sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Amar é narcísico

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS



Uma amiga virtual, amiga de uma prima muito querida, adicionou-me por causa de uma brincadeira de Facebook. Fiz um daqueles testes bobos para matar o tempo e nele constava que eu deveria receber um diploma por melhor coração. Não resisti. Compartilhei e fiz piada a respeito, dizendo que nem nos testes do Face me livro deste carma...

A amiga da minha prima respondeu-me seriamente e disse- me que ter bom coração era darma...minha prima curtiu a brincadeira como brincadeira mesmo, pois sabe que sempre me senti meio tonta por ser considerada boa pelas pessoas.

Esta amiga virtual desafiou-me a escrever sobre a relação entre lucidez e insanidade quando o tema é desejo. Prometi encarar o desafio pois para mim ainda é complicado dizer não. Estou na luta RS

Falei que seria complicado escrever sobre este tema no atual momento porque só conseguiria ver a insanidade. Mas ela pediu-me imparcialidade.

É estranho escrever uma coisas dessas. Passei a vida amando ou imaginando amar, desejando, querendo ser desejada, me moldando, me dobrando, me partindo ao meio...nos últimos tempos , resolvi fugir e quando tentei me moldar mais uma vez como sempre fizera , o trem já havia partido para mim.  Acho que nunca me perdoarei por isso...

Acho o desejo algo escorregadio. Como diria Platão, a gente só deseja o que não tem. Então, desejar é sentir falta. Quando obtemos o que desejamos , nos saciamos e deixamos de desejar. Deixar de desejar não significa  deixar de amar. O desejo pode virar amor....e como é bom! Sei lá...a vida nunca me deu tempo para isso...

Acho que existem muitos tipos de relacionamento: o namoro amizade. O namoro sexo. O namoro cor-de-rosa. O namoro conveniência. Alguns mesclam duas ou três categorias....acho que quanto mais sentimentos entrarem na roda , melhor...

Só bater papo com o namorado fica meio frio. Só fazer sexo, super animal. Amor cor-de rosa , desprovido de boas afinidades , acaba logo.  Acho que precisa ter de tudo um pouco como uma boa refeição.

Ninguém fica saudável só comendo queijo ou só saboreando frutas ou só deglutindo vinho...

Sim, o bom relacionamento engloba sexualidade intensa, inteligência instigante... é preciso gozar-se bem tanto com as palavras como na cama. É preciso ter afeto também. Piedade pelo outro. É preciso secar as lágrimas do amante. É preciso segurar-lhe a mão com força, impedindo-o que ele caia. É preciso aceitá-lo em sua imperfeição e crueza, como a um quadro sem retoques.
 É preciso deliciar-se no corpo do outro sem nojo de nada. É preciso degustar o amante como a mais elaborada iguaria. Entre dois amantes , nada é sujo ou proibido.

Mas precisa-se gozar com as ideias também. Ter assuntos e interesses em comum. Rir das mesmas piadas , ler os mesmos livros , babar pelos mesmos autores, se irritar com  certas mesmices, se entender com um simples olhar e saber o que o outro quer dizer mesmo que a boca do amante pronuncie palavras opostas. É importante reconhecer o amor no ódio , no cuspe , na bofetada e o ódio , no beijo doce e lento.

Não, minha cara amiga virtual que fala comigo como se me conhecesse há séculos , há milênios....como se me conhecesse mais a mim do que eu mesma. O desejo e o amor não são serenos porque são revolucionários.

O desejo pode ser sereno em alguns momentos...mas depois...basta! Começa-se a guerra novamente! A guerra de corpos que se enroscam, bocas que se sugam e mentes que se conectam numa rede de profundo entendimento.

Amar é narcísico. Amar é olhar-se no outro como a um espelho...e quando imaginamos odiar o outro, estamos odiando os nossos próprios defeitos. E quando amamos, estamos entrando em comunhão com a gente mesmo...

Fugir do amor é fugir da nossa própria essência. É fechar a porta atrás de si. É ignorar-se. É ser sepultado em vida por nós mesmos.


Dedico este post à Cida Fonseca.


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 







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