quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Bebês estressados e crianças tirânicas

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


No domingo, vi um post no Facebook que mexeu muito comigo. Uma bebezinha muito fofa fingindo falar ao telefone celular. A garotinha balbucia uma série ininterrupta de sons indecifráveis, gesticulando ansiosamente como uma típica italiana tomada por emoções fortíssimas. Quase uma mini Sophia Loren no filme Duas mulheres. 

Num primeiro momento, o vídeo é realmente engraçado e muito gostoso de assistir. Mas basta alguns segundos de reflexão para se tocar que aquela bebê não está normal.  A ansiedade foi num crescente até atingir um ápice quase enlouquecido.
Sim, a bebezinha que deve ter um ano no máximo, já apresenta sintomas de profundo estresse. 

Provavelmente, ela imita a mãe ou o pai ou qualquer outra pessoa da casa que fala de forma agitada ao telefone. 

O que estamos fazendo com as nossas crianças? Mais do que isso. O que estamos fazendo com os nossos bebês de colo?

Eu sou uma pessoa bem ansiosa hoje, mas quando era bebê era ultra calma. Como sei? Relatos , fotos , Super 8... na minha festinha de aniversário de um ano de idade , eu andava de um lado para o outro, dentro do meu Tip Top azul clarinho, rindo e feliz da vida, mordendo um pratinho verde de plástico para cutucar a gengiva sensibilizada por dentinhos que estavam nascendo. 

Um bebê que gesticula e balbucia e se agita naquele crescente estressante , apesar de muito bonitinha, sinaliza que vive num ambiente ansioso. 

Sinto cada vez mais um desconcertante sentimento de ansiedade nas crianças atualmente. Uma necessidade de falar mesmo quando não tem nada a dizer. Uma tendência a emburrar pelas menores contrariedades. Obviamente a culpa não é delas. Obviamente também nem todas as crianças de hoje são estressadas. Falo de um modo geral.

Mas me parece que é uma tendência atual. Crianças extremamente mimadas, que apenas se calam e deixam os pais respirarem por alguns poucos minutos , diante de uma barganha material ou emocional.   Em troca de uma hora de tranquilidade para ler um livro ou  de duas de calmaria para ver um filme , dá-se um presente caro ou um passeio no final de semana. Enfim, cada "gentileza" que a criança faz é recompensada com um mimo. Em suma: a criança cresce sem valores. Ou cresce com valores equivocados. Ela nunca entende que ser gentil e atencioso é um dever ético. Ela cresce entendendo que a vida é um grande balcão de trocas. Por uma gentileza oferecida , precisa-se lucrar algo. 

Muitos pais confundem priorizar a criança com mimá-la e transformá-la num pequeno déspota.  Priorizar uma criança não significa se submeter a todos os seus caprichos. Mas sim reunir todos os esforços necessários para torna-la um adulto capaz de amar e de se ver como um membro de algo maior. Alguém que tem responsabilidade sobre os seus atos e sobre o mal que pratica e prejudica outras pessoas. Pessoas que não se pautam unicamente pelo próprio prazer e interesses, desconsiderando que existem outras pessoas no mundo. Que nós temos sim deveres éticos que extrapolam o nosso bem estar.

Quantas mães não deixariam de socorrer uma pessoa que está enfartando na rua porque precisam voltar para a casa para preparar o mingau das cinco da tarde para o filho? Entendem o que quero dizer? Estamos perdendo o senso de proporção. A rotina das crianças atuais não pode ser modificada em um milímetro, nem que seja para socorrer quem precisa realmente de ajuda. Enfim, a criança não pode ficar um dia sem o mingau, mas uma outra pessoa pode morrer.  Alguém que cresce neste tipo de ambiente, com este tipo de mentalidade, nunca enxergará as outras pessoas e colocará os seus pequenos caprichos na frente das necessidades vitais dos outros.

Sem falar nos inúmeros casos de crianças que são medicadas por excesso de ansiedade. Crianças refletem o ambiente em que vivem. Como diria o médico húngaro Gabor Maté, medicar a criança ansiosa é atacar o sintoma, não a causa. Excesso de medicamentos debilita o organismo e não resolve o problema. Uma criança estressada é reflexo de um lar que precisa ser repensado.

Enfim, um simples e mimoso vídeo, pode nos fazer pensar em tantas coisas....e para encerrar o post de hoje, termino com um pensamento da psicóloga infantil Roseli Sayão. Ela afirma que educar implica em contrariar a criança. Uma frase dolorosa e difícil de se pôr em prática, mas consistente e profundamente necessária.










Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


8 comentários:

  1. Eu vi esse vídeo e achei engraçado de início. Mas, depois fiquei imaginando o quanto aquela garotinha deve ser inquieta. Principalmente pra comer e dormir. E não é só ela que é assim. Outras criança são o próprio reflexo do comportamento dos pais e outros adultos em sua volta. Lembro me de uma comentário da minha mãe depois de assistir uma reportagem na TV. Sobre crianças (bebês) que sabiam utilizar tecnologias melhor do que os adultos. Ela disse: " As crianças de hoje já nascem de olhos abertos e praticamente falando. Na minha época (adoro esse comentário!) os bebês eram molinhos e maus se mexinham demorava pra falar. Hoje, se você observar uma criança de colo quieta, sem agitação já pergunta pra mãe se o bebê tem algum problema." E realmente é a nossa realidade.

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    1. Sim, Darlin Rs Também achei graça RS Nos primeiros dez segundos e meio RS Beijocas!

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  2. Ola Silvia! Nem me lembro bem como cheguei aqui, mas gostei e continuo lendo seu textos. Gosto muito porque compartilho de muitas das suas ideias e sentimentos.
    Acho que o que a Rosely Saiao fala nao eh regra nem dogma. Educar eh ouvir com amor. Nao contrariar pelo simples fato da gente achar que ta fazendo o melhor pelos filhos e que a gente por ser adulto sabe mais. Na verdade, essa posicao deve ser bem consistente e sensata, se nao, a gente usa a mesma moeda dos filhos que nos contrariam muitas vezes - ali pelos 2 anos em diante - pra testar seus limites e na tentativa de exercer sua capacidade de ser independente. Eh luta por sobrevivencia mesmo. Nao, nao to falando pra ceder a toda e qualquer birra. Mas acontece que muitas dessas "birras", muitas vezes, sao so um pedido: olha estou aqui, voce nao quer me ouvir? estou tentando dizer alguma coisa. Ja lidei com mais rigor e, por uma razao que nao sabia explicar, falei nao muitas vezes. Alias, acho que hoje em dia a gente fala muitos mais naos do que simss (bem, estou falando pelo que percebo) e muitos desses naos sao arbitrarios, autoritarios ate. E tambem ja dei um abraco e tentei ouvir. E olha, essa relacao fica muito melhor e acho que a gente os ensina o que de verdade a gente fala muito e nao pratica: o olhar e o ouvir o outro. Muitos pequenos e grandes conflitos poderiam ter um comeco, meio e fim bem diferentes, se a gente simplesmente se dispusesse a ouvir com o peito aberto. Sejam criancas, adultos ou velhos, ta todo mundo querendo ser ouvido nesse mundo.

    Ah e sobre a menina: concordo contigo. Eles aprendem muito mais nos observando do que seguindo algum sermao que ouviram do que eh certo ou errado. Realmente ela eh o reflexo escancarado sem mascaras do que esta ao redor…

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    1. Entendo seu ponto de vista, Carol, embora não concorde completamente com ele. Concordo quando diz que o "não" não pode ser arbitrário. A criança precisa entender o porquê do não. Dialogar bastante é fundamental. Por outro lado, me parece ( posso estar enganada) que muitos pais dizem sim porque conversar e explicar dá muito trabalho. Fazer a criança entender determinados limites éticos é uma tarefa muito complexa e cansativa, principalmente em tempos tão corridos como os nossos. Sim, sobre o vídeo , concordo contigo. Nada substitui um bom exemplo RS Obrigada pelo comentário e espero tê-la como leitora em publicações futuras.

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    2. Ola Silvia!
      Acho que exatamente quando vamos explicar o porquê do não é que esbarramos nas arbitrariedades ou autoridade injustificada que falei. Claro, há muitos nãos que têm explicação e sentido. E olha que me disponho a conversar e explicar sempre. Já, em outros tantos nãos, me pego repensando uma serie de valores. Ainda mais porque estou em outro contexto cultural, as perguntas (minhas como mãe) borbulham e faço frequentemente esse exercício constante de questionar os caminhos, os valores. Longe, vejo como as percepções desses limites são diferentes, mesmo culturalmente. Ah, e outra, as vezes, a defesa do não é tão boba e de certa forma inflexível que cai por terra a tentativa de impor aquele determinado limite. Estou falando de todos os nãos possíveis, não só desses nãos importantes. Esse papo é looongo, rende…
      Acho também bem pertinente a pergunta da Fernanda Moura ai embaixo. Não que concorde completamente com ela, mas me pergunto isso muitas vezes. Obediência num ambiente repressor nem sempre significa que os limites éticos estão entendidos.

      Enfim, espero que você não me entenda de forma equivocada. Não sou defensora do sim desmesurado, mas questiono muito o que seria essa "boa" educação… ah, me empolgo com o tema!

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    3. Mas este tema é realmente empolgante e extremamente importante!

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  3. Pergunto-me quem é o verdadeiro déspota: os filhos cujos pais estão tentando educar através de erros e acertos, ou a platéia que julga os outros a partir de ideias pré-concebidas de educação? Será que uma criança "obediente" e " boazinha" com pais à moda antiga é, de fato, indicativo de um adulto mais feliz, mais bem resolvido, mais independente?

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  4. A boa educação e a generosidade não são as responsáveis pelos problemas da vida de um adulto. Crianças bem educadas , que sabem se comportar e respeitar as pessoas provavelmente se tornarão adultos éticos, gentis e generosos. Se apesar de uma boa educação, um adulto se torna infeliz, provavelmente a culpa não é da sua criação, mas talvez de algum outro fator. Somos uma combinação complexa entre Biologia, Psicologia e Sociedade. Se uma boa educação , em alguns casos, não consegue garantir uma vida feliz , imagine uma criança que só recebeu sim, que não é ensinada , que não recebe nenhum tipo de limite? Sobre ser bem ou mal resolvido, concordo com o filósofo Luiz Felipe Pondé. Não que ele seja dono da verdade. Ninguém é. Mas ele afirma e eu concordo que não existem pessoas realmente bem resolvidas em tudo. Porém, existem pessoas éticas, capazes de se enxergarem como membro de um contexto maior. Agradeço a sua contribuição num debate de tanta importância.

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