domingo, 28 de fevereiro de 2016

Uma homenagem ao espírito combativo

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

 Para quem me conhece melhor, principalmente meus alunos, sabem que teço severas críticas ao american way of life e à maneira de pensar dos americanos , que gosto de chamar de estadunidenses.
 
Não gosto desta cultura de vencedores e perdedores. Não gosto desta ideia de que tudo é vendável. Tudo precisa virar show, propaganda.
 
Mas por outro lado, não posso negar que eles apresentam aspectos admiráveis.
 
Hoje, quero falar daquilo que me agrada, até mesmo porque prefiro comentar sobre o que toca meu coração positivamente.
 
Estava lembrando ontem daquele série chamada "Os pioneiros" , baseada na série de livros da autora Laura Ingalls.  Embora não curta muito filmes e séries muito centrados na banal vida cotidiana , aquela série mexia comigo porque era gostoso ver o espírito combativo daquela gente que não se deixava abater por pouco.
 
Em qualquer filme bobinho americano, a gente vê a garotada ganhando o seu, entregando jornal e pizza ou trabalhando como baby sitter.
 
No Brasil, um adolescente de classe média decidir entregar pizza para ganhar o seu , vira a maior polêmica em família.  Aqui, o trabalho ainda é visto como uma coisa sofrida ou menor.  Acho que herdamos tal pensamento dos gregos. Pensar é importante. Que outro qualquer excute. Embora me defina como uma intelectual e prefira mil vezes refletir e estudar à entregar pizzas e jornais, acho importante este senso de realização estimulado na cultura americana.
 
Admiro profundamente pessoas capazes de realizar.  Pessoas capazes de saírem da zona de conforto e darem a cara à tapa, mesmo tendo uma vida materialmente confortável.  Pessoas que transformam crises em oportunidades. Acho bonito e valoroso gente com diploma superior fazendo trabalho braçal pois não está encontrando emprego na sua área de atuação.  Acho interessante gente que mora em casa grande e num momento de crise , aluga quartos para estudantes e ganha um extra lavando roupa para a garotada, servindo janta ...
 
Muitas donas de casa que dependem do marido , passam a se virar  quando se separam ou quando o parceiro perde o emprego. Tem mulheres que começam a fazer marmitas, cuidar de filhos das vizinhas etc
 
Tem muitos estudantes que para ajudar a pagar a faculdade vendem bolos e lanches em geral. Acho lindo!
 
Acho lindo também ver gente vendendo sanduíche na praia, estampando camisetas, customizando Havaianas, fazendo trufas e brigadeiros para vender em lanchonetes. Acho lindo gente que se vira de um jeito ou de outro.
 
Sim,  me parece essencial ter senso de realização. E tal senso engloba áreas intelectuais também. Não é preciso saber costurar, bordar e cozinhar para realizar.  Na minha área de atuação ( a literatura e a docência) é possível encontrar muitos exemplos de gente que realiza.  Que publica livros por conta própria , que cria blogs , que faz seus vídeos e joga na rede, que cria grupos de debate entre os alunos sem precisar necessariamente de um financiamento ou do apoio institucional.
 
Acho que cabe a cada um de nós a fazer a sua parte, por menor que ela nos pareça.
 
 
 
 
 
 
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Pizza assada em casa tem uma poesia a mais

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

 
 
 
Amo comer pizza assada em casa. Me faz lembrar de quando era criança. Gosto do cheiro que aquelas massas de pizza deixam na cozinha. Gosto de observar o vaporzinho na porta do forno.
 
A gente forra a massa com mussarela , depois coloca molho de tomate e vai botando o que vier à cabeça por cima: atum de lata, azeitonas inteiras e picadas, presunto , orégano, tomates em rodelas. A gente pode improvisar sabores na hora.
 
Mais do que a farra de montar as pizzas e o aconchego de vê-las assando, gosto daquele cheiro de coisa em família.
 
As pessoas sentadas ao redor da mesa, bebendo vinho, rindo das coisas mais tristes do mundo , revivendo dores antigas e grudadas na memória como queijo derretido preso à frigideira, em tom de piada.
 
Gosto do estar junto. Se for rindo ou chorando, não me importa muito. Gosto da conexão. Gosto de me sentir agregada às situações. E principalmente às pessoas.
 
Da minha vivência religiosa, uma das coisas que mais me marcou positivamente foi a questão da partilha, dos lanches comunitários, do se por a serviço.
 
Em festas de igreja ou em ambientes onde reinam o calor humano e a amizade, nunca falta comida boa e farta.  Cada um leva alguma coisa e normalmente leva o seu melhor: aquela torta que aprendeu a fazer com a avó ou aqueles croissants maravilhosos vendidos numa padaria cara.
 
Tem gente que nem costuma cozinhar e nestes dias se arrisca: mistura alguns ingredientes improvisando um patê caseiro, generosamente distribuído em fatias de pão de forma. Sempre tem alguém que leva um bolinho de chocolate ou brigadeiros ou cookies com gotas de chocolate...que aconchego...
 
Gosto também daqueles panos de prato quadriculados forrando uma assadeira com pedaços apetitosos de torta ou aquele bolo de cenoura bem molhado.
 
No carinho com que as pessoas ofertam os seus quitutes, sentimos um pouco mais delas. É como olhar nos olhos de uma pessoa com quem a gente convive há séculos e de repente ver um brilho a mais: misterioso e revelador.
 
Sim, gosto de cheiro de pizza assada em casa. Gosto de cheiro de bolo assado em casa, café recém-coado, bife na chapa. Gosto principalmente do calor que todos estes cheiros representam.
 
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 
 






Flertando com Nietzsche

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Adoro buscar na internet frases interessantes de autores célebres. Me deleito com a inteligência afetiva de grandes escritores, poetas e pensadores de um modo geral. Costumo dizer jocosamente que o meu ponto G fica no cérebro. Que pena que homens cultos se tornam cada vez mais escassos e muitos dos que gostam de estudar, apresentam uma cultura pedante e sem sensibilidade.

Alguns pensamentos mexem comigo fortemente. Outros me levam para uma taça de vinho rapidamente e depois eu os esqueço. Como diria a letra da música "Folhetim"..." Mas na manhã seguinte/ Não conta até vinte/ Te afasta de mim/ Pois já não vales nada/ És página virada/ Descartada do meu folhetim".

Tem uma frase elaborada pelo filósofo alemão Nietzsche que me inspirou a escrever este post: " Temos a arte para não morrer da verdade".

Sim, sem a arte, o mundo seria um lugar ainda mais inóspito, menos aconchegante , com luzes frias e brancas de banco e gente que fala com vozes cítricas. 
 
Já defendi diversas vezes e longamente e apaixonadamente o poder da arte na vida de pessoas da minha espécie. 

Esta gente bizarra, com fogo na alma e uma faca na língua. Esta gente insana que ousa questionar e amar, bagunçando o tédio bem comportado da rotina. Esta gente que não se contenta em caminhar junto com o gado, com a cabeça baixa , dizendo que amanhã tudo será melhor com olhos bovinos.

Gostaria de ter debatido esta frase com Nietzsche...a pena é que ele era contra amortecer a dor com álcool e fumo. Seria bom falar sobre arte com aquele bigodudo irreverente , tomando um vinho barato e jogando baforadas de cigarro em seu rosto.

Mas mesmo que ele fumasse e bebesse , eu não poderia me apaixonar por um homem com aquele bigode absurdo. Não, não seria amante de Nietzsche. Não suporto barbas e bigodes muito volumosos.

Eu teria que explicar a ele que poderíamos ser ainda bons amigos...ai, que coisa horrível de se dizer.




Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 














sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Divagações insanas de uma poeta ou divagações poéticas de uma insana antes de dormir

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Termino mais um dia do jeito que os poetas se preparam para mais uma noite de insônia ou sono meia boca.

Escuto Let's stay together, fumando meu cigarro imaginário e olhando na direção da porta, como se tivesse marcado hora com alguém que não conheço. Como quem está  à espera de um encontro às cegas.

Sim, sei que os amores são imaginários, mas mesmo assim espero por ele como se tivéssemos marcado um encontro há milênios, antes de mim mesma.

Quando chegar, vou esbofeteá-lo pelo impertinente atraso. Odeio esperar.  Ele devia saber disso independente de quem seja. Depois vou servir uma taça de vinho, para mostrar que não sou tão rancorosa assim.

E se me chamar para dançar, aceitarei o convite, sem me importar de pisar em seus pés com a minha falta de jeito.  No amor , até os defeitos viram qualidade, charme , purpurina , glitter, encanto se dissolvendo na boca como as borbulhas de um champanhe gelado. Estourando na direção dos olhos como bolhas de sabão.

E como quem salta numa cama elástica, quero me entregar ao movimento, sem temer a queda. Quero sentir meus pés saindo do chão, golpeando o ar. Os mesmos pés que pisaram nos teus.  Quero sentir os meus pés golpeando o ar como a minha mão golpeou a face daquele que me fez procura-lo entre tantos rostos indigentes.

Terá que me beijar sobre as marcas dos lábios dos meus algozes.  Daqueles que imaginei ser você enquanto te esperava e insistia em se atrasar para valorizar a tua chegada.

Terá que ver e acariciar as cicatrizes invisíveis feitas na pele da alma por aqueles que me surraram enquanto eu te esperava e você fazia qualquer outra coisa. Se tivesse algum juízo, deveria colocar arsênico no teu vinho servido com o maior carinho e o mais meigo sorriso de canto de boca. Se tivesse...me deixo levar pela toada sexy e pseudo despretensiosa de Let's stay together.



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A mulher do lado e a magia do cinema

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Quando tinha quase 22 anos de idade , fui assistir ao filme francês "A mulher do lado" no extinto Top Cine, no shopping Top center. Gostava de ir àquele cinema, pois passava filmes mais alternativos e cult. Foi lá também que meses mais tarde, vi "Repulsa ao sexo" de Polanski acompanhada por um namorado que não conseguia entender que aquele filme eu realmente queria ver e ficava tentando me beijar, o que me deixou furiosa internamente, embora tenha sublimado a minha indignação.
 
Mas voltando ao filme "A mulher do lado", eu o assisti com a minha mãe. Ao sairmos da sala de projeção, foi muito engraçado. Nós duas, ao mesmo tempo, soltamos frases completamente opostas.
 
Enquanto minha mãe disse "Quanta loucura!", eu exclamei "Que filme maravilhoso!" ou algo do gênero. Sim, minha mãe estava certa. "A mulher do lado" é um filme sobre o amor fou. Mas ainda hoje, depois de assisti-lo muitas vezes em dvd, continuo o achando maravilhoso.
 
Fanny Ardant , esposa de Truffaut , diretor do filme, estava estonteante na pele de uma mulher extremamente passional que viveu sob controle durante alguns anos. Durante os anos em que se manteve longe de seu ex-amante e amado.
 
O ex-amante e amado não é ninguém mais nem menos do que o visceral Gerard Depardieu. Ele consegue reunir caracteres ingênuos e brutais ao mesmo tempo, tornando-o uma ótima opção para encarnar tipos heroicos.  Todo herói é valoroso e um pouco ridículo ao mesmo tempo. Principalmente se a causa do herói for o amor.
 
Quando vi "A mulher do lado" pela primeira vez, no cinema, fiquei inebriada com uma cena em que a personagem de Fanny Ardant desmaia de emoção ao reencontrar o amado após 8 anos.  Sua queda é tão orgânica que quase me senti cair junto com ela, mergulhada em minhas próprias lembranças e emoções maltratadas.
 
Duas garotas sentadas ao meu lado no cinema começaram a rir diante do desmaio. Nunca me esqueci disso. Elas provavelmente não conheciam as maiores alegrias e as piores tristezas do amor.  Se a vida tivesse as marcado com o amor , elas entenderiam e sentiriam que aquele desmaio não era engraçado.  Aquele desmaio era uma metáfora da trágica condição humana. Era uma metáfora de tudo aquilo que poderia ter sido e não foi e de tudo aquilo que não poderia ter sido mesmo se tivesse acontecido.
 
Os personagens de Ardant e Depardieu não conseguiam viver separados nem juntos.  Quantos casais na vida real não passam por isso? Quantos casais não precisam optar entre a tranquilidade vazia de uma vida sem o amado ou amada e o desespero de uma vivência amorosa insuportável?
 
Cada vez mais me sinto mais apaixonada pelo cinema embora nosso casamento seja longo ( quase vinte anos) Sim, eu sei. Já deveríamos ter caído na rotina e fazer amor apenas uma vez por mês. Mas não...ainda me sinto ruborizar e tremer quando um filme me toca e me olha nos olhos. Ainda sinto desejo por meu companheiro de longa data. Ainda sinto que ele tem algo a me dizer.
 
 
 
 
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 







 




terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O mais prazeroso sexo

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Muito se lê e se fala e se escreve sobre sexo. Tem gente, inclusive, que acredita que sexo é o antídoto contra todas as dores da vida, como um bebezinho que quer sugar o mamilo da mãe o dia inteiro.


Fala-se sobre as melhores posições, as mais confortáveis, as mais sensuais, as que exigem menos ou mais flexibilidade e preparo físico. Fala-se sobre as que colocam a mulher no controle, as mais patriarcais , as que permitem uma penetração mais profunda, as visualmente mais excitantes. 

Fala-se sobre fetiches, fantasias, clichês que dão certo ( normalmente clichês funcionam, caso contrário não se tornariam clichês).  Fala-se sobre zonas erógenas, temas tabu como homens gostarem de serem penetrados  com os dedos ( gostar de fio terra não torna nenhum homem gay. O problema é fazer muitos deles entenderem isso). Fala-se sobre joguinhos que alguns casais gostam de fazer, os melhores tipos de beijo , o que significa ter uma boa pegada, como as preliminares contam para uma mulher. 

Acho que quase todo mundo tem a sua receitinha privada e íntima de como se sentir bem na cama e de como dar prazer ao parceiro ( aqueles homens e mulheres que se importam com isso obviamente). Infelizmente , muitos homens acham que sexo é só penetrar e algumas mulheres acham que basta deitar na cama com as pernas abertas como se fosse fazer um exame ginecológico. 

Obviamente , um homem que só pensa em penetrar induz a parceira a este tipo de conduta...bem, mas este tema fica para outro post.  Não tô a fim de falar sobre transas meia boca hoje.

Como estava dizendo, a maioria das pessoas tem os seus segredinhos...uma determinada maneira de passar a língua pelas mais variadas partes do corpo. Um movimento específico na hora da penetração. A fala certa na hora certa. A submissão ou a dominação, dependendo do contexto. Sim, às vezes, é preciso entregar-se, submeter-se. Às vezes, é preciso virar a mesa, mostrar as garras, ser intenso, rasgar o outro ao meio.

Mas nenhum gesto, nenhuma palavra , nenhuma lingerie, nenhum fetiche ao meu parecer pode excitar e envolver e penetrar tão profundamente a alma de uma pessoa quanto um ingrediente secreto. Nenhuma posição, nenhuma fantasia, nenhuma carícia , nenhuma imundície ( sim, o amor tem seu lado imundo sim)  pode devassar mais a intimidade de uma pessoa quanto um ingrediente secreto. 

Pode soar antiquado e cafona, mas nada para mim me parece tão mais prazeroso no sexo quanto o amor apaixonado.  

Sem o olho no olho, o rubor nas faces , o tremor do corpo, o desejo de render-se completamente ao outro tudo vira mera performance. 

Sem ele , tudo vira uma mera troca de humores e solidão a dois. 







Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Quem gosta de sentir medo?

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Aos 7 anos de idade, assisti ao filme Não adormeça que foi exibido pela Rede Globo, no  ano de 1985,  no Super Cine. Naquela época, víamos uma propaganda de filme no intervalo da novela e esperávamos a semana inteira para assisti-lo.

Se hoje temos a grande vantagem de fazermos o nosso horário e programação,  podendo assistir a qualquer coisa pela tela do computador, durante a minha infância nos anos 1980,  havia um quê de ritualístico em cada programa que assistíamos. A gente tinha que esperar aquele filme, naquele horário. E as pessoas se reuniam como se fosse um grande evento. E de fato era.

Deixando saudosismos de lado e voltando ao Não adormeça, filme realizado para a televisão no ano de 1982,  não posso deixar de sentir uma emoção profunda e estranha quando penso nesta obra que ainda me assusta,  mesmo depois de ter assistido a tantos filmes de terror sem sentir medo. Acredito que tudo aquilo que nos aterroriza na infância, continua a nos assombrar de alguma forma. Que bom! Uma vida sem um pouco de catarse  me parece monótona. É triste quando não conseguimos rir de mais nada nem sentir medo ou emoção. Embora seja uma defensora dos filmes mais intelectuais que nos conduzam a reflexões mais profundas e menos emocionais, acho que de vez em quando é saudável nos reconectarmos com um lado mais infantil.


Li todo tipo de crítica sobre este filme. A maioria positiva. Há quem o considere um filme tosco. Mas muita gente o defende como uma obra interessante, apesar de alguns deslizes técnicos. Como sou escritora e minha praia é o roteiro, me incomodou ver alguns defeitinhos nesta parte. Mas de qualquer forma e independente de qualquer possível falha de linguagem, existe algo de muito magnético neste filme que virou cult nos anos 1980 e marcou a infância dos trintões.

Duas questões me marcaram especialmente em Não adormeça.

1. Sem efeitos especiais e  cenas grotescas  o filme consegue aterrorizar.  Na cena final, quando uma grande revelação acontece ( não a contarei RS) um simples recurso de iluminação, que vai mostrando aos poucos o rosto da personagem, para mim, assusta muito mais do que cenas explicitamente violentas.

2. Gosto da questão do drama familiar. Embora o roteiro apresente algumas falhas, em minha opinião, a trama é bem interessante porque gira em torno  de problemas cotidianos como o ciúme e inveja entre irmãos, relações conflituosas entre sogra e genro, abuso de bebida justificado como algo opcional  e o principal de tudo:  a paradoxal relação fraternal. Por um lado, Mary ama a sua irmã falecida. Por outro, ela desejava a sua morte. E deste conflito de sentimentos, a inevitável culpa e todas as consequências terríveis provenientes das escolhas equivocadas.
 
O filme pode ser baixado pela net ou encontrado no youtube. Disponibilizei o link no final do post.  Para aqueles que já viram e ficaram com saudades, vale reviver a nostalgia. Para quem nunca assistiu e ficou curioso,  será uma experiência cinematográfica diferente dos filmes de terror atuais que apostam mais nos efeitos especiais e nas cenas explícitas de violência. Só um alerta: durante o filme, não adormeça RS
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.
 
Abaixo, link para o filme completo. Buuuuuuuuuu
 

 

 

 

Sobre vítimas e heroínas

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Esta semana revi pela milésima vez o filme "...E o vento levou". Sou completamente louca por este filme desde os 11 anos de idade , quando o assisti pela primeira vez. 

Em 1995 , quando cursava o terceiro ano do ensino médio, nossa querida professora de Literatura , montou no meio do ano um espetáculo teatral conosco. 

O tema escolhido foi o amor. O amor na Literatura. O amor no Cinema. O amor no cotidiano.

Interpretei Scarlett O'Hara no segundo ato da montagem.  Quando planejei a minha caracterização, achava que seria muito difícil  ficar parecida com a personagem. Usava cabelo chanel na época. Minha mãe me convenceu a comprar uma peruca para tornar a caracterização mais profissional. Por trás de uma adolescente artisticamente profissional, muitas vezes, está uma mãe irreverente mesmo que aparente ser uma lady bem comportada e tradicional.  Sim, esta é a minha mãe. 

Aluguei um vestido de época, fui maquiada e penteada num salão de beleza. A minha cabeleireira usou a peruca como meia peruca para alongar e avolumar os cabelos , mas sem alterar muito a fisionomia. Ela inclusive fez uns cachos na peruca copiando um dos penteados utilizados pela personagem. A maquiadora viu o filme para fazer uma maquiagem que me deixasse o mais semelhante possível  com a atriz. 

Embora estivesse empolgada com toda a preparação, não botava muita fé que ficaria realmente parecida com Scarlett. Mas até a minha melhor amiga , uma garota bem exigente , olhou para mim admirada , dizendo que eu estava parecida com Scarlett. Eu parecida com Vivien Leight? A estudante secundarista tímida e com espinhas, parecida com Vivien Leight?

Quando cheguei à escola aquela noite e atravessei o saguão que levava até o auditório onde apresentaríamos a peça, uma colega precisou se aproximar de mim para descobrir quem eu era. Sim, meus colegas ficaram estupefatos. Diziam empolgados que eu estava linda. Que eu não estava parecida comigo. Sorria internamente. Estranhamente , a gafe não me magoou. Estava feliz demais para isso. E quando perguntaram sobre meus cabelos compridos, disse algo do tipo , num tom jocoso: "Botei fermento e eles cresceram".

Com a minha aparência mais favorecida, comecei a descobrir a minha língua. Um gênio forte ou um senso de humor mais ferino sempre é melhor aceito numa mulher atraente.

Ao chegar em casa depois da apresentação, depois de ter arrancado aplausos calorosos de uma plateia de 500 pessoas ( com direito a assovios e pessoas em pé) descobri que ser caracterizada como Scarlett foi a parte fácil da tarefa. Difícil era lavar a cara , desmanchar o penteado, despir o vestido e voltar a ser Sílvia Marques: a estudante tímida, com espinhas, que odiava ir á escola. Me sentia presa. Apenas quando escrevia , fazia seminários ou interpretava me sentia livre. O palco parecia realmente ser o meu habitat. 

Anos mais tarde, fazendo curso profissionalizante de teatro, um professor nos disse que o palco não era espaço de Deus. Era espaço de Dionísio. Sorri internamente. Sim, ele estava certo. Sobre o palco, garotas populares da escola se tornavam pouco atraentes, sem vida. E eu passava a existir. 

Ainda no colegial, comecei a pensar que talvez a Sílvia Marques tímida e com espinhas tivesse lá os seus encantos. Afinal de contas , mesmo maquiada e bem arrumada, era eu que estava sobre aquele palco. Era o meu corpo e a minha voz que estavam dando vida à Scarlett naqueles 5 minutos mágicos. 

Sim, sempre amei Scarlett. Uns dois anos antes de interpretar  este papel, eu gostava de imitá-la no banheiro aqui de casa. E até hoje , toda vez que me sinto triste e desanimada, quando sinto que estou farta de lutar e quebrar a cara, penso nela e na sua coragem. 

Semana passada , fazendo um teste pela internet, depois de responder a 14 perguntas, saiu o resultado que dos personagens que ganharam o Oscar , eu poderia ter sido a Scarlett. Não me vejo tão forte quanto ela. Mas por outro lado, sei que já lutei em muitas guerras e recomecei do nada mais vezes do que a maioria das pessoas que conheço. 

Posso não ser bela como foi Vivien Leight e a própria Scarlett. Posso não ter sido amada como ela foi por Reth Butler. Nem passado fome. Nem enfrentado os horrores de uma guerra. Mas ainda assim, acho que o resultado deste teste faz algum sentido. 










Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Sobre palavras em vermelho e almas de poeta

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Quando adolescente , frequentava assiduamente a casa de campo dos meus pais. Gostava de ficar deitada na minha cama, olhando através da porta balcão do quarto. Gostava de observar afetivamente uma árvore que fica no terreno da frente. Dizia que ela era minha enquanto a enlaçava com um olhar.
 
Quando a tarde caía e o céu era tingido com uma cor quente e passional, eu sentia aquela árvore como parte de mim, como uma extensão do meu próprio ser , da minha própria solidão.  Uma solidão existencial. Uma solidão de poeta que reescreve o mundo com palavras febris e ardentes. Que reescreve o mundo com palavras trêmulas e em vermelho.
 
Ontem, senti uma vontade arrebatadora de voltar a pintar. Não pinto há séculos. Senti vontade de tingir com um vermelho escandaloso uma tela enorme.  E depois me deitar sobre a tinta fresca , espalmando as minhas mãos, roçando os lábios, tocando os meus seios naquele grito estridente em forma de cor, moldando o vermelho a mim mesma.
 
É como se quisesse ir além das palavras, perfurando-as, transformando-as em cor , em sombras e luzes, marcas e nódoas, gritos e gemidos, suspiros da alma. É como se eu quisesse rasgá-las para no minuto seguinte reconstruí-las como mãos que moldam a argila fresca. 
 
É como se eu quisesse que elas fugissem de mim e ganhassem vida própria , voando e pintando um quadro novo num mundo velho , em ruínas. É como se eu quisesse esbofeteá-las  até o ponto de enfurece-las. Até o ponto de fazê-las me golpearem furiosamente. Até me salvarem da minha melancolia suave e levemente irônica de poeta.
 
Senti vontade de fazer palavras com as mãos como se faz potes de barro. Senti vontade de me sujar com elas. E no final do dia , quando o céu estiver tingido de vermelho e nostalgia, poder olhar para elas como olhava para a minha árvore.



 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Sobre amizades e lembranças felizes

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Hoje, ao abrir o Facebook, me deparei com uma foto da época do cursinho pré-vestibular. Tiramos uma foto emblemática com nosso mega plus blaster professor de Química, chamado Robson, mas Quiqui para os alunos RS

Este mega plus blaster professor fez um bicho de Humanas como eu gostar de Química.  Sim, era mágico assistir às suas aulas. Minhas amigas e eu decidimos fazer uma camiseta com uma foto nossa estampada para presentear o nosso teacher.

Foi esta foto que vi hoje ao abrir o Facebook...que saudade! Faz vinte anos que conheci as minhas amigas do cursinho. Com algumas mantenho contato até hoje. E com uma delas desenvolvi uma amizade muito forte. Daqui dez dias , faz exatamente vinte anos que vi pela primeira vez a minha amiga Tânia Waisbeck.  Nos encontramos na porta da sala de aula. Ela entrando e eu saindo. Sorrimos uma para a outra e nos cumprimentamos.  Assistimos a aula juntas.

A primeira aula que assistimos juntas foi justamente a do Quiqui. Ele fingiu que era super bravo e a gente começou a ficar com medo. De repente , quase aos gritos , ele perguntou à classe se nós pensávamos que ele era palhaço. Tânia e eu nos aproximamos nas cadeiras, estupefatas.

De repente , ele vira de costas e se acalma. Ao olhar para a frente novamente , ele está usando realmente um nariz vermelho de palhaço e a sala em peso caiu na risada. 

Eu tinha pena da professora que precisava dar aula para gente depois do Quiqui...ele era energia pura. Ele era energia na veia!

Os quatro meses que passei no cursinho faz parte das melhores fases da minha vida. Aulas divertidas, uma turminha bem bacana que transformava tudo em alegria. Até piquenique a gente fez uma vez no intervalo da aula. Cada uma levou um prato e nos fechamos numa sala de aula desocupada, que ficava numa ala desativada da escola. 

O mundo nos pertencia naquela época. Com apenas 17 anos de idade a gente tinha a vida inteira pela frente. Nada era bom o bastante para a gente...pois quando se tem 17 anos, a gente brinca de alcançar a lua.

De 1996 para cá , compartilhamos muitos momentos célebres: amigos e inimigos secretos, aniversários, chá de bebê , lançamentos literários, peças de teatro,  festa da calcinha ( sim, eu inventei um lance de festa da calcinha em 2003. Cada uma precisava dar uma calcinha que tivesse a cara da amiga. E haviam três jurados para escolher a melhor calcinha RS)  Eu ganhei uma grandona e transparente , que imitava a cor do jeans. Minha amiga Gabi, psicóloga, disse que a escolheu porque a calcinha era exótica como eu. 

Ao olhar para esta foto e ver o filminho da nossa vida passar pela minha mente , tenho cada vez mais certeza de que não existe maior riqueza neste mundo do que as nossas lembranças felizes e o carinho que guardamos por todos aqueles que de alguma forma e em alguma medida nós amamos.






Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


Sobre livros , livrarias e o sentido da vida

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Comecei meu caso de amor com os livros muito cedo. Mal acabara de ser alfabetizada, comecei a devorar os livros infantis que eram abundantes em minha casa. Herança do meu irmão mais velho. Sem falar nos que eu ganhava. Guardo até hoje uma coleção linda , composta por três livros , que ganhei da minha avó paterna. Era uma coleção com os principais contos de fadas.

Com seis anos, gostava de ir à biblioteca da escola alugar livros. Certo dia, as bibliotecárias se entreolharam sorrindo quando fiz um aluguel.

Era quase cega. Tinha apenas 30% da visão quando fui diagnosticada com um grau altíssimo de Astigmatismo e Hipermetropia. Como vivia lendo o tempo todo e nunca me queixava de enxergar  mal, meus pais achavam que estava tudo bem comigo e me levaram ao oculista por desencargo de consciência. Foi um choque ao ouvirem que eu tinha apenas 30% da visão. Foi um choque para mim mesma. Hoje, ainda bem, apesar dos pesares, posso dizer que enxergo bem. Desenvolvi bem a minha visão.

Na escola, havia anualmente a feira do livro e eu gostava de andar por ela saboreando as capas , flertando com aqueles universos paralelos. Sempre voltava para a casa com uma sacolinha de compras. Gostava também de comprar livros para as minhas primas menores. Sentia que era um dever moral. Não sei explicar bem o porquê. Tem um que mexe comigo até hoje. Um da Ruth Rocha ( não lembro o nome) que dizia o seguinte: quando conhecemos uma palavra nova, começamos a vê-la escrita em muitos lugares. É fato RS 

Com 11 anos descobri que queria ser escritora, com 16 venci meu primeiro concurso literário e aos 19 , fui celebrar na livraria Cultura do Conjunto Nacional minha segunda premiação literária. No ano seguinte , voltei à mesma livraria para mais uma premiação.

Em 2000, lancei meu primeiro livro numa editora modesta.

Em 2001 fui beijada por um colega de pós graduação na livraria Cultura do shopping Villas Boas ao som de Perfect Kiss, depois de ouvi-lo dizer que não acreditava em nada. Lançou-se em minha direção e tentou encontrar em mim algum encanto na vida por meio da paixão. Nunca me esqueci daquele dia.

Não podia acreditar que estava sendo beijada ao som de Perfect kiss. Amo esta música desde os dez anos de idade, quando ela estourou e fez o maior sucesso apesar das vozes desafinadas do New Order RS Eu mais do que gostava daquela música. Ela fazia parte de mim, da minha história. Ela fazia eu sentir o meu lado mais erótico.

Não digo que naquele domingo à tarde, eu o amava enquanto me beijava ao som de Perfect Kiss.  Mas eu amava a situação. O local, a música, o seu niilismo me assustava  mas me excitava também.

Mas voltando às livrarias e aos livros, continuei publicando e recebendo premiações. As livrarias continuaram fazendo parte da minha vida.

Em 2010, realizei o sonho de lançar um livro somente meu na loja Arte da livraria Cultura do Conjunto Nacional. Em 2013, lancei em conjunto com um grupo de alunos e amigos um livro coletivo na Martins Fontes da Avenida Paulista e ano passado, enquanto me recuperava de um luto violento, enquanto me buscava nos escombros de mim mesma, vaguei pela Mega Store da Cultura entre as prateleiras de Psicologia e Psicanálise, mas acabei levando Bauman e um livro básico de Filosofia.  Um daqueles caros e bonitos, de capa dura, papel brilhante e macio, que a gente lê na cama, antes de dormir, acariciando, quase namorando.

Uma casa sem livros para mim é uma casa sem vida. Amo ver livros e plantas na casa das pessoas. E dvds obviamente...RS Mas este item fica para um outro post...

No filme Fahrenheit 451, diziam que os livros deveriam ser queimados pois eram perigosos. Pois deixavam as pessoas tristes. Sim, livros podem nos entristecer sim.  Pois eles nos fazem chegar perto de uma possível verdade. Pois eles nos fazem mergulhar em nossa própria alma. Pois eles nos salvam da superfície dos sentimentos. Não me refiro a livros técnicos. Falo da poesia, da dramaturgia, dos romances complexos com grandes passagens expositivas, em que o autor para de narrar ou descrever simplesmente , para analisar a vida.  Falo dos livros de Filosofia. Dos livros psicanalíticos , de cunho político. 

Livros bons não são antídotos para a nossa tristeza existencial nem um manual de como obter a felicidade em dez passos. Felicidade não é bolo nem empadão. Não basta misturar os ingredientes frescos, nas medidas corretas e depois bater a massa e botar para assar. A vida é muito complexa, sem respostas fechadas, sem caminhos certos. É daí que provém a sua beleza e este sentimento devastador.

Sim, livros fazem e sempre fizeram parte da minha vida.  E livrarias continuam sendo cenários perfeitos para boas conversas, para boas histórias.  Às vezes, quando estou muito triste ou cansada da vida, gosto de pegar dois livros bem velhos aqui em casa ( livros de biografias de autores imortais da literatura universal). Gosto de ler as citações por eles deixadas. Não sei explicar bem o porquê, mas fico mais calma.







Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 



terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Eu não sou uma vaca à venda

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Um incidente aparentemente bem insignificante me irritou bastante hoje. Costumo adicionar pessoas que não conheço no Facebook. Quase todos são meus leitores e com alguns acabei desenvolvendo uma amizade virtual. Uma espécie de rede de apoio mútuo para aguentar as pancadarias da vida.
 
Quando agradecem o meu sim, quase sempre respondo seja bem vindo, pois sinto isso mesmo. Gosto que as pessoas se sintam à vontade na minha página.
 
Hoje respondi ao chamado de alguém que julgava ser um dos meus leitores. Mas não. Ele nem sabia que eu era escritora e disse que me adicionou porque me achou bonita. Nooossa! Eu teria adorado ouvir isso com 15 anos de idade.
 
Mas o pior não foi isso: começou a me fazer mil perguntas como se eu fosse uma vaca à venda. Queria saber se era casada, se tinha filhos , quantos anos tinha...e o mais bobo da situação é que não omito a minha idade no Facebook. Se ele tivesse gasto um minuto para olhar o meu perfil teria visto que nasci no dia 17 de junho de 1978.
 
Fico imaginando as outras perguntas que ele gostaria de fazer se eu não tivesse interrompido a conversa.  Talvez me pedisse uma foto com a boca arreganhada para ver se os dentes eram bons, como fazem com cavalos na hora de serem comprados.
 
O mais interessante é que nos nossos 5 minutos de conversa pelo inbox, ele não disse se era solteiro, divorciado, viúvo , se tinha filhos nem falou a idade dele.
 
Se os homens soubessem a lista de perguntas que fazemos mentalmente quando estamos conhecendo um homem...aviso aos navegantes! Se mulheres mais velhas entram na menopausa, homens mais velhos entram na andropausa sem falar que muitos ficam com baixíssimo desempenho sexual enquanto uma mulher bem estimulada fica com a corda toda em qualquer idade.   É , nós gostamos de sexo sim. E bem feito de preferência.  A mulher que diz o contrário é mentirosa ou doente. Ou ainda...não está assim tão interessada no namorado...
 
Se os homens não querem mulheres com filhos, muitas de nós também não queremos abrir mão de um final de semana romântico para ficar fazendo média para filho problemático e mimado do namorado.
 
Se os homens não querem uma mulher com um ex-marido encrenqueiro correndo atrás da namorada, nós também não queremos suportar as sabotagens de ex-namoradas. E vamos combinar: ex-namorada costuma dar muito mais defeito do que ex-namorado porque nós somos muito mais loucas, tortuosas e vingativas RS
 
Se homens estão o tempo todo pensando em beleza, nós também queremos um cara atraente , inteligente , bom papo, que não nos mate de tédio com 5 minutos de conversa.

Alguém quer me perguntar alguma coisa? RS
 
 




Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


 

Sobre energias e tudo aquilo que não compreendemos completamente

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Ontem, li um texto que muito me interessou. Cientistas começam a defender a ideia de que trocamos energia com outros seres humanos. Enfim, este lance de transmitir uma boa energia ou se sentir sugado deixou de ser papo exclusivo do meio esotérico.

Sempre me interessei por este tipo de enfoque , embora seja uma acadêmica. Quem nunca deixou um chocolate ou outro doce cair das mãos depois daquele olhar 43? RS E aquela vontade irresistível de olhar para trás quando alguém fixa os olhos na nossa nuca?

Dizem que inveja seca planta...nunca vi uma planta secar por inveja , mas se tanta gente fala sobre isso, talvez seja verdade mesmo.

Também nunca vi nem ouvi espíritos, mas conheço gente que já viu...

E aquela história de telepatia? Aconteceu diversas vezes comigo. Mas é preciso ter um vínculo bem forte para rolar.  A gente pensa em um amigo ou prima o dia inteiro e de repente a pessoa te escreve ou te liga...acho lindo quando isso acontece!

Como professora , capto a energia das turmas. Obviamente , em toda turma tem gente  simpática e antipática. Tem gente interessante e interessada. E tem aqueles que só por Jesus mesmo RS ou ainda , existem aqueles que se eu esbarrar no elevador da faculdade , eu não reconheço.

Mas apesar de ter todos os arquétipos em cada turma , cada classe tem uma energia específica. Já dei aula para classe que me desenergizava por completo. Eu mal conseguia abrir a boca para papear com o taxista depois que encerrava a aula.  E só Deus sabe o quanto eu papeio com taxistas!

Por outro lado, algumas turmas me preenchiam com uma energia fenomenal. Eu chegava cansada para dar aula e de repente eu quase saia voando pela sala.

Felizmente tive mais turmas boas do que ruins. Não posso reclamar. Mas sinto-me realmente  impactada diante energias negativas pois sou como uma grande esponja. Absorvo o que quero e o que não quero absorver. Por isso tendo a me afastar rapidamente de quem me faz mal...pode soar como pedantismo. Mas não. É só autopreservação mesmo. Afinal de contas,  ninguém é obrigado a destrancar a porta de casa para o assaltante , não é? RS

Recentemente , consultei uma taróloga e dei muita risada. Não estava zombando dela não. Nem de mim. Comecei a rir porque ela me falou olhando para as cartas um monte de coisas que eu já sabia muito claramente em meu íntimo.  Coisas que apenas pessoas muito chegadas a mim poderiam dizer.

Sim, acho que no fundo, nós , pessoas sensíveis , conhecemos a verdade ou o que existe de mais parecido com ela. Só resistimos a acreditar porque num mundo cético e científico como o nosso, a gente custa a crer em qualquer coisa que seja intuitiva.  Até mesmo pessoas religiosas estão se tornando céticas. Pode soar paradoxal, mas percebo isso.

Lá no fundo, nós sabemos quando estamos pegando o caminho certo ou errado. Lá no fundo, nós sabemos quando ainda somos amados. Lá no fundo, nós sabemos quando está na hora de partir ou de voltar. Lá no fundo, nós sabemos quem são os nossos vampiros emocionais. Lá no fundo, nós sabemos quem é realmente aquele rosto que vemos refletido no espelho.



 
 
 
 
 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


Sobre canceres e afetos

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Semana passada, comecei a ver a segunda temporada do programa Sessão de terapia. O primeiro episódio mostra uma jovem com câncer que não quer contar à família sobre a sua doença.

Em 2006 , tive uma suspeita de câncer de mama. Fui submetida a exames bem dolorosos. Mas no final das contas , estava tudo certo. O nódulo era benigno. 

A personagem vivida pela atriz Bianca Comparato não quer preocupar a família. De certa forma a entendo. Nunca conseguiria esconder dos meus um assunto desta natureza. Mas me lembro da agitação entre os meus parentes. Lembro da minha agitação e do extremo cuidado e carinho com que fui tratada pelos médicos e enfermeiras.

Eles olhavam e examinavam o meu seio como se observassem uma obra de arte, um objeto quase sagrado. Temiam me machucar. Lamentavam ver uma mulher com menos de trinta anos vivendo um drama que não pertencia à minha idade. Ou que não deveria pertencer.

Durante a punção, a agulha fugiu da rota da anestesia e senti duas pontadas horríveis. Mas não chorei. Me agarrei à oração. Era muito devota de Nossa Senhora. E ainda sou...o médico enquanto me examinava , falava sobre cinema cult comigo num tom de voz que nunca pude esquecer. Não acreditei quando ele disse conhecer o filme "Instituto de Beleza Vênus" RS Amei este filme. Infelizmente não consigo achá-lo para vê-lo mais uma vez.

Lembro-me mais do afeto com que fui tratada do que do sofrimento.

Uma tia chegou a comentar com a minha mãe que seria muito cruel justamente eu ter um câncer.

Mas a vida não é justa...mas enfim, como disse, tudo deu certo no final. Mas hoje ao ver o drama da personagem, fiquei imaginando como eu reagiria se eu tivesse realmente um câncer.

Muitas vezes o tratamento pode ser mais doloroso do que a doença. Mas para mim, muito pior do que os enjoos provocados pela quimioterapia e tantos outros efeitos colaterais que devastam o paciente com câncer, é o profundo medo proporcionado pela esperança. 

Sim, esperança e medo são irmãs gêmeas ou faces da mesma moeda. Quando lutamos muito por algo, acreditamos, investimos a nossa energia em uma empreitada, sentimos muito medo de perder no final.

Talvez por isso algumas pessoas desistam antes de começar.  Talvez, o problema não seja a luta em si, mas o medo de ver tudo ruir. Então, deita-se no chão pois dele ninguém passa. 

Sou do tipo que luta, que briga, que morde, que se engalfinha com o destino mesmo quando intuitivamente já sei que a luta está perdida.  Mas confesso que existe uma profunda doçura calma e melancólica na desistência. Quando se perde a esperança, quando damos a batalha por perdida, quando largamos as armas e simplesmente olhamos para o opositor de peito aberto, sem subterfúgios, sem cartas debaixo da manga, sem olhares de esguelha, nada mais pode realmente nos tocar ou ferir.

Sim, entendo a personagem. Não concordo com ela, mas a entendo. Talvez concordar com as pessoas não seja assim tão importante, contanto que a compreendamos.







Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Coisas que só um namorado italiano entende...

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Sim, os italianos e descendentes têm péssima fama. Fama de mulherengos, falastrões e irresponsáveis. Não posso dizer que é intriga da concorrência RS mas por outro lado, tem coisas que os tornam irresistíveis, principalmente porque como descendente de italianos ( 3 bisavôs e uma bisavó) me sinto mais compreendida por estes homens de olhar brilhante e profundo.
 
Pesquisei cinema espanhol por uns dez anos e sempre tive o maior fetiche pelos homens espanhóis, mas na hora do vamos ver, as minhas maiores paixões tinham sangue italiano correndo nas veias.
 
Existe uma passionalidade que só a gente entende. Como definiu um autor inglês em um livro  "Esta gente ardente e complicada".
 
Sim, falamos alto. Falamos demais. Falamos com as mãos. Macarrão é muito mais do que uma comida. É papo sério. Nunca peça para um italiano ou descendente escolher entre você e o macarrão. Abandonei os serviços de uma nutricionista pois ela faltou com o respeito em relação ao macarrão. Comento este fato até hoje depois de quase dez anos.
 
Sim, somos muito apegados à família. E não importa se a gente tem 20, 30 ou 50 anos, os pais são figuras centrais em nossa vida. E quem não consegue respeitar tal realidade, a gente fulmina em nossas cabeças passionais.
 
Sim, somos emotivos, fazemos muito drama, mas somos muito alegres também. E nos apaixonamos facilmente. Mas não gostamos de namoros cafonas. Gostamos de namoros ardentes.  Num minuto a gente ameaça se jogar da janela. No outro estamos comendo um bom spaghetti. Porque não há tristeza neste mundo que uma boa pasta e um copo de vinho não aliviem.
 
Falando em vinho...sim, nós tomamos muito e desde crianças. Vinho é alimento. Minha tataravó em seu leito de morte , uma senhora muito religiosa e distinta, recebia colheradas de vinho na boca.
 
Sim, tem coisas que só um italiano ou descendente entende  mesmo que não goste muito ou não concorde completamente. A nossa mania de manifestar afeto por meio da comida. O nosso caráter supersticioso, o nosso Catolicismo arraigado mesmo que não frequentemos mais a Igreja.  O nosso jeito de sorrir com os olhos, uma certa indecência ingênua.
 
Me pergunto até quando poderei fugir deles...ou dos meus?
 
 
 
 
 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


Sessão de terapia e a necessidade de ser o mais brilhante do par

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Estou muito empolgada com o programa Sessão de terapia. Como comentei em outro post, estou gostando muito deste programa. Fico encantada com a quantidade de questões importantes que levanto por meio dos personagens.

Vi um episódio em que o terapeuta e a esposa dele eram atendidos por uma outra terapeuta. Eles começam a sessão falando deles , do casamento deles até que a conversa enverada para a paixão que ele sente por uma sedutora paciente, interpretada por Maria Fernanda Cândido.

Antes mesmo de a paciente declarar o seu amor pelo terapeuta , ele já estava apaixonado. Enfim, a paciente estava vivendo um caso clássico de transferência erótica e o terapeuta carente , vivendo um casamento em crise , deixou-se levar pelos encantos de uma mulher forte e frágil ao mesmo tempo.

Mas o que me interessou mais no episódio foi a fala da esposa, vivida pela atriz Maria Luiza Mendonça. Ela acredita que o marido nunca a amou eroticamente e que precisava dela para se sentir superior. E que agora que ela não precisava mais da força dele , a casa caiu.  Enfim, ele voltou os olhos para uma mulher que apesar de independente financeiramente , é dependente emocionalmente.

Este episódio me fez revisitar lembranças importantes e percebo que muitas vezes sim alguns relacionamentos podem se sustentar por meio desta relação de submissão e dominação.

Muitas vezes precisamos ficar com quem depende de nós. Com quem nos enxerga como um rei, como um sabe tudo, como um fodão ou fodona para escamotearmos as nossas próprias fragilidades.  Em suma: quantas vezes não imaginamos nos apaixonar por uma pessoa ou até mesmo decidimos racionalmente ficar com alguém intelectualmente inferior à nós e/ou pouco atraente para evitar o risco da perda , da rejeição?

Eu mesma sempre critico a falta de coragem de alguns homens para se atirar em relações intensas com mulheres inteligentes, cultas, com personalidade forte e sexy, optando por tipos opacos e inexpressivos.

Mas assistindo a este programa regularmente , começo a me questionar: será que eu não fiz o mesmo durante toda a minha vida?  Será que eu não me "apaixonei" por homens pseudo brilhantes por medo de me atirar na vida de alguém que pudesse realmente me arrastar para o abismo de uma cumplicidade insana? Será que lá no fundo eu também não queria estar no controle? Será que eu também não queria ser a mais brilhante? Me pergunto isso com um nó na garganta.  Pois levantar este questionamento é suspeitar da coragem que eu sempre imaginei possuir.  Levantar este questionamento é me identificar com os homens que eu sempre critiquei. Que eu sempre julguei fracos e covardes por abrirem mão de uma vida plena por outra de fachada.

Não digo que seja sempre um processo consciente. Para falar a verdade , acredito que  em muitos casos , a gente não entende direito porque está com uma pessoa mesmo quando a gente acha que sabe.

Só sei que muitas vezes o que une um casal não são as suas afinidades ou tudo de bom que viveram juntos. Um amigo meu, há muitos anos, me disse numa daquelas conversas "papo reto" que na opinião dele um vício ou defeito em comum une mais do que um monte de qualidades positivas. Sei lá. Papo meio cavernoso RS Mas faz sentido.

Depois me deparei com pensamento semelhante recentemente, assistindo a um giallo. Para quem não sabe , giallo é um gênero cinematográfico italiano, que mescla suspense e terror com uma boa dose de violência e misoginia.

Enfim, às vezes , depois de passar horas vendo uma sequência de episódios do programa Sessão de terapia , sinto que de certa forma , eu me sentei naquele sofá diante daquele terapeuta meio charmosão e blasé.

Acho uma experiência interessante e instigante para quem está a fim de se conhecer melhor.  Se conhecer melhor proporciona conforto? A curto prazo não. Mas um dia , creio que pode ser fundamental para uma vida realmente significativa.

 




Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


Amor é amor...e que ele venha...

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Ao ler um post no Facebook , a respeito de pessoas que se manifestam contra o amor gay ... como se houvesse diferença entre amor gay e hetero...amor é amor e quando é verdadeiro, vale a pena, me fez pensar na fala de uma professora de Língua Portuguesa do ensino fundamental.

Ela nos disse no meio de um sorriso vago que todo tipo de amor valia a pena. Com os meus 13 ou 14 anos de idade e minha experiência de 5 , não entendi exatamente o que ela quis dizer...mas gostei. Gostei muito. Intuitivamente , acho que a compreendi como uma mulher de 55, enrolando os dedos nas três voltas de um longo colar de pérolas falsas.

Ao falar de pérolas falsas , penso em outra professora. Uma docente da Semiótica da PUC que disse preferir pérolas falsas a verdadeiras por serem mais chamativas. Sim, também prefiro pérolas falsas e na época as comparei com a arbitrariedade da linguagem e com as transloucadas promessas de amor.

Mas voltando ao tema do meu post, me parece que o que realmente importa nesta vida é dar e receber amor. O resto é chantili. Acho que ninguém nasceu realmente só para pagar as contas ou fazer sexo casual.  Acho que ninguém realmente nasceu só para assistir Netflix. Amooooo  Netflix. Amo o meu trabalho. Amo uma porrada de coisas. Mas lá no fundo, acho que eu e a maioria das pessoas estamos esperando por amor verdadeiro. Aquele amor "Tamo junto!" Aquele amor "nós contra o mundo cruel RS" Sempre esperei por alguém que se jogasse do abismo comigo, o abismo das possibilidades múltiplas, sem ressalvas , sem poréns.  


E apesar de ter 37 anos, em um país que na opinião dos homens , toda mulher com mais de 35 deveria aprender a tricotar, não perdi a esperança de esbarrar neste homem que está procurando por mim sem me encontrar.  Sem falar naqueles que acham que uma mulher com mais de 35 é objeto sexual. Precisa dar logo de cara sem nenhum tipo de romance ou paixão.

Falando em tricotar...até que não seria uma má ideia...com ou sem amor. Tricotar pode ser bem terapêutico! Além de bem útil! RS

Neste sentido, os amores entre gays mexem muito comigo. Porque a gente sabe o nível de pressão psicológica que dois homens ou duas mulheres enfrentam para ficarem juntos. E muitos ficam. Mais do que isso. Muitos vivem felizes para caramba , levantando simbolicamente o dedo do meio para uma sociedade que adora cagar regras, mas que quase nada conhece ou entende sobre o amor.

Todo amor anticonvencional é um grito de guerra. Todo amor anticonvencional é revolucionário. Pois amor não é adequação. Amor é transformação.  Ao lutarem para viverem o amor , estes pares gays transformam o mundo. E é o preconceito e a intolerância que precisam se adequar. 

Este post é uma homenagem a todos os meus amigos homossexuais e também aos hetero que conhecem o valor do amor!









Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


Dejetos virtuais


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Infelizmente , estamos vivendo a Era do não gosto, do não quero, do não concordo. Muitas pessoas gastam mais tempo criticando aquilo que as desagradam do que elogiando aquilo que as agradam. E entende-se por crítica no contexto deste post , um jorro azedo de insultos salpicados de ironia grosseira ou agressão nua e crua mesmo.

Na boa...sinto vontade de mandar estas pessoas tomarem naquele lugarzinho quente e íntimo quando me deparo com este tipo de atitude.  E este desejo surge em mim mesmo quando a agressão gratuita não é dirigida à minha pessoa.

Gente que gosta de contrariar por contrariar me dá nos nervos. Um texto muito bacana da Obvious me inspirou a escrever este post. Inclusive , tem uma versão mais politicamente correta dele na Obvious. Aqui, posso rasgar o verbo. 

O texto falava sobre a excessiva sensibilidade de alguns artistas do porte de Dostoievski , Dickens e Allan Poe.  Recebeu selo do editor. Um artigo muito bonito.

Li uma série de comentários nojentos ao estilo de "Eu também poderia escrever Crime e castigo, mas não quero, tá?"
 
Ninguém é obrigado a ter uma sensibilidade extrema, até mesmo porque sensibilidade extrema é para poucos. Ok.Ok.Ok. Tem muita gente sensível no mundo. Tem muita gente artística no mundo. Tem muita gente que escreve super bem. Mas felizmente ou infelizmente, nem todo mundo consegue fazer um livro do porte de Crime e castigo. E daí? Qual é o problema?  Mas parece que muita gente se ressente por isso e como não consegue ser um Dostoievski, prefere ser ninguém, apenas um internauta azedo e chato.

 
Está faltando encantamento no mundo. Está faltando capacidade de se deslumbrar com o mérito dos outros.  
 
 
Muita gente se ressente porque não consegue comprar o talento ou a sensibilidade sacando seu cartão de crédito. Tem gente que não quer entender que não dá para escrever Crime e castigo como quem decide comprar um sapato.
 
 
Sim, podemos nos vestir com as roupas da moda, usar o corte de cabelo da moda, fazer a dieta da moda, ver os programas da moda , ir à balada da moda, ler os livros da moda...mas existem coisas que nunca seremos ou viveremos mesmo querendo muito.
 
Não seremos grandes artistas nem teremos uma sensibilidade insuportável porque assim o desejamos. Não conheceremos nem viveremos o amor em todo seu horror e plenitude porque decidimos hoje que vamos nos apaixonar pela pessoa que a sociedade tachou como ideal.
 
 
Sim, podemos ler e estudar bastante e desta forma nos intelectualizar. Podemos sim construir uma relação de carinho e respeito com alguém que escolhemos racionalmente para a nossa vida. Mas ser um grande artista , viver um grande amor...ah...infelizmente não é para todos. E não adianta se ressentir. Não adianta fazer beicinho. Não adianta querer viver o melhor, se esquivando do pior.
 
As pessoas querem os aplausos que os artistas recebem e os beijos dos grandes amantes. Mas raramente estão dispostas a suportar um décimo do sofrimento infernal que esta gente peculiar sente. E mesmo que aceitassem senti-lo...como já disse, não é uma questão de escolha.
 
A gente pode optar por mudar de emprego, adotar uma dieta mais saudável, se livrar de um relacionamento doentio, fazer uma nova faculdade etc mas amar loucamente uma pessoa ou ser capaz de escrever um livro do porte de Crime e castigo não são questões de opção.
 
Sim, precisamos nos encantar, nos deslumbrar mais com o outro. A capacidade de se encantar com o outro também é um lindo dom, muito subestimado em nossa cultura dos "vencedores" e "perdedores".
 
Somos todos um pouco vencedores e um pouco perdedores. Mais do que isso. Somos todos sobreviventes. E como diria Caetano Veloso na música 'O dom de iludir", "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é".

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.