domingo, 25 de outubro de 2015

Dê tempo ao amor e amor ao tempo

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

 
Chega uma fase da vida da gente que paramos para pensar e falamos para nós mesmos: "Quanto tempo perdido!"
 
O tempo é a coisa mais preciosa que existe neste mundo de meu Deus. Recupera-se o dinheiro perdido ( não exatamente o mesmo...mas um que o substitui perfeitamente bem). Reembolsa-se ou deveríamos reembolsar as pessoas quando batemos no carro delas ou derrubamos sem querer uma xícara de café sobre uma blusa nova etc etc etc
 
O que se fazer quando alguém perde tempo por nossa causa? Diferentemente de dinheiro, carros e blusas, não podemos repor o tempo perdido. E tempo não é dinheiro. Tempo é muito mais valioso do que isso. Tempo é a matéria-prima da vida. Se precisamos de milho verde para fazermos pamonhas, precisamos de tempo para fazer a vida.
 
Tempo e amor me parecem as duas coisas mais essenciais. O tempo por ser a própria vida. O amor por dar sentido à mesma. Sem tempo, não há vida e sem amor a vida não tem razão de ser. Amor por tudo. Por qualquer coisa. Amor pelo bolo caseiro desmanchando-se na boca e provocando gemidos equivalentes a um orgasmo.
 
Amor pelo primeiro gole de café numa manhã sonolenta. Amor pela janela do metrô em que podemos nos encostar quando estamos caindo de sono. Amor pela água quente do chuveiro massageando o corpo todo de uma vez só num lindo dia cinzento e frio. Amor pelo cheiro de pão de queijo saindo do forno, implorando para ser devorado. Amor pela manteiga derretendo na espiga de milho verde.
 
Amor por aquele amigo sem noção que te faz entender o valor do riso. Amor por aquele livro que te tornou menos tacanho. Por aquela música que arrepiou os pelos do seu corpo todo e te fez se sentir mais feliz num dia de merda. Por aquela música que te fez chorar e te mostrou que você é capaz de sair do piloto automático do constantemente feliz.  Amor pela faculdade. Pelo trabalho. Pela família. Pelo amado, amante, o que for.  
 
Pelo cachorro de rua que você alimentou e acariciou como se fosse seu. Pelo seu próprio cachorro, gato, papagaio. Amor por você mesmo. Não só pelos seus cabelos sedosos e dentes ultra brancos que nem os mostrados nas campanhas de TV. Amor por suas rugas, por sua flacidez, por sua primeira mecha grisalha.  Amor por suas cicatrizes. As do corpo. As da alma. 
 
Amor pelos amores frustrados. Pelas dores do passado. Pelas mentiras que fingiu acreditar para não pirar. Para não tomar uma atitude digna de um ser um humano. Pelas mentiras que você contou a você mesmo de forma extremamente convincente. 
 
Amor pelo dia em que quis acima de tudo desistir. Em que olhou hipnotizada para o vão do metrô , imaginando como seria terrivelmente doloroso e simples.
 
 
 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

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