segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Dejetos virtuais


Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Infelizmente , estamos vivendo a Era do não gosto, do não quero, do não concordo. Muitas pessoas gastam mais tempo criticando aquilo que as desagradam do que elogiando aquilo que as agradam. E entende-se por crítica no contexto deste post , um jorro azedo de insultos salpicados de ironia grosseira ou agressão nua e crua mesmo.

Na boa...sinto vontade de mandar estas pessoas tomarem naquele lugarzinho quente e íntimo quando me deparo com este tipo de atitude.  E este desejo surge em mim mesmo quando a agressão gratuita não é dirigida à minha pessoa.

Gente que gosta de contrariar por contrariar me dá nos nervos. Um texto muito bacana da Obvious me inspirou a escrever este post. Inclusive , tem uma versão mais politicamente correta dele na Obvious. Aqui, posso rasgar o verbo. 

O texto falava sobre a excessiva sensibilidade de alguns artistas do porte de Dostoievski , Dickens e Allan Poe.  Recebeu selo do editor. Um artigo muito bonito.

Li uma série de comentários nojentos ao estilo de "Eu também poderia escrever Crime e castigo, mas não quero, tá?"
 
Ninguém é obrigado a ter uma sensibilidade extrema, até mesmo porque sensibilidade extrema é para poucos. Ok.Ok.Ok. Tem muita gente sensível no mundo. Tem muita gente artística no mundo. Tem muita gente que escreve super bem. Mas felizmente ou infelizmente, nem todo mundo consegue fazer um livro do porte de Crime e castigo. E daí? Qual é o problema?  Mas parece que muita gente se ressente por isso e como não consegue ser um Dostoievski, prefere ser ninguém, apenas um internauta azedo e chato.

 
Está faltando encantamento no mundo. Está faltando capacidade de se deslumbrar com o mérito dos outros.  
 
 
Muita gente se ressente porque não consegue comprar o talento ou a sensibilidade sacando seu cartão de crédito. Tem gente que não quer entender que não dá para escrever Crime e castigo como quem decide comprar um sapato.
 
 
Sim, podemos nos vestir com as roupas da moda, usar o corte de cabelo da moda, fazer a dieta da moda, ver os programas da moda , ir à balada da moda, ler os livros da moda...mas existem coisas que nunca seremos ou viveremos mesmo querendo muito.
 
Não seremos grandes artistas nem teremos uma sensibilidade insuportável porque assim o desejamos. Não conheceremos nem viveremos o amor em todo seu horror e plenitude porque decidimos hoje que vamos nos apaixonar pela pessoa que a sociedade tachou como ideal.
 
 
Sim, podemos ler e estudar bastante e desta forma nos intelectualizar. Podemos sim construir uma relação de carinho e respeito com alguém que escolhemos racionalmente para a nossa vida. Mas ser um grande artista , viver um grande amor...ah...infelizmente não é para todos. E não adianta se ressentir. Não adianta fazer beicinho. Não adianta querer viver o melhor, se esquivando do pior.
 
As pessoas querem os aplausos que os artistas recebem e os beijos dos grandes amantes. Mas raramente estão dispostas a suportar um décimo do sofrimento infernal que esta gente peculiar sente. E mesmo que aceitassem senti-lo...como já disse, não é uma questão de escolha.
 
A gente pode optar por mudar de emprego, adotar uma dieta mais saudável, se livrar de um relacionamento doentio, fazer uma nova faculdade etc mas amar loucamente uma pessoa ou ser capaz de escrever um livro do porte de Crime e castigo não são questões de opção.
 
Sim, precisamos nos encantar, nos deslumbrar mais com o outro. A capacidade de se encantar com o outro também é um lindo dom, muito subestimado em nossa cultura dos "vencedores" e "perdedores".
 
Somos todos um pouco vencedores e um pouco perdedores. Mais do que isso. Somos todos sobreviventes. E como diria Caetano Veloso na música 'O dom de iludir", "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é".

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


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