quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Hora marcada para ser feliz

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

O fim do ano se aproxima. Depois do dia 2 de novembro o que mais veremos na TV são propagandas estimulando a comprar um monte de quinquilharias para celebrar o espírito capitalista. Como disse Tati Bernardi, adoraria que novembro emendasse com março. Detesto este lance de hora marcada para ser feliz. Parece aquele tipo de casal que transa de duas em duas semanas, um domingo sim, outro não, das 22 às 22:03. Terminado o tempo estipulado para o prazer, cada um cai para um lado aliviado. "Acabou, finalmente!"

Vai soar mega pedante, mas já não consigo ver TV. De vez em quando Globo News em Pauta e filmes pelo Now praticamente todos os dias, que em minha opinião tem um acervo qualitativamente limitado. Quando vejo que mais um filme dinamarquês entrou no catálogo, começo a salivar como cachorro sentindo cheiro de carne.

Vejo muitos filmes no Youtube. Nunca consigo baixar nada. Encho meu PC com vírus múltiplos como se meu pobre notebook fosse a mais devassa das criaturas e não baixo nada. Mas voltando ao final do ano...

Serei poupada da saraivada de propagandas de gosto duvidoso, mas não conseguirei impedir que o trânsito de Sampa fique ainda mais embosteado ( não há nada ruim o bastante que não possa piorar). O clima quente do final do ano somado àquela correria insana por lembrancinhas, chesters e mix de frutas secas  proporciona uma aura de cafonice ímpar. As pessoas que são apenas frias e indiferentes durante o ano se tornam demagógicas.

No calor a gente quer dar um estilo tomando um champanhe ou prosecco e começa a suar como um burro que queria sombra, mas que ficou amarrado debaixo do sol.

E aquelas mensagens pasteurizadas combinam perfeitamente com o arroz com passas. Odeio ambos igualmente.

Como diria a minha mãe, a gente come melhor num dia comum, quando tem arroz, feijão e bife do que em dia de festa.  E haja saco para entochar toda aquela comida na geladeira. E haja estômago para comer aquela comida pesada três refeições seguidas.

No Natal comemora-se tudo, menos o verdadeiro motivo pelo qual o Natal existe. Pelo menos a maioria não comemora...

E haja paciência para aguentar tanto parente desenxabido reunido no natal e reveillon, em suas melhores roupinhas, loucos para a festa em família acabar e correr para a primeira balada ou festa animada que encontrar. Quem tenta dar um ar de dignidade à barbárie, é aquele que termina a festa com a cara de idiota mor.

Em muitos casos, as tarefas costumam ser bem divididas. Uns pagam as contas e fazem a comida enquanto os outros se divertem. Sem falar nos "Quanto tempo!"  que a gente precisa ouvir.  Leia-se "Quanto tempo" como "Você não faz a menor falta na minha vida. Posso ficar o ano todo sem te ver e te encontro hoje, prima Lindinha ou tia Cotinha, por puro senso de tradição".

Quanto tempo fica perfeito com arroz cheio de passas, champanhe sem borbulha e votos de felicidade eterna.

Este ano, aqui em casa, prometemos fazer uma coisa mais intimista e menos sacal.  Comerei macarronada ao sugo gratinada com queijo. Um dos meus pratos favoritos. Delicioso. Simples. Sem frescura. Sem ocupar espaço na geladeira.


 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

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