terça-feira, 27 de outubro de 2015

Mitos sobre o amor perfeito

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Sim, criamos mitos sobre o amor perfeito. Como se algo fosse perfeito...e como disse uma vez uma instigante professora minha: tudo que é perfeito costuma ser meio enfadonho.

Um sorriso assimétrico e pouco confiável pode ser muito mais atraente do que um sorriso Colgate. Um olhar sexy e penetrante, que nos arrasta para o mundo febril da imaginação aflorada pode ser muito mais interessante do que olhos belos no mero sentido estético.

Com certa dor e alguma ironia, passo a aceitar que o amor oficial pode ser bem insosso.  Já sonhei com coisas bem tradicionais. Ou imaginei sonhar. Talvez ainda sonhe. Não sei. Mas de qualquer forma , sempre senti um pouco de vontade de me jogar no vão do metrô ou dar boas risadas diante do tradicional.  Existe algo muito cafona nas festas de casamento. Talvez por isso nunca tenha desejado uma. Queria muito casar de forma discreta, quase escondida. Apenas os familiares e poucos amigos. Os amigos de fato. Nunca sonhei com vestido balão e recepção para 227 desconhecidos.

Sempre me imaginei dentro de um simples vestido branco sujo e nos últimos tempos, idealizei eu mesma preparar os quitutes que acompanhariam o churrasco comemorativo do casamento para 15 pessoas no máximo. Me achava modesta. Hoje vejo que não. Tenho alergia a cafonice. É bem mais simples e menos honroso.

Esta ritualização do amor é meio irritante para mim. Corta boa parte do tesão. Às vezes sonho com um romance a la Último tango em Paris. Sem nomes, sem biografias, sem almoços de domingo com a família, sem festinhas com amigos chatos, sem primas e tias mais velhas do namorado perguntando quando vem o herdeiro. Sem fraudas sendo trocadas enquanto se come macarronada com refrigerante. Sem aquela necessidade de decidir se vamos servir empadinhas de palmito ou camarão na entrada da festa de casamento. Sem ter que ouvir uma organizadora de festas alucinada dizendo que a minha flor favorita está fora de moda e que eu preciso dançar uma valsa mal executada com o meu pai e outra com o meu marido para dar um romantismo na cerimônia.

Não existe nada mais romântico do que dois corpos nus num quarto escuro, longe de tudo e de todos, livres da hipocrisia, dos palpites inconvenientes, da falsa camaradagem.  Dois corpos nus sem nomes, pois nomes na verdade nada significam. Corpos que buscam um ao outro de forma simples e simplesmente.  Corpos dissociados de diplomas, de contas bancárias, de possíveis enlaces. Apenas corpos que se encontram no caos do mundo, no caos da vida.



 



 
 
 
 
 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

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