Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
Para quem me conhece melhor, principalmente meus alunos, sabem que teço severas críticas ao american way of life e à maneira de pensar dos americanos , que gosto de chamar de estadunidenses.
Não gosto desta cultura de vencedores e perdedores. Não gosto desta ideia de que tudo é vendável. Tudo precisa virar show, propaganda.
Mas por outro lado, não posso negar que eles apresentam aspectos admiráveis.
Hoje, quero falar daquilo que me agrada, até mesmo porque prefiro comentar sobre o que toca meu coração positivamente.
Estava lembrando ontem daquele série chamada "Os pioneiros" , baseada na série de livros da autora Laura Ingalls. Embora não curta muito filmes e séries muito centrados na banal vida cotidiana , aquela série mexia comigo porque era gostoso ver o espírito combativo daquela gente que não se deixava abater por pouco.
Em qualquer filme bobinho americano, a gente vê a garotada ganhando o seu, entregando jornal e pizza ou trabalhando como baby sitter.
No Brasil, um adolescente de classe média decidir entregar pizza para ganhar o seu , vira a maior polêmica em família. Aqui, o trabalho ainda é visto como uma coisa sofrida ou menor. Acho que herdamos tal pensamento dos gregos. Pensar é importante. Que outro qualquer excute. Embora me defina como uma intelectual e prefira mil vezes refletir e estudar à entregar pizzas e jornais, acho importante este senso de realização estimulado na cultura americana.
Admiro profundamente pessoas capazes de realizar. Pessoas capazes de saírem da zona de conforto e darem a cara à tapa, mesmo tendo uma vida materialmente confortável. Pessoas que transformam crises em oportunidades. Acho bonito e valoroso gente com diploma superior fazendo trabalho braçal pois não está encontrando emprego na sua área de atuação. Acho interessante gente que mora em casa grande e num momento de crise , aluga quartos para estudantes e ganha um extra lavando roupa para a garotada, servindo janta ...
Muitas donas de casa que dependem do marido , passam a se virar quando se separam ou quando o parceiro perde o emprego. Tem mulheres que começam a fazer marmitas, cuidar de filhos das vizinhas etc
Tem muitos estudantes que para ajudar a pagar a faculdade vendem bolos e lanches em geral. Acho lindo!
Acho lindo também ver gente vendendo sanduíche na praia, estampando camisetas, customizando Havaianas, fazendo trufas e brigadeiros para vender em lanchonetes. Acho lindo gente que se vira de um jeito ou de outro.
Sim, me parece essencial ter senso de realização. E tal senso engloba áreas intelectuais também. Não é preciso saber costurar, bordar e cozinhar para realizar. Na minha área de atuação ( a literatura e a docência) é possível encontrar muitos exemplos de gente que realiza. Que publica livros por conta própria , que cria blogs , que faz seus vídeos e joga na rede, que cria grupos de debate entre os alunos sem precisar necessariamente de um financiamento ou do apoio institucional.
Acho que cabe a cada um de nós a fazer a sua parte, por menor que ela nos pareça.
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.