa essa" .

Antes de começar a fazer terapia, achava os textos da Tati Bernardi muito malucos, quase desconexos. Hoje, penso que a minha mente  era meio chatinha, dentro da caixa demais.

Para todos os problemas modernos há um medicamento específico. Para dormir, acordar, se sentir menos ansiosa, menos desesperada.  E se associarmos uma dieta equilibrada com uma boa dose de exercícios e tédio, pode-se viver como um zumbi até os 99 anos de idade. Por que desejaria eu viver tanto tempo imersa numa vidinha super mais ou menos, mais para menos?

Gostei também da parte em que ela afirma ter 37 anos e precisa ter filho logo. Às vezes quase rio sozinha quando penso que já pensei assim. Que fiz parte deste grupo que a Tati Bernardi ironiza com tanto charme.

Por que deveria eu querer ter um filho logo ou daqui milênios, fruto de um óvulo embalsamado?  O que eu ensinaria a ele? Comer muitas frutas e verduras, se exercitar todos os dias mesmo que ele deteste, retirar a gordura da picanha, comer doces apenas uma vez por semana, estudar com dedicação uma série de matérias inúteis estipuladas por um sistema educacional arcaico e caquético, ser educado com os babacas da classe que deveriam ter os pais processados por terem botado no mundo pequenas aberrações, escolher uma carreira que lhe permita pagar as contas, mesmo que ele sinta vontade de cortar os pulsos a cada manhã?

Ou o ensino a ser como eu era e sou? Língua solta e ferina diante do bullying, dispersa durante as explanações de Exatas, extremamente passiva nas aulas de educação física, devoradora de chocolates e X-maio ( X-maio é um X-Burger com maionese que eu adorava na época da escola) e viver de forma apaixonada uma  profissão que rende menos do que revenda de Herbalife?

O que devo dizer a um futuro possível filho? Dance conforme a música e seja mais um serzinho inexpressivo que eu teria vergonha e pena de admitir que é meu filho? Ou devo dizer para ser irreverente, desbocado, comedor de gordura de picanha como a mami dele e correr o risco de enfartar antes dos 50 e ter um monte de portas sociais fechadas?

O que devo falar a meu futuro possível filho quando ele estiver triste e descrente deste mundo?  Devo mentir e dizer que esta vida faz sentido ou devo dizer que apesar de crer em Deus, acredito que estamos por nossa conta e risco, entregues aos caos do mundo, a todos os tipos de poluição, à hipocrisia, à falta de imaginação,  à falta de água, à falta de  bons empregos, à falta de espaço para respirar e ser a gente mesmo?

Quando meu filho partir o coraçãozinho dele em seu primeiro amor não correspondido, como devo consolá-lo? Devo dizer que das próximas vezes doerá menos? Não, não dói menos. Dói sempre do mesmo jeito, com a mesma violência. A questão é que a maioria finge que não está nem aí. Sinto meu coração atualmente tão partido quanto ele estava aos 12 anos e escrevia poesias de amor para um garoto da classe que amava os meus textos...apenas meus textos. Escrever textos e partir o coração é o que tenho feito de melhor... E se um possível filho tiver este pendor para a arte e para o amor , o que devo eu fazer?


Devo chorar junto com ele , dizendo que a mamãe também está confusa e que talvez fosse melhor a gente  curtir o barato de uma música juntos para esquecer temporariamente que tudo anda fora do ritmo?






Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Here comes the sun

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Hoje já é amanhã e o sono não vem. Escuto Here comes the sun, com a alma flutuante, dançando ao sabor do talvez.

Queria que a vida fosse  sempre assim, como uma música dos Beatles...e que você olhasse para mim sem medo do futuro. Queria poder te dizer com o meu olhar que o futuro não existe. Apagaria as luzes do seu quarto e faria você mergulhar no escuro enquanto segura minha mão firme e trêmula.

E quando você hesitasse porque no fundo ainda é uma criança, eu te pegaria nos braços da minha alma.

Esta alma que já viveu 409 vidas. Todas amargas e inúteis. Esta alma que já acreditou e se entregou demais, deixa-se ficar neste torpor, tragando o seu olhar, retendo o seu cheiro na pele dos meus segredos.

Agora escuto Yesterday e minha alma não flutua mais. Olho para trás e quase fecho os olhos exausta. Minhas caminhadas são sempre tão longas...

Só preciso de braços fortes e um peito amplo para apoiar-me antes que eu desfaleça.

 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

Mulher alfa

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Hoje, tendo uma conversa deliciosa com uma prima doida ( acho que é mal de família RS) enchi-me de inspiração afrodisíaca e resolvi escrever um artigo sobre a mulher alfa.

Sim, elas existem. Ok. Ok. Ok. Tem artigos na net sobre o assunto. Mas a expressão era nova para mim e ainda estou me deliciando com ela, jogando-a de um lado para o outro da boca.

Minha prima mostrou todo o furor que sente por elas. E ao ouvir a sua empolgada descrição, percebi que estou tentando ser uma mulher alfa.

Tentarei explicar de forma não acadêmica...
também não abordarei os aspectos profissionais da coisa...meu blog não é para aspirantes a CEO. 

Mulher alfa é a mulher com boa pegada na conquista e depois dela. É a mulher sem mimimi, sem cuzinho rosa como dizem os meninos sobre as moçoilas cheias de não me toques.

Mulher alfa tem atitude, chama pra sair, olha nos olhos, intimida mesmo a sua presa.  E quando ela te toca, você sente uma espécie de curto-circuito na boca do estômago.

Mulher alfa não precisa ser necessariamente linda no sentido ortodoxo e enfadonho da palavra. Não precisa fazer chapinha e usar o sapatinho "combinandinho" com a bolsinha.  Mulher alfa é sexy, provocante, provocativa.

Mulher alfa seduz só de olhar. E sem falar nada, você sabe o que ela quer. Mulher alfa faz a hora.

Mulher alfa chega junto porque sabe até onde ela pode ir. Mulher alfa toma o sangue do seu coração com um canudinho e você adora, pede mais.

Mulher alfa se vira bem sozinha, mas sabe como ninguém aproveitar uma boa companhia.


 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

Criar é foda demais!

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Criar é foda demais! Criar palavras, textos, drinks, estilos, pratos, amores...
 
Este ano ou ano passado, criei um drink chamado Silvita ( Silvinha em espanhol) inspirada em Buñuel que fez o Buñuelito.
 
Silvita é simplérrimo! Vinho branco suave , umas gotinhas de Campari e um morango graúdo e bem vermelho esmagado no fundo do copo ao estilo de uma caipirinha. Refrescante e feminino. Perfeito para fazer um charme em dias quentes. Drink de mulher fresca e histérica, que está precisando de um pouuuuuuuuquinho de atenção.
 
Num passado bem remoto ( quase em outra vida) criei o brigasilvia. Uma mistura de brigadeiro com prestígio. Em vez de enrolar o brigadeiro em chocolate granulado, passa-se no coco ralado.
 
Recentemente fiz uma carne suína de panela com compota de abacaxi. Em vez de pingar água enquanto a carne cozinhava, pinguei a própria calda da compota.  Gosto também de fazer macarrão cabelo de anjo com margarina , shoyo e tomate cereja para dar uma corzinha.
 
Gosto de usar cachecol com regata, batom vermelho às sete da manhã, tênis com vestido social e bota com saia curta. Há séculos tinha mania de usar vestidos longos amplamente estampados. Estampas que berram e se chafurdam na mais deliciosa loucura.
 
Algum  tempo depois , eles entraram na moda. Me desinteressei por eles...comecei a gostar mais das estampas delicadas e discretas das frígidas. O mesmo ocorreu com o esmalte vermelho. Quando as coisas ficam muito banais, muito autorizadas, elas começam a ficar realmente chatas.
 
Me sinto profundamente angustiada quando me dizem que estou vestida de acordo com os padrões da moda.
 
Me sinto profundamente entediada quando tenho que interagir num espaço onde tudo já está formulado e consolidado. Tenho espírito de conquistadora, pioneira.
 
Quero fazer as minhas regras, jogar um jogo arriscado. Quero brincar com fogo. Quero  te induzir ao erro. Quero te induzir a jogar o meu jogo comigo. Quero dobrar ao meio o seu jeito durão, que tem tudo sob controle. Quero perder o caminho de casa sentindo os seus dedos entrelaçados nos meus. Quero desnudar a minha alma sob o calor dos seus olhos que me devassam. E que os meus  levemente amendoados de cigana dissimulada como  os de Capitu te traguem até as profundezas do mais sublime desespero.
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Hora marcada para ser feliz

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

O fim do ano se aproxima. Depois do dia 2 de novembro o que mais veremos na TV são propagandas estimulando a comprar um monte de quinquilharias para celebrar o espírito capitalista. Como disse Tati Bernardi, adoraria que novembro emendasse com março. Detesto este lance de hora marcada para ser feliz. Parece aquele tipo de casal que transa de duas em duas semanas, um domingo sim, outro não, das 22 às 22:03. Terminado o tempo estipulado para o prazer, cada um cai para um lado aliviado. "Acabou, finalmente!"

Vai soar mega pedante, mas já não consigo ver TV. De vez em quando Globo News em Pauta e filmes pelo Now praticamente todos os dias, que em minha opinião tem um acervo qualitativamente limitado. Quando vejo que mais um filme dinamarquês entrou no catálogo, começo a salivar como cachorro sentindo cheiro de carne.

Vejo muitos filmes no Youtube. Nunca consigo baixar nada. Encho meu PC com vírus múltiplos como se meu pobre notebook fosse a mais devassa das criaturas e não baixo nada. Mas voltando ao final do ano...

Serei poupada da saraivada de propagandas de gosto duvidoso, mas não conseguirei impedir que o trânsito de Sampa fique ainda mais embosteado ( não há nada ruim o bastante que não possa piorar). O clima quente do final do ano somado àquela correria insana por lembrancinhas, chesters e mix de frutas secas  proporciona uma aura de cafonice ímpar. As pessoas que são apenas frias e indiferentes durante o ano se tornam demagógicas.

No calor a gente quer dar um estilo tomando um champanhe ou prosecco e começa a suar como um burro que queria sombra, mas que ficou amarrado debaixo do sol.

E aquelas mensagens pasteurizadas combinam perfeitamente com o arroz com passas. Odeio ambos igualmente.

Como diria a minha mãe, a gente come melhor num dia comum, quando tem arroz, feijão e bife do que em dia de festa.  E haja saco para entochar toda aquela comida na geladeira. E haja estômago para comer aquela comida pesada três refeições seguidas.

No Natal comemora-se tudo, menos o verdadeiro motivo pelo qual o Natal existe. Pelo menos a maioria não comemora...

E haja paciência para aguentar tanto parente desenxabido reunido no natal e reveillon, em suas melhores roupinhas, loucos para a festa em família acabar e correr para a primeira balada ou festa animada que encontrar. Quem tenta dar um ar de dignidade à barbárie, é aquele que termina a festa com a cara de idiota mor.

Em muitos casos, as tarefas costumam ser bem divididas. Uns pagam as contas e fazem a comida enquanto os outros se divertem. Sem falar nos "Quanto tempo!"  que a gente precisa ouvir.  Leia-se "Quanto tempo" como "Você não faz a menor falta na minha vida. Posso ficar o ano todo sem te ver e te encontro hoje, prima Lindinha ou tia Cotinha, por puro senso de tradição".

Quanto tempo fica perfeito com arroz cheio de passas, champanhe sem borbulha e votos de felicidade eterna.

Este ano, aqui em casa, prometemos fazer uma coisa mais intimista e menos sacal.  Comerei macarronada ao sugo gratinada com queijo. Um dos meus pratos favoritos. Delicioso. Simples. Sem frescura. Sem ocupar espaço na geladeira.


 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Mitos sobre o amor perfeito

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Sim, criamos mitos sobre o amor perfeito. Como se algo fosse perfeito...e como disse uma vez uma instigante professora minha: tudo que é perfeito costuma ser meio enfadonho.

Um sorriso assimétrico e pouco confiável pode ser muito mais atraente do que um sorriso Colgate. Um olhar sexy e penetrante, que nos arrasta para o mundo febril da imaginação aflorada pode ser muito mais interessante do que olhos belos no mero sentido estético.

Com certa dor e alguma ironia, passo a aceitar que o amor oficial pode ser bem insosso.  Já sonhei com coisas bem tradicionais. Ou imaginei sonhar. Talvez ainda sonhe. Não sei. Mas de qualquer forma , sempre senti um pouco de vontade de me jogar no vão do metrô ou dar boas risadas diante do tradicional.  Existe algo muito cafona nas festas de casamento. Talvez por isso nunca tenha desejado uma. Queria muito casar de forma discreta, quase escondida. Apenas os familiares e poucos amigos. Os amigos de fato. Nunca sonhei com vestido balão e recepção para 227 desconhecidos.

Sempre me imaginei dentro de um simples vestido branco sujo e nos últimos tempos, idealizei eu mesma preparar os quitutes que acompanhariam o churrasco comemorativo do casamento para 15 pessoas no máximo. Me achava modesta. Hoje vejo que não. Tenho alergia a cafonice. É bem mais simples e menos honroso.

Esta ritualização do amor é meio irritante para mim. Corta boa parte do tesão. Às vezes sonho com um romance a la Último tango em Paris. Sem nomes, sem biografias, sem almoços de domingo com a família, sem festinhas com amigos chatos, sem primas e tias mais velhas do namorado perguntando quando vem o herdeiro. Sem fraudas sendo trocadas enquanto se come macarronada com refrigerante. Sem aquela necessidade de decidir se vamos servir empadinhas de palmito ou camarão na entrada da festa de casamento. Sem ter que ouvir uma organizadora de festas alucinada dizendo que a minha flor favorita está fora de moda e que eu preciso dançar uma valsa mal executada com o meu pai e outra com o meu marido para dar um romantismo na cerimônia.

Não existe nada mais romântico do que dois corpos nus num quarto escuro, longe de tudo e de todos, livres da hipocrisia, dos palpites inconvenientes, da falsa camaradagem.  Dois corpos nus sem nomes, pois nomes na verdade nada significam. Corpos que buscam um ao outro de forma simples e simplesmente.  Corpos dissociados de diplomas, de contas bancárias, de possíveis enlaces. Apenas corpos que se encontram no caos do mundo, no caos da vida.



 



 
 
 
 
 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

Cheiro de família

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Em plena terça-feira, uma linda terça-feira cinzenta, sinto cheiro de molho de tomate apurando no fogo, dentro de um panelão gigantesco, digno de uma cantina italiana ou de uma família bem numerosa.

Não, minha família não é numerosa nem fazemos comida para vender. Embora esta ideia me atraia muito...vender comida é o mesmo para mim que vender um misto de arte com afeto e prazer não criminoso. Embora na nossa sociedade, comer pode escandalizar mais do que assaltar um banco ou dar as partes traseiras para conseguir uma promoçãozinha qualquer.

O  tema sexo por prazer gera tantos risinhos constrangidos e caras amuadas. Falar de sexo anal, então! Ai, meu Deus!  Mas sabemos que muita gente faz sexo sim sem uma gota de carinho apenas para conseguir vantagens sociais e materiais. Aí pode...dá vontade de vomitar.

Mas voltando ao cheiro do molho em plena terça-feira, este odor associado à visão do meu pai mexendo a panela gigante me traz uma profunda e deliciosa sensação de família. Se tivesse que escolher uma única imagem para definir o melhor em família, escolheria meus entes queridos na cozinha, aspirando o odor quente do molho, enquanto soco um pouco desta maravilha num pãozinho francês e o devoro sem nenhum sentimento de culpa.

Quando meu pai faz molho, bastante molho para congelar, fico à espreita, esperando o momento para roubar um pouquinho desta delícia com gosto de família, de afeto, de carinho, de infância eternamente resgatada.

O amor é condimentado, quente, saboroso, calórico, aconchegante, fumegante e transforma um simples pãozinho numa maravilha.

 
 
 
 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

Psicopatas da net

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Recentemente uma leitora inteligentíssima e deliciosamente irreverente que se comunica comigo frequentemente, me disse algo curioso quando me adicionou no Face. Ela escreveu que era a garota que havia comentado textos meus na Obvious, que não era uma psicopata.

Ao ver a sua solicitação de amizade, aceitei-a de cara. E mesmo que não tivesse reconhecido, teria a adicionado do mesmo jeito. Posteriormente respondi a ela que não me importava com os psicopatas da net já que precisamos conviver com os psicopatas no dia a dia. Vai se fazer o que? Eles fazem parte do nosso mais banal cotidiano.

A sociedade de um modo geral é meio psicopata e se orgulha disso. Li em um site , o qual não me recordo o nome, que o tipo psicopata é muito bem aceito atualmente enquanto que os depressivos são muito julgados.

Sofrer em nossa sociedade é pecado mortal, crime inafiançável. Manipular as pessoas, discriminar, julgar, se colocar como dono da verdade, se aproveitar do poder estabelecido para impor, para manipular e oprimir e ridicularizar são sinais evidentes de uma personalidade forte e fodona.

Muita gente mede a força dos outros pela capacidade de ser escroto. Quanto mais escroto, falso moralista, segregário e hipócrita, mais forte.

Não, não tenho medo dos psicopatas da net, embora eles encham o saco e sejam um porre danado.

Quer entrar? Entre. Quer ser gentil? Oba! Podemos virar grandes amigos! Quer ser sexy? Que delícia! Adoro! Talvez tente desenhar o seu rosto em minha mente numa noite solitária, abafando um risinho ruborizado.  Quer encher o saco? Encha, mas vai escutar cobras e lagartos pois sou uma mistura de italianos e espanhóis e ter sangue de barata não é o meu forte. Vespas saem da minha boca com a mesma fluidez de um bom dia simpaticíssimo.  Quer apenas espreitar? Por que não?




 
 
 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Sobre sonhos e pesadelos

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

 Depois de ter dado uma palestra hoje de manhã sobre o sexo e o bizarro no cinema político italiano, fui tomar a minha boa e velha cerveja regada a muitos risos sem siso e a uma alegria exagerada demais para as 11 da manhã.  Acho que toda alegria verdadeira é exagerada e despudorada mesmo...caso contrário seria felicidade padrão organizada e higienizada, postada nas redes sociais.
 
A cada vez que me deparo com uma plateia interessante e interessada, sinto a pele da minha alma se trocar como a de uma cobra que quer deglutir novos conhecimentos.
 
Só quem é professor pode entender sensorialmente o tesão que é explanar para alunos com expressões inteligentes, cheios de curiosidade e olhares sagazes. Só quem é professor pode entender com a pele o que significa transmitir e receber conhecimento simultaneamente, num processo simbiótico, em que a gente não sabe exatamente onde termina um e começa o outro.
 
De repente caímos na temática dos contos de fadas e suas versões originais e assombrosas. Mas por quê? Estávamos falando de semiótica, os signos no cinema, bons filmes não querem dizer exatamente o que mostram e uma cena de sexo nem sempre é sexo puro.
 
Muitos cineastas instigantes utilizaram do erotismo descarado e despudorado para falar de liberdade. Enfim, caiu-se no tema contos de fadas e um aluno falou sobre Alice no país das maravilhas e hoje à tarde em casa, tirando um "cochilo" de quase três horas, sonhei coisas terríveis. Uma mulher teve a língua cortada e falava normalmente e sorria maldosamente para a mãe como se ela tivesse culpa de algo.
 
Fiz associações malucas e bizarras com o gato do conto Alice no país das maravilhas e acordei com medo...uau!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Eu vejo O exorcista e pego no sono tranquilamente como uma criança ouvindo uma canção de ninar. ( Para falar a verdade, temo muito canções de ninar. Talvez tenha alguma relação com o filme O bebê de Rosemary RS)  E fiquei aterrorizada com a metáfora que relaciona o gato sorridente com um cara que abusava sexualmente de uma menina esquizofrênica. Eu devia odiá-lo simplesmente. Mas eu sinto um profundo medo. Um profundo medo por ter visto este tal gatinho tantas vezes sem enxergar o que se escondia por detrás dele.
 
A ignorância pode ser um bálsamo...um bálsamo que eu desprezo. Que eu vomito junto com uma empadinha estragada que comi por engano, por não ter um olfato e paladar muito apurados. Vomito junto com a cerveja que caiu mal. Junto com as lembranças que não me servem mais.
 
Sim, prefiro temer o gato e sonhar com aberrações. Prefiro sonhar com sorrisos diabólicos e cheios de uma mágoa mais cortante do que facas que mutilam línguas do que viver acreditando que o gato é apenas um gato em Alice no país das maravilhas.
 
 

 
 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

domingo, 25 de outubro de 2015

Os novos fariseus

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

 
Acho que tô ficando meio rabugenta. Não tô mais com paciência para certos joguinhos, para ficar lendo nas entrelinhas. Não tô com muito saco pra gente que se esconde atrás de máscaras e acredita que é o hábito que faz o monge.

Tô sem saco pra gente que diz amar a Deus, mas odeia todo mundo.  Tô sem saco para este mundo cheio de regrinhas e protocolos.

Tô até a tampa com gente que quer interferir na sexualidade alheia,  que fica julgando o que as pessoas fazem e deixam de fazer na cama, mas que são um poço de recalques e obsessões.

Tô de saco cheio de um Estado que se diz laico, mas que deixa decisões mega importantes nas mãos de fanáticos fundamentalistas que deveriam estar internados. 

Tô cansada desta gente que vota nestes fanáticos fundamentalistas porque não suportam a ideia de que as pessoas sejam livres para viverem como bem entendem. Quem está preso por uma fé sufocante , não quer ficar preso sozinho. Então a saída ideal é prender pela coerção quem pensa diferente.

Tô cansada deste tipo de fé que pinta Deus como um tirano sádico. Tô cansada desta sociedade que sataniza o sexo e coloca a violência num altar. Tô cansada desta gente que se auto define como os escolhidos de Deus, mas que exploram seus empregados, infernizam a vida de quem tem outras crenças, que rotulam umbandistas, espíritas etc

Tô cansada desta gente que critica católicos por amarem Nossa Senhora, mas que cultuam a intolerância e o preconceito.

Tô cansada desta gente que crucificaria Jesus novamente se ele não viesse com terno cinza, gel no cabelo e discurso homofóbico.



 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

Dê tempo ao amor e amor ao tempo

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

 
Chega uma fase da vida da gente que paramos para pensar e falamos para nós mesmos: "Quanto tempo perdido!"
 
O tempo é a coisa mais preciosa que existe neste mundo de meu Deus. Recupera-se o dinheiro perdido ( não exatamente o mesmo...mas um que o substitui perfeitamente bem). Reembolsa-se ou deveríamos reembolsar as pessoas quando batemos no carro delas ou derrubamos sem querer uma xícara de café sobre uma blusa nova etc etc etc
 
O que se fazer quando alguém perde tempo por nossa causa? Diferentemente de dinheiro, carros e blusas, não podemos repor o tempo perdido. E tempo não é dinheiro. Tempo é muito mais valioso do que isso. Tempo é a matéria-prima da vida. Se precisamos de milho verde para fazermos pamonhas, precisamos de tempo para fazer a vida.
 
Tempo e amor me parecem as duas coisas mais essenciais. O tempo por ser a própria vida. O amor por dar sentido à mesma. Sem tempo, não há vida e sem amor a vida não tem razão de ser. Amor por tudo. Por qualquer coisa. Amor pelo bolo caseiro desmanchando-se na boca e provocando gemidos equivalentes a um orgasmo.
 
Amor pelo primeiro gole de café numa manhã sonolenta. Amor pela janela do metrô em que podemos nos encostar quando estamos caindo de sono. Amor pela água quente do chuveiro massageando o corpo todo de uma vez só num lindo dia cinzento e frio. Amor pelo cheiro de pão de queijo saindo do forno, implorando para ser devorado. Amor pela manteiga derretendo na espiga de milho verde.
 
Amor por aquele amigo sem noção que te faz entender o valor do riso. Amor por aquele livro que te tornou menos tacanho. Por aquela música que arrepiou os pelos do seu corpo todo e te fez se sentir mais feliz num dia de merda. Por aquela música que te fez chorar e te mostrou que você é capaz de sair do piloto automático do constantemente feliz.  Amor pela faculdade. Pelo trabalho. Pela família. Pelo amado, amante, o que for.  
 
Pelo cachorro de rua que você alimentou e acariciou como se fosse seu. Pelo seu próprio cachorro, gato, papagaio. Amor por você mesmo. Não só pelos seus cabelos sedosos e dentes ultra brancos que nem os mostrados nas campanhas de TV. Amor por suas rugas, por sua flacidez, por sua primeira mecha grisalha.  Amor por suas cicatrizes. As do corpo. As da alma. 
 
Amor pelos amores frustrados. Pelas dores do passado. Pelas mentiras que fingiu acreditar para não pirar. Para não tomar uma atitude digna de um ser um humano. Pelas mentiras que você contou a você mesmo de forma extremamente convincente. 
 
Amor pelo dia em que quis acima de tudo desistir. Em que olhou hipnotizada para o vão do metrô , imaginando como seria terrivelmente doloroso e simples.
 
 
 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

sábado, 24 de outubro de 2015

Ah????!

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Sinto uma profunda desconfiança por gente que se define equilibrada, controlada demais.

Uma vez, em mais um dos esquetes de horror da minha vida, me deparei com uma frase que quase me paralisou. Alguém me disse que nunca tinha passado por uma grande dor porque controlava bem a sua vida.

Estávamos em uma estrada e senti vontade de abrir a porta do carro só para fugir daquela conversa completamente organizada. Como alguém com mais de 30 anos nunca havia passado por uma grande dor?

Ele falou com um jeito todo fodão, macho alfa, garoto esperto. Na cabeça dele, eu devia ter ficado excitadíssima.

Não! Não fiquei! Digo e repito: quis abrir a porta do carro. Eu me lixo pra gente sem uma pontinha de tristeza no olhar. Eu me dano pra gente que tem tudo sobre controle.

A gente tem mais que ralar o cu nas pedras, se foder bastante antes de criar esta postura blasé diante da vida.  Alguém que se endurece depois de ter se ferrado bastante é um tesão.

Gente que já nasce endurecida e seca como pão velho, me causa gana de perguntar: "Cara, por que você tá me falando uma merda dessas? Guarde seu autocontrole ultra magnético e sexy para quem se impressiona com esta bosta toda?"

Como alguém imagina uma mulher  escritora, cinéfila, especialista em erotismo no cinema espanhol como alguém que curte autocontrole absoluto??????? Falta de feeling total!

Sei lá, mas acho que tenho alergia a gente normal demais.

 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

Não basta ser bom, ter que ser foda

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

É isso mesmo, caro leitor que curte esta garota desbocada de 37 anos, com libido de 15 anos e traumas de 507. Não basta ser bom, ter que ser foda.

Não basta gostar. Tem que adorar. Não basta querer. Tem que desejar com toda a força das nossas entranhas.

Não basta sorrir amigavelmente. Tem que invadir a vida do outro. Não basta dizer bom dia ou boa noite. Tem que beber junto, chorar junto, rir junto.

Não basta comer. Tem que devorar. Não basta beber. Tem que se embriagar com as emoções.

Não basta tocar. Tem que penetrar. Não basta sentir. Tem que estremecer. Não basta existir. Tem que viver.

Não basta dizer: "Eu quero ou Eu gostaria". Tem que tomar para si com as duas mãos.  Não basta sonhar, imaginar. Tem que mergulhar no mais profundo delírio.

Não basta sofrer. Tem que se desintegrar em partículas de desespero.

 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

Agonia

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Tomo uma taça de vinho branco que é o meu preferido e olho pela janela e vejo um dia cinzento que normalmente me enche de inspiração.

Mas, mais uma vez, sinto-me lançada ao abismo da crise criativa. As palavras me fogem por completo. A alma esvazia-se de paixão e se bato o dedo no teclado do computador é por pura compulsão. É por pura inércia. É por pura incapacidade de reinventar-me de forma mais criativa.

Qualquer coisa dentro de mim resiste a entregar-me a um estado permanente de letargia.

Qualquer coisa histérica dentro de mim me empurra para a vida. E mesmo sabendo que no final das contas, tudo se resume a merda e desejo não satisfeito, insisto pateticamente a oferecer o melhor dos meus sorrisos ao mundo. Flerto com as possibilidades, me embriago com pequenas mentiras, me deixo levar pelo brilho falso das bijuterias, mas lá no fundo, sei que os tesouros verdadeiros estão apartados de mim.

Ok.Ok.Ok. Se os tesouros fossem meus, talvez eu não os quisesse mais. Talvez deixassem de ser tesouros...ou não...não sei...nunca saberei...não tenho como saber. E esta impotência diante da falta de desejo do outro me põe louca. Quero gritar! Mas me atenho a bater insistentemente o dedo nervoso no teclado.

Sinto uma fera me devorar o coração. E se não conseguem ver o sangue injetar meus olhos, é por puro medo ou falsa ingenuidade.

Queria sair por aí, com a alma nua, louca, tomando para mim com minhas unhas curtas e sem esmalte o que desejo, independente de ser merecedora ou não.

Queria lançar um olhar para tua alma e te perguntar: "Por que não?"

 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sobre os mitos que criamos sobre nós mesmos

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Sim, chega uma fase da vida em que não dá mais para mentir para a gente mesmo e tentar nos convencer de que gostamos disso ou daquilo.

Sim, chega um momento em que não dá mais para negar o que se deseja. Não dá mais dizer que somos isso ou aquilo, lá no fundo, sabendo que somos algo bem diferente do que nos ensinaram.

Sim, chega um momento em que é preciso admitir-se complicada, cheia de mas e poréns. É preciso aceitar que temos as nossas manias sim e que não nos satisfazemos com qualquer coisa.

Sim, chega um momento em que a gente começa a ter brio e confessar o nosso lado sombrio, que muitas vezes, é muito mais magnético do que o certinho.

Sim, é preciso dizer a si mesmo, com todas as letras, alto e em bom som, que somos implicantes, exigentes, somos sedentos por amor , mas não basta qualquer tipo de amor. Queremos afeto, mas não pode vir de qualquer pessoa para nos saciar.

Sim, sou complicada, exigente, quero tudo aqui e agora, profundo e intenso.  A minha cara de vítima não me impressiona mais. Também não me impressiono com duas ou três palavras carinhosas.

Não, não quero dar a vida por você. Não quero viver para amá-lo e fazê-lo feliz. Não quero me especializar no seu prazer. Quero sorver o sangue de seu coração com um canudinho, rejuvenescendo minha própria alma esgarçada.

Quero saciar a minha sede de vida com a tua boca, com a tua saliva. Quero matar a minha fome de prazer no teu corpo que deseja se rebelar.

Quero usá-lo como o meu brinquedinho particular, joguete manipulável. Quero fazer de você o que eu bem entender, adorando-o como um prolongamento do meu próprio gozo.

Quero te escravizar ao meu desejo, fazendo-o pedir mais e cada vez mais um pouco de tudo aquilo que jorra de dentro de mim.

Quero este amor menor e vital. Este amor que dilata as pupilas e aperta o coração. Este amor menor e vital, que me faz odiá-lo. Que me lança em tua direção furiosa.


 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

O manual do cuzão

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Se você é um cuzão e pretende aprimorar o seu jeito de viver na retranca, este post poderá ser bastante útil.

Como adoro a diversidade, não quero deixar este tipo que anda por aí aos montes necessitando de orientação e luz para viver.

Cuzões em geral não definem nada. Esperam para ver que bicho que vai dar, para cair do lado do muro que parece mais fofinho. Enfim, cuzões não tem atitude. Portanto se você quiser continuar sendo um cuzão, continue sem decidir porra nenhuma. Continue em cima do muro, deixando a vida te levar.

Cuzões que se sentem constrangidos por serem cuzões, tentam disfarçar a própria cuzice com discursos bonitinhos sobre uma vida mais alternativa, mais livre, mais isso, mais aquilo, mas na prática são tão conservadores quanto aqueles que se colocam como a patrulha da moral e dos bons costumes.

Cuzões pensam que o mundo é como é e que o melhor é se adequar, mesmo uivando de ódio por dentro. Cuzões se cagam de medo das emoções e se fecham por não saberem lidar com elas. Para se sentirem menos fracos, usam o discurso que analisam bem o território antes. Enfim, querem conferir um academicismo para a falta de ousadia.

Boa desculpa! As meninas e meninos incautos vão acreditar com certeza. E o melhor de tudo: te acharão uma pessoa profunda e complexa. Não conseguirão ver o penico imaginário que anda ao seu lado.

Cuzões são o que são. Só se entregam se tiverem todas as garantias de sucesso. Mas se "entregar" com todas as garantias não é entrega. Não é sucesso. É nada. 


 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Uma dose cavalar de acaso

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Em uma época de tanta liberalidade em relação a drogas lícitas e ilícitas, não consigo deixar de pensar que o acaso amoroso dá um barato danado. É bem melhor do que uma margarita alucinógena que meu pai preparou aqui em casa por engano. Colocou tequila demais e ficamos como dois bobos rindo e olhando um para a cara do outro e dizendo : "Ficou muito forte!" e bebendo-a mesmo assim.

Sei que atualmente as pessoas se conhecem pelo Tinder. Racionalmente falando, entendo as vantagens do sistema. Mas como excesso de racionalidade não é o meu forte quando o assunto é relacionamento, acho que parte fundamental do processo vai para PQP.

Quando alguém acessa um troço destes, está a procura de romance. E quando este alguém recebe uma mensagem, também já sabe que este outro alguém quer romance com ele ou ela. Tudo muito previsível...me sinto contratando uma secretária. Olhando e analisando currículos. Ninguém cabe na descrição de um site. E se couber...ai, Meu Deus. Prefiro ficar sem conhecer esta pessoa.

Em meus momentos de fraqueza, chego a recorrer a estes meios , mas 3 minutos e meio depois bate uma fossa danada e sinto vontade de entrar para a ordem das carmelitas descalças só não para não correr o risco de entrar novamente nestes sites e ver um bando de gente carente. Carente ou prática demais, o que pode ser bem pior...

Sempre gostei do imprevisto de me apaixonar por alguém num lugar inusitado, do nada, sem dar muita conta. 

Gosto de situações anticonvencionais. Gosto quando as coisas acontecem no momento que menos espero, do jeito mais torto possível. 

Gosto quando as coisas fogem do controle, me atropelam, me arrastam pelos cabelos, me trucidam, me jogam contra a parede.  Gosto de enfiar os pés pelas mãos, pisar na bola, cair de bunda no chão e me espatifar com a força do acidental.

Mas talvez seja utopia esperar por uma energia tão natural e brutal num mundo como o nosso em que as pessoas terminam namoros por WhatsApp.

 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

Me perdoem os pacifistas, mas ter inimigos é fundamental

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Sim, ter inimigos é fundamental. Alguém de alma pura e bons valores poderia me mandar uma mensagem, me alertando para o equívoco do título: "Você não quis dizer que ter amigos é fundamental"?

Dizer que ter amigos é fundamental é o mesmo que dizer que levar um pé no traseiro dói pacas e que tem dias que a gente quer mandar pelo menos uns três à merda. Enfim, é o óbvio dançando balé clássico à nossa frente, com um sorriso insosso.

Sim, ter inimigos é fundamental. Não digo muitos. Ter muitos inimigos vira um problema. Na verdade , dois. Um de ordem prática e outro de ordem psicológica, que de certa forma, acaba se tornando prático também.

Problema 1: Alguém com muitos inimigos tem muitas portas fechadas. Problema 2: Se você tem muitos inimigos , de duas uma: ou você é muito Zé Encrenca ou é fodão demais. Se você é Zé Encrenca as pessoas se afastam com receio. Se você é o fodão se afastam também por receio.

Agora, ter uns dois ou três inimigos dá um chilli para a vida. Afinal de contas, para quem você vai exibir uma grande conquista? Para os amigos? Não! Não! Não! Não tem a menor graça contar conquistas para amigos. Amigo que é amigo gosta da gente de qualquer jeito. Amigo que é amigo quando vê a gente na sarjeta , na rua da amargura, nos compra uma coxinha e diz o quanto somos incríveis. O barato é arrumar um jeito para os inimigos ficarem sabendo.

Sim, um inimigo e um pontapé no traseiro são duas coisas horríveis que levam a algo bom: somos arremessados para a frente!

Os pacifistas que me perdoem, mas ter inimigos é fundamental. Nada mais perfidamente saboroso que olhar para a cara verde de inveja da oposição enquanto degustamos o nosso Martini Bianco mega gelado.







 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

Imobilismo

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Sou alguém que realmente odeia móveis fixos. Existe uma incompatibilidade na expressão móveis fixos. Se são móveis deveriam se mover.

Por muitos anos olhei desdenhosa para o grande armário fixo em meu quarto. Este armário que inviabiliza qualquer mudança. Cama na mesma posição, tapete na mesma posição, armário fixo, na mesma posição. Tédio na mesma posição. Adoro aquelas camas com rodinhas que a gente chuta de um lado para o outro, dinamizando a vida. É preciso inverter , trocar, mudar a posição, ver as coisas por novos ângulos.

Andando no metrô, pensei na imobilidade do mundo: estantes imóveis, móveis feitos sob medida, a medida perfeita para uma determinada fase da vida.  Pessoas imóveis. Pessoas incapazes de reformular conceitos, valores. Pessoas incapazes de lutar contra o estabelecido, incapazes de sair do arroz com feijão. Incapazes de suportar o gosto da pimenta sobre a comida caseira. Incapazes de ver além do trivial. Incapazes de flexionar ideias. 


Quero gritar e chorar! Mas estou cansada demais para isso. Estou cansada de lutar sozinha. Estou cansada de tentar mostrar o óbvio. Estou cansada de dizer que tudo pode ser diferente, basta querer. Estou cansada de encontrar na chuva e no copo de vinho os únicos agentes móveis da minha vida.

Sou alguém que realmente odeia móveis fixos. Ideias sedimentadas.

Sou alguém que realmente odeia opiniões inflexíveis. Conservadorismo. Odeio mais ainda quem quer se mostrar de vanguarda , mas é mais conservador do que o maior defensor do conservadorismo. Ao conservador assumido, dedico a minha ironia. Ao conservador dissimulado, em pele de progressista, só posso dar o meu desprezo.

Sou alguém que odeia menus fechados, casais que fazem sexo sempre no mesmo dia da semana, pessoas que dizem "tudo bem" sem se importarem.

Sou alguém que odeia esta vida que nós dá rugas e cabelos brancos, mas tão pouca maturidade. Tão pouca alegria.

 
 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Sem palavras

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 Vejo uma palestra sobre Sartre olhando para as minhas unhas cheias de cutículas. Depois de quase 18 anos fazendo as unhas toda semana, depois de quase 18 anos exibindo mãos impecáveis com unhas vermelhas poderosas, resolvi parar de fazê-las para me mutilar simbolicamente. Para dizer a mim mesma que amor e paixão não faziam mais parte da minha vida. Que não olharia mais para os homens nem eles para mim. E se olhassem, eu os mataria com minhas unhas curtas mesmo.
 
O que em princípio teve um princípio mórbido e autopunitivo, transformou-se numa espécie de índice de uma liberdade descuidada. Quando olho para as minhas unhas com cutícula, não penso que estou apartada dos homens, não penso que vou matá-los com minhas unhas sem esmalte. Talvez fosse mais feliz se tivesse realmente apartada RS talvez a vida fosse menos turbulenta e histérica. Talvez me sentisse menos desesperada e eufórica.
 
 Os jovenzinhos pensam que as paixões explodem e nos implodem no início da vida apenas.  Boa notícia! Se você perdeu seu grande amor, senhorita de 17 anos ou senhor de 18, a vida ainda vai  reservar muitas surpresas. Má notícia: a vida ainda vai te levar a nocaute muitas vezes. Porque se apaixonar é sempre bom, é sempre forte, é sempre louco, é sempre horrível.  No meu caso, bem horrível, quase horrendo. Não sei por que mas a palavra horrendo me parece mais assustadora do que horrível.
 
 Mas voltando às cutículas, eu penso simplesmente que eu não preciso mais de unhas vermelhas para dizer qualquer coisa sobre mim.  Eu não preciso de mais nada para dizer qualquer coisa sobre mim, além das minhas próprias palavras. Elas me definem tão vivamente que são praticamente eu mesma.  Talvez sejam mais verdadeiras do que qualquer outro gesto.
 
Uma vez,  a milênios, em outra vida,  alguém me disse que havia uma paixão em mim quando eu escrevia que se perdia quando eu falava.  Ele me achava meio defendida falando...que injustiça...estou quase emocionada ao lembrar do meu passado ridículo.
 
Ok.Ok.Ok. Voltando novamente às unhas, tema chave deste artigo escrito num dia de crise criativa e um tédio agudo de fazer doer o útero, em que só não grito bem alto porque estou com preguiça,  quando uma amiga ou uma prima casar, eu pintarei as unhas. Eu irei bem arrumadinha como a boa menina que me ensinaram  a ser.  Prometo botar uns sapatos de salto também como uma moça bem educada. Mas não me peçam para andar elegante. Já é pedir um pouco demais.
 
Tem coisas que realmente não posso fazer, como andar de salto sem afastar as pernas para me equilibrar nem mexer em eletrônicos. Enquanto houver um rapaz gentil por perto para me ajudar com eletrônicos, continuarei sem aprender com meu sorriso irônico.
 
Além de entediada, estou dispersa! Voltando às unhas, se eu fizer uma peça teatral com uma personagem que se auto defina pelas unhas, também posso pintá-las. Mas enquanto estiver na pele de Sílvia Marques, continuarei com a cutícula olhando para mim enquanto olho para Sartre, Nietzsche ou qualquer outro pensador que me faça pensar que se livrar destas pequenas vaidades do dia a dia é bom pra cacete. É como "desentochar" a calcinha.
 
Sim, minhas cutículas são o índice da minha rebeldia e principalmente da minha preguiça.





 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Atores e personagens

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Confundi tudo. Confundi ator com personagem. Demaquilei o ator e deixei-o fechado no camarim. Saí para a rua como personagem. Existiu sempre algo em mim que não se encaixava...uma bizarrice qualquer.

Notas foram de tom, disco de 33 rotações rodando a 45, as cores não harmonizavam muito bem e sempre tive mais sombras do que luzes.

Um jeito manso de falar com olhos de assassina.  Modos suaves enquanto tudo berrava dentro de mim. Achava que o som vinha de outro lugar qualquer. Imaginava que os berros eram apenas ansiedade.

Confundi tudo. Achava que queria uma casa branca com cerquinha. Quero mais não ter hora para chegar a lugar algum.

Quero descer na estação errada só para ver se me encontro. Só para ter o pretexto de falar com desconhecidos.

Quero encontrar com esta desconhecida que mora dentro de mim e que é eu mesma.

Quero ficar até quando estiver bom e se for bom para sempre, só não comemorarei com champanhe todos os dias para não virar rotina.

Quero ir quando não der mais e voltar para mim mesma sempre.

Quero circular por terras estranhas e criar meus imprevistos só por diversão.

Não quero preencher formulários nem seguir protocolos. Quero fazer minhas regras contanto que elas sejam boas pra você.


 
 
 
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.




 
 
 
 








 
 
 

Furor

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 Acendo meu cigarro imaginário nesta manhã desértica para me sentir menos sozinha. Para me sentir menos abandonada e entregue às minhas emoções.
 
Agora que finalmente entendi que nada realmente faz sentido, me sinto mais apaziguada, mais suavemente melancólica. E bebo mais um gole de café pois ainda é cedo para uma taça de vinho.
 
Escuto música dos anos 80 e sou arrastada por um labirinto em que todas as saídas dão para o caos. Ando descalça, com a alma nua, os olhos quase fechados diante da fumaça do cigarro que criei para mim. E me intoxico ao pensar no cheiro que a sua pele exala. Continuo andando...
 
Mais um gole de café. Fumantes precisam de muito café, mesmo que sejam fumantes imaginários.
 
Deixo-me cair exausta nos braços da minha poesia. Desta poesia de gosto duvidoso que sai das minhas entranhas para preencher de forma estranha a vida.
 
Mais uma tragada. Já não posso abrir os olhos. Já não posso te ver. Só vejo a mim mesma , nua , louca , indefesa.
 
Mergulho no esgoto das lembranças perdidas em busca de um pouco de morfina para esta dor gozosa que me rasga o ventre.
 
E o calor continua...
 
 
 
 
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.




 
 
 
 








 
 
 

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Entre histéricos e obssessivos, fico com os histéricos

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Não tem muito jeito. Ou as pessoas são neuróticas, psicóticas ou pervertidas. Grandes opções...a maioria é neurótica, o que representa a opção menos pior. E entre os neuróticos, encontramos os histéricos ou obsessivos. Mais outra grande opção...

Mas tudo bem. A vida não oferece grandes opções mesmo. Se é gostoso, engorda. Se é saudável, não sacia. Se serve , é caro. Se é barato, não tem o nosso número. Se tem tempo livre, falta disposição. Se está com tudo em cima, a agenda está lotada.  Se a gente tem interesse, a pessoa não liga. Se a gente não tem,  a pessoa corre atrás.  Se temos libido, falta companhia. Se temos companhia, de duas, uma:  ou a companhia não é boa ou a libido vai pescar em PQP.

Na juventude falta grana. Na fase adulta, tempo. Na velhice, saúde. Realmente as opções são precárias. Mas nada que deva tirar o seu bom humor e fé no momento. Nada que uma taça de vinho tinto e uma música retro não resolvam depois de um dia longo e calorento.

E entre histéricos e obsessivos, posso responder num piscar de olhos.  Histéricos podem monopolizar. Concordo. Sedentos por atenção e afeto parecem crianças grandes. Mas nada que se compare a um obsessivo.

Enquanto um histérico sofre porque não foi adorado o bastante ( enfim, sofre por algo graaaaande) , o obsessivo entra em crise porque as colheres de sopa e sobremesa foram guardadas na mesma repartição por engano  ou a luminária sobre a escrivaninha está 2 cm a mais para a esquerda, o que provoca uma crise diplomática de proporções interplanetárias na relação.

Enquanto histéricos querem aplausos, obsessivos querem dizer que você não é boa o bastante.

Enquanto histéricos querem quebrar a quarta parede da vida, obsessivos querem nos colocar no chiqueirinho das emoções com um patético chocalho nas mãos.

Sim, sou bem mais os histéricos com seus números circenses, pois tudo é intenso e as emoções são encenadas para ficarem ainda mais verdadeiras. Eu fico com os histéricos pois eles têm gosto de borbulha de champanhe no céu da boca. Eu fico com os histéricos pois na cama eles vão fundo e não têm nojo de nada.

Eu fico com os histéricos porque eles sacodem as estruturas do tédio e nos convidam ao ridículo do riso e do choro fácil.

Mil vezes um teatrinho de qualidade duvidosa do que centralizar luminárias e ficar atenta para as repartições das colheres.  Falta de glamour total...

Tudo no obsessivo é muito restrito e eu preciso de espaço. Tudo no obsessivo é muito seguro e eu amo riscos. Tudo no obsessivo é muito organizado. E eu preciso do caos de um olhar. Tudo no obsessivo é muito controlado e eu amo me perder de mim para me achar logo em seguida, na próxima esquina.

Eu gosto do torpor de um beijo inebriante. Eu preciso do calor de um riso despudorado. Eu quero mais sair correndo por aí, com o celular desligado, sem relógio, sem hora para chegar, muito menos para voltar. E entre a chegada e a partida, escolho as reticências!

 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.




 
 
 
 








 
 
 
 
 
 
 

Alegria

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A alegria é simples sim. Com isso não quero dizer que ela está à venda junto com cigarros e bombons na banca de jornal.
 
A alegria é cotidiana sim. Com isso não quero dizer que ela é barata ou acessível como um café num bar.
 
A alegria é sagrada sim. Com isso não quero dizer que você precisará viajar a Índia ou a Jerusalém para abraçá-la.
 
A alegria é profana sim. Com isso não quero dizer que ela necessite acabar na cama.
 
A alegria é frutífera. Com isso não quero dizer que ela necessita gerar filhos, livros ou árvores.
 
A alegria é pessoal. Com isso não quero dizer que ela seja egoísta.
 
A alegria é musical. Com isso não quero dizer que você precisa saber dançar.
 
A alegria não cabe em nenhuma fórmula fechada, frase pronta ou livro de autoajuda. A alegria não  é bolo, embora seja deliciosa. Ela não tem receita. A alegria não é analgésico, embora tire a dor. Ela não tem prazo de validade.
 
A alegria vem em todos os tamanhos, cores, gostos e bolsos.  A alegria é aquela energia estupenda que faz a gente rir , vibrar, se deslumbrar. A alegria é aquela coisa que faz os outros desejarem ficar perto da gente. É aquela coisa que a faz a gente querer ser a gente.  
 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.




 
 
 








 
 
 
 
 
 
 
 

domingo, 18 de outubro de 2015

Pensamentos de uma mulher quase madura

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Uma vez, um professor muito querido disse-me que eu seria jovem aos 50 de idade. Sorri envaidecida dentro dos meus vinte e poucos anos...

E se ele estiver certo, ainda tenho um bom tempo para amadurecer.

Quase todo mundo que já passou dos trinta, gosta de fazer uma listinha das coisas que aprendeu. Eu já fazia estas listas antes dos 30 porque apesar do meu excesso de jovialidade, posso ter 507 anos de vez em quando.

Hoje prefiro listas menos sistemáticas, menos categóricas. Hoje prefiro jogar minhas impressões  como quem vomita depois de ter misturado vinho com alguma outra coisa qualquer. Vinho é diva, prima dona. Precisa do palco inteirinho para ele.

Hoje prefiro dizer simplesmente sem muito compromisso, sem muita sistematização, sem me levar muito a sério algumas coisas que me marcaram.

Percebi que sapatos de salto são lindos, mas que prefiro usar tênis porque conforto fica em primeiro, segundo e terceiro lugar para mim.

Percebi que a melhor forma de ser feminista não é criticando os homens e sim olhando nos olhos deles e falando de igual para igual.

Percebi que não existe hora marcada para ser feliz e se esperarmos pelo momento ideal a vida passa em branco.

Percebi que existem muitas hierarquias. Se não posso mudar a sociedade, me contento em quebrar os muros e pedestais dentro do meu mundo particular.

Percebi que é melhor errar pela emoção do que pela razão.

Percebi que as pessoas mais agressivas são as mais covardes.

Percebi que nada desperta mais a inveja do que o senso de liberdade.

Percebi que somos como alcoólatras sob controle no que diz respeito aos nossos defeitos.  Podemos nos segurar, mas sempre existe o risco de tudo voltar a acontecer. Podemos mudar hábitos e a forma de ver certos temas, mas não mudamos temperamento.

Percebi que todo mundo precisa se agarrar a alguma coisa para suportar a vida. Todo mundo tem algum viciozinho sórdido.

Percebi que precisamos realmente nos afastar definitivamente de pessoas que nos fazem mal. Nenhuma regra social de cortesia pode nos obrigar a ficar perto de quem defeca em nossos ouvidos. Tem gente resistente à lactose, a glúten...eu sou alérgica a futilidade e gente burra que se acha inteligente e sai dizendo bosta como se fosse o ban ban. Burro bom é burro passivo.

Percebi que pequenas transgressões são o lifting da alma e sorrir e abraçar bastante são os melhores cosméticos que existem.

Percebi que não adianta fazer planos.

Percebi que invejosos são irritantes para caramba , mas que sem eles a vida ficaria ainda pior.

Percebi que a lealdade e a generosidade são muito superiores ao moralismo.

Percebi que é bobagem tentar buscar vantagens em dias quentes. Eu realmente os detesto.

Percebi que uma vida feliz é bem melhor  do que uma vida regrada.

Percebi que quero morrer doente...seria muito triste morrer saudável RS
 
Percebi que só é possível obter o melhor se arriscando ao pior.



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.