sábado, 10 de outubro de 2015

Alma de poeta

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Uma manhã cinzenta desponta. Uma boa oportunidade para me embriagar com o aroma do café forte e vomitar palavras diante do teclado do computador.
 
O cinza dos dias nublados colore as minhas emoções de forma perturbadora, quase inexplicável. Sinto qualquer coisa arrebentar dentro de mim, me fazendo naufragar num mar de profundo gozo mudo. Quero olhar pela janela e ver todo o mundo vasto que existe dentro de mim. Dias nublados são perfeitos para quem tem alma de poeta.
 
Mas caso fizesse calor e o suor pegajoso grudasse em meu pescoço, em minha nuca , em meu colo, fazendo gotinhas gordurosas escorrerem por minha pele à minha revelia, me fazendo lembrar da imundície humana, não olharia pela janela e correria para o computador e com o dedo impaciente  gritaria palavras furiosas, cáusticas, azedas como um jato de  vômito.  Se fizesse calor , precisaria protestar. E mais uma vez a alma de poeta viria à tona, caminhando trôpega e amuada como uma criança contrariada.
 
Poetas são crianças grandes, mais imaturas  do que as pequenas. Se a gente quer, a gente quer e pronto. E tudo é motivo e tudo é pretexto para a gente sair pelo mundo dançando passos fora do ritmo só para chocar, só para dizer que tudo poderia ser diferente, que tudo poderia ser trocentas vezes melhor.
 
Poetas são loucos não clinicáveis, não internáveis. A camisa de força dos poetas são os protocolos sem explicação, é o amor e o destemor que o mundo real nega a nos dar. É preciso saber brincar com fogo e se equilibrar nas cordas da poesia.
 
Poetas são os mais ardentes amantes porque transformam as lágrimas, o suor, o gozo em poesia. Imprimem na pele da alma com letras garrafais as hipocrisias de seu tempo que são as hipocrisias de outros tempos. Hipocrisia é hipocrisia e poetas não a suportam.
 
Me rendo a este dia nublado e meu dedo cansado já não acompanha a minha alma insana. Mergulho em meus pensamentos e bebo como vinho consagrado os que não vierem à tona.
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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