sexta-feira, 16 de outubro de 2015

É preciso esfolar a pele da alma

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Sim, é preciso esfolar a pele da alma. Bem, pelo menos esta é a filosofia de vida de algumas pessoas que precisam de catarse como a Humanidade precisa de oxigênio.
 
Dizem que o quinto elemento é o amor. E qual é a essência do amor romântico? Não tô falando de amor construção, amor companheirismo, amor sopa compartilhada na hora do jantar. Tô falando daquele amor que não é amor , que todo mundo sabe que não é amor e quer assim mesmo. Acho que o nosso quinto elemento é a emoção.
 
Quando buscamos um filme para ver ou uma peça de teatro, temos mais ou menos três possibilidades básicas: rir, chorar ou sentir medo. Alguns seres esquisitos e doentios como eu escolhem filmes para se instruir e refletir também. Mas não falarei deste tipo patológico de gente.
 
As pessoas se espantam quando alguém afirma gostar de filmes de terror e dizem com a boca cheia:"Eu gosto de comédia! Eu gosto de relaxar!". Quanta falta de imaginação, meu Deus...e quem disse que não é possível relaxar se cagando todo de medo?  Se eu tiver num mau dia, se eu tiver por conta de todos os cães, como diria Sinhozinho Malta, um filme de terror me relaxa muito mais. Nos dias calmos também. Se eu estiver nervosa e vir alguém com cara de idiota escorregando numa casca de banana ou enfiando o pé num vaso sanitário, não irei relaxar nem um pouco. Sou muito exigente para humor. Tem que ser inteligente.
 
Enfim, quem busca um filme para rir busca algo muito semelhante a quem procura um filme para sentir medo ou chorar: catarse.  Quem quer rir, chorar ou temer, quer sentir. Quer esfolar a pele da alma.
 
Somos induzidos a uma vida calma e metódica, com horários preestabelecidos, com fórmulas fechadas e frases prontas. Mas a nossa natureza anseia pelo imprevisto, pelo inusitado.  Somos lobos em pele de cordeiro. E quando falamos "Finalmente amadureci" estamos apenas tentando acreditar que a catarse já não faz mais a nossa cabeça.  Estamos tentando evitar o inevitável: atirar-se na vida como um animal selvagem que agarra com unhas e dentes as suas presas.
 
Sim, nascemos para a catarse. Sim, nascemos para quebrar a cara , tropeçar, cair de boca no chão, levantar , limpar o sangue com as costas das mãos , seguir em frente para cair logo em seguida.  E quem cria jogos e artimanhas para fugir do caos natural,  vive com cara de quem precisa tomar Atroveran. 
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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