quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Sobre livros , livrarias e o sentido da vida

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Comecei meu caso de amor com os livros muito cedo. Mal acabara de ser alfabetizada, comecei a devorar os livros infantis que eram abundantes em minha casa. Herança do meu irmão mais velho. Sem falar nos que eu ganhava. Guardo até hoje uma coleção linda , composta por três livros , que ganhei da minha avó paterna. Era uma coleção com os principais contos de fadas.

Com seis anos, gostava de ir à biblioteca da escola alugar livros. Certo dia, as bibliotecárias se entreolharam sorrindo quando fiz um aluguel.

Era quase cega. Tinha apenas 30% da visão quando fui diagnosticada com um grau altíssimo de Astigmatismo e Hipermetropia. Como vivia lendo o tempo todo e nunca me queixava de enxergar  mal, meus pais achavam que estava tudo bem comigo e me levaram ao oculista por desencargo de consciência. Foi um choque ao ouvirem que eu tinha apenas 30% da visão. Foi um choque para mim mesma. Hoje, ainda bem, apesar dos pesares, posso dizer que enxergo bem. Desenvolvi bem a minha visão.

Na escola, havia anualmente a feira do livro e eu gostava de andar por ela saboreando as capas , flertando com aqueles universos paralelos. Sempre voltava para a casa com uma sacolinha de compras. Gostava também de comprar livros para as minhas primas menores. Sentia que era um dever moral. Não sei explicar bem o porquê. Tem um que mexe comigo até hoje. Um da Ruth Rocha ( não lembro o nome) que dizia o seguinte: quando conhecemos uma palavra nova, começamos a vê-la escrita em muitos lugares. É fato RS 

Com 11 anos descobri que queria ser escritora, com 16 venci meu primeiro concurso literário e aos 19 , fui celebrar na livraria Cultura do Conjunto Nacional minha segunda premiação literária. No ano seguinte , voltei à mesma livraria para mais uma premiação.

Em 2000, lancei meu primeiro livro numa editora modesta.

Em 2001 fui beijada por um colega de pós graduação na livraria Cultura do shopping Villas Boas ao som de Perfect Kiss, depois de ouvi-lo dizer que não acreditava em nada. Lançou-se em minha direção e tentou encontrar em mim algum encanto na vida por meio da paixão. Nunca me esqueci daquele dia.

Não podia acreditar que estava sendo beijada ao som de Perfect kiss. Amo esta música desde os dez anos de idade, quando ela estourou e fez o maior sucesso apesar das vozes desafinadas do New Order RS Eu mais do que gostava daquela música. Ela fazia parte de mim, da minha história. Ela fazia eu sentir o meu lado mais erótico.

Não digo que naquele domingo à tarde, eu o amava enquanto me beijava ao som de Perfect Kiss.  Mas eu amava a situação. O local, a música, o seu niilismo me assustava  mas me excitava também.

Mas voltando às livrarias e aos livros, continuei publicando e recebendo premiações. As livrarias continuaram fazendo parte da minha vida.

Em 2010, realizei o sonho de lançar um livro somente meu na loja Arte da livraria Cultura do Conjunto Nacional. Em 2013, lancei em conjunto com um grupo de alunos e amigos um livro coletivo na Martins Fontes da Avenida Paulista e ano passado, enquanto me recuperava de um luto violento, enquanto me buscava nos escombros de mim mesma, vaguei pela Mega Store da Cultura entre as prateleiras de Psicologia e Psicanálise, mas acabei levando Bauman e um livro básico de Filosofia.  Um daqueles caros e bonitos, de capa dura, papel brilhante e macio, que a gente lê na cama, antes de dormir, acariciando, quase namorando.

Uma casa sem livros para mim é uma casa sem vida. Amo ver livros e plantas na casa das pessoas. E dvds obviamente...RS Mas este item fica para um outro post...

No filme Fahrenheit 451, diziam que os livros deveriam ser queimados pois eram perigosos. Pois deixavam as pessoas tristes. Sim, livros podem nos entristecer sim.  Pois eles nos fazem chegar perto de uma possível verdade. Pois eles nos fazem mergulhar em nossa própria alma. Pois eles nos salvam da superfície dos sentimentos. Não me refiro a livros técnicos. Falo da poesia, da dramaturgia, dos romances complexos com grandes passagens expositivas, em que o autor para de narrar ou descrever simplesmente , para analisar a vida.  Falo dos livros de Filosofia. Dos livros psicanalíticos , de cunho político. 

Livros bons não são antídotos para a nossa tristeza existencial nem um manual de como obter a felicidade em dez passos. Felicidade não é bolo nem empadão. Não basta misturar os ingredientes frescos, nas medidas corretas e depois bater a massa e botar para assar. A vida é muito complexa, sem respostas fechadas, sem caminhos certos. É daí que provém a sua beleza e este sentimento devastador.

Sim, livros fazem e sempre fizeram parte da minha vida.  E livrarias continuam sendo cenários perfeitos para boas conversas, para boas histórias.  Às vezes, quando estou muito triste ou cansada da vida, gosto de pegar dois livros bem velhos aqui em casa ( livros de biografias de autores imortais da literatura universal). Gosto de ler as citações por eles deixadas. Não sei explicar bem o porquê, mas fico mais calma.







Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 



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