sábado, 13 de fevereiro de 2016

Tomando chá com Jane Austen

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS



Uma vez, li que Jane Austen estava entre uma das maiores autoras da língua inglesa , perdendo apenas para Shakespeare. Arregalei os olhos. Por mais que reconhecesse o valor da literatura de Austen, achava que colocá-la entre os 3 ou 4 maiores autores da língua inglesa era exagero.

Conversei sobre este tema com uma grande amiga, professora universitária como eu, com três graduações. Uma delas, Letras. Ela concordou que Austen era uma das maiores autoras da literatura inglesa e me explicou didaticamente o porquê.

Embora Jane Austen nunca tenha viajado e viveu sua curta vida ( morreu com 41 anos apenas) confinada a seu restrito contexto, a Inglaterra Georgiana, a autora trouxe à tona temas e abordagens atemporais.

Entre seus temas favoritos estavam o casamento por conveniência ( Austen apesar de não ter sido rica se manteve solteira pois considerava um casamento sem amor a pior coisa que pode acontecer à vida de uma mulher) e os arranjos sociais de um modo geral. A necessidade de fazermos jogos para sobrevivermos e obtermos vantagens num mundo dissimulado e cheio de regrinhas fúteis. 

Austen, apesar de ser uma mulher muito tradicional, apresentava ideias feministas, pois ela mesma optou por viver da sua literatura. Ela mesma não aceitou submeter-se a um casamento sem amor. E em suas personagens, havia um vigor muito especial, uma racionalidade profunda ( falo racionalidade como capacidade de discernir. Não uso o termo racionalidade no sentido de frieza e falta de sentimentos).

Lizzy Bennet , a protagonista de Orgulho e preconceito, é o protótipo da mulher inteligente, que ama intensamente , mas tem controle sobre os sentimentos pois entende e sente que a honra e a virtude estão acima das paixões. 

Inclusive , uma vez, li numa matéria jornalística um texto sobre a série realizada pela BBC, baseada no romance Orgulho e preconceito. Na manchete do artigo, a personagem de Lizzy era definida como a heroína inteligente , de olhos brilhantes. 

Lizzy era bonita , mas seu traço mais marcante é a inteligência, o que coloca a mulher num patamar mais nobre. Lizzy é a precursora da mulher contemporânea. 

Austen , muitas vezes é confundida como uma escritora menor, uma autora de romances melosos que serviram de base para comédias românticas. Mas , Austen foi muito além desta aspiração folhetinesca pequeno burguesa. Austen criticou ferozmente as hipocrisias sociais por meio de uma linguagem leve , fluida e sutilmente irônica. Sim, Austen era uma mulher irônica, qualidade julgada até hoje nas mulheres. Até hoje , mesmo que de forma velada, a ironia é um  traço considerado tipicamente masculino, fazendo as mulheres que as utilizam pagarem faturas altas por conta disso.

Sim, minha amiga me convenceu totalmente deste ponto de vista. Gosto quando as pessoas conseguem me convencer de alguma coisa. Gosto quando me levam a revisitar meus pontos de vista. 

E ainda hoje, me lembro com saudade , de um dia em que mergulhei pela segunda vez no romance Orgulho e preconceito tomando uma xícara de chá inglês. Foi verdadeiramente intenso. 








Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 

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