domingo, 31 de janeiro de 2016

Desculpa, mas não sou hipócrita. Não consigo amar meus inimigos

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Por que devemos perdoar quem nos destruiu e foi ser feliz depois? Nunca pude entender verdadeiramente este critério de justiça pregado pelas mais variadas religiões, embora tenha recebido formação religiosa.
 
Acho que por medo de destoar do script social e ser julgado pelas pessoas, a maioria cala esta pergunta na boca e na alma. Mas sempre pensei muito sobre ela, embora também tivesse receio de externar esta dúvida que me acompanhou por quase toda a vida.
 
De onde tiraram que devemos perdoar quem nos causou danos irremediáveis e depois foi curtir a vida numa boa, sem sofrer um décimo daquilo que sofre a sua vítima? Que tipo de lógica permeia este tipo de crença e pensamento que subjuga quem foi atropelado e aplaude quem atropelou, deu ré, passou por cima de novo e saiu sorrindo?
 
Como diria Sartre, não consigo entender nem respeitar quem perdoa seus algozes. Também não consigo compreender como uma pessoa pode se sentir bem e feliz simplesmente "perdoando" quem não lhe pediu perdão. Quem, muitas vezes, até ironizaria a ideia de pedir perdão às suas vítimas.
 
Sim, eu sei. O tema é cascudo. Mas a Garota desbocada é um espaço para isso mesmo. Aqui não cabe a polidez acadêmica do autor que escreve na primeira pessoa do plural para evitar constrangimentos.
 
Aqui, estou inteira e quebrada. Completamente nua e indignada. E faço novamente esta pergunta para os libertários, para aqueles que tem alma grandiosa. Para aqueles que não temem se enxergar imperfeitos. Por quê devemos perdoar quem não nos pede perdão? Por quê devemos nos alegrar com a felicidade daqueles que fizeram de tudo para roubar a nossa?
 
 

 



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Garota desamparada

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Não consigo conceber a vida sem uma boa dose de aconchego. Gosto de ambientes que nos abraçam com sua iluminação branda e intimista. Gosto de salas e quartos iluminados por abajures e arandelas , com sofás e camas macias , uma boa mesa de centro para apoiar os pés.

Gosto de entrar em casa e sentir cheiro de comida feita na hora. Bolo assando, temperos sendo refogados , todos ao redor da mesa compartilhando a mesma refeição.

Gosto de conversa jogada fora , à tarde, enquanto sinto o odor quente e reconfortante do café sendo coado.

Algumas vezes , deixo o meu computador com as costas e os dedos cansados  e vou até a cozinha preparar um cafezinho. O ritual de botar a água para ferver , despejá-la sobre o pó, escutando calmamente o barulhinho da bebida caindo na garrafa térmica é um bálsamo para a alma.

Gosto de chocolate quente com canela ou uma boa caneca de chá fumegante em tardes ou noites muito frias. Gosto de aninhar-me debaixo de um pequeno e azul cobertor da infância enquanto assisto a qualquer coisa.

Gosto do cheiro de bananada caseira. Gosto de raspar a panela em que foi feita o brigadeiro. Gosto de jantar na frente da TV com as luzes apagadas.

Gosto de fazer e receber massagens. Gosto de pessoas que sorriem com os olhos e que enlaçam com um sorriso e que se revelam e se confessam num gesto.

Gosto de pessoas que trazem a alma nos olhos. Gosto de pessoas macias e tenras como um bom doce caseiro.

Gosto de me abandonar ao lado de quem pode segurar forte a minha mão sem dizer nada. Mas se quiser dizer...sem problemas... gosto das palavras sussurradas , ao pé do ouvido, que cheiram e queimam suavemente como café recém coado.

Gosto de pessoas com gosto de bolinho de chuva , comidos sem frescura, com um sorriso na alma.

Gosto de pessoas que nos recebem em suas vidas com mil braços e longos abraços.

Às vezes, gosto de fazer uma cara sexy e fingir que sou má. Acho que a vida é mais simples para estas mulheres.

Gosto de olhar no fundo dos olhos e dar meu sorriso assimétrico, com uma taça de vinho na mão e um  ar atrevido no meu queixo estreito.

Gosto de quem entra no meu jogo e sorrindo finge acreditar no meu personagem. Mas que lá no fundo sabe que eu sou apenas uma garota desamparada.





Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 














quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Não, não ficará tudo bem

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Ás vezes, a gente se faz de forte. Finge que está tudo bem. Ou que vai ficar em breve.


 
Às vezes a gente sorri tristemente para dizer aos outros e para nós mesmos que a dor é passageira e que vai nos ensinar alguma coisa.
 
Às vezes a gente faz piada e ri alto para dizer ao mundo que sobrevivemos.
 
Às vezes a gente escreve frases otimistas para espantar o medo.
 
Às vezes a gente continua criando, dizendo para acreditar que ainda estamos vivendo.
 
Às vezes, a verdade vem à tona e a gente se percebe nu e demaquilado diante do espelho.
 
Às vezes, a gente descobre que a tristeza nos pegou de jeito.  Que ela se infiltrou em nossa alma como um câncer fatal.
 
Às vezes a gente se toca de que não adianta mais lutar  nem acreditar nem se reinventar.
 
Às vezes a gente compreende que está cansado demais para superar. Que já fizemos uso de todas as ferramentas que poderíamos utilizar.
 
Às vezes a gente entende de que falar ou calar pouco importa. O mundo é como é. Vazio, hipócrita.
 
 

 
 



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 

 











Talvez o mundo seja isso mesmo

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Conversando sobre um post com uma muito querida ex-aluna, uma garota profunda , de olhos devastadoramente meigos, pensei com uma boa dose de tristeza de que talvez este mundo colorido e cheio de possibilidades que eu ensino alegremente e ferozmente aos meus alunos exista apenas na minha cabeça.
 
Como toda idealista e romântica , creio na força do amor e da liberdade. Creio na possibilidade de tornar o mundo um lugar melhor. Mas talvez esteja errada...
 
Talvez os céticos realistas estejam certos. Talvez o mundo seja o que é e nada pode ser feito. Talvez , tudo o que nos reste seja seguir em frente , sem questionar , sem se revoltar, de cabeça baixa e olhos vazios.
 
Ou ainda , gente idealista deveria viver num mundo à parte...numa espécie de hospício da alma...criando, poetizando sem se importar para tudo aquilo que acontece ao redor.
 
Crer em um mundo imutável, opaco, cinzento, sem amor verdadeiro, sem emoção, sem a possibilidade de revoluções homéricas talvez seja para alguém como eu o mais devastador dos lutos.
 
Existe uma grandiosidade furiosa e linda na perda , na infelicidade. Mas mergulhar no tédio e na descrença é aniquilar a própria alma.
 
Tento me agarrar à algum lampejo, a alguma faísca de esperança colorida. Pois se um dia , eu realmente crer 100% neste mundo cinza, de amores convenientes e pessoas vazias, sobreviver a cada dia será uma luta terrível.
 
 
 
 



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 







 












terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Este corpo etereamente mundano

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Hoje, lembrando do filme "Além das nuvens" , dirigido por Win Wenders e Antonioni, pensei no título de um dos episódios: "Este teu corpo sujo de lama".
 
O meu post nada tem a ver com este filme. Apenas me lembrei deste título pois ele se conecta com aquilo que pensei durante esta manhã quente e modorrenta.
 
Sim, me sinto mais eu e mais verdadeira quando sinto toda a natureza mundana do meu corpo. Quando me sinto mergulhar num estado de torpor muito humano. Gosto de quem desperta a minha humanidade, este corpo etereamente  mundano.
 
Gosto de senti-lo vibrar com todo o ardor da minha humanidade gasta, com gosto de lágrima.
 
Cansei de tentar entender. Cansei de tentar aprender. Não quero entender mais nada . Pelo menos por enquanto. 
 
Quero parar de servir chá com torradas para tudo aquilo que não me faz feliz. Cansei de fazer o jogo do contente. Cansei de ser bem educada com a desgraça. Quero olhar a merda de frente , sem esperança ou drama.
 
 
Só quero sentir mais uma vez este meu corpo etereamente mundano vibrar. Sem aprendizados. Sem lições de moral. Sem frases prontas. Sem ensinamentos apaziguadores. Sem o falso otimismo daqueles que não suportam a ideia de estarem condenados.
 
Escolho a lucidez dos loucos. Se existe alguma verdade no mundo, são os loucos que conseguem chegar mais perto dela.
 
Escolho a lucidez dos poetas. Se existe alguma beleza no mundo, são os poetas que podem produzi-la e compreendê-la.
 
Escolho a lucidez dos apaixonados. Se existe algum sentido na vida, são os apaixonados que conseguem percebê-lo.
 
O resto é tudo placebo...
 
 


 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 




















O amor nos desperta o nosso eu mais intenso

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


 Não somos os mesmos perante cada pessoa. Uma vez comentei meio jocosamente ( mas o sentimento era verdadeiro) com um aluno/amigo mega querido meu que tinha ciúmes de outros professores em relação às minhas salas de aula.

Ele , mesmo sendo muito jovem, me disse algo que eu já sabia há séculos. Foi bom ouvir de outra boca o que o meu coração já sabia.

Ele me disse que os meus alunos eram apenas meus alunos. Algo assim. Não me lembro das palavras exatas.

Enfim, perante cada pessoa somos de um jeito. Se recebemos carinho e afeto, tendemos a reagir de uma forma. Se somos tratados com fria polidez , de outra. Se somos agredidos , um terceiro "eu" surge.

Este aspecto camaleônico da natureza humana aflora nas mais variadas situações e contextos. No trabalho, entre familiares, entre amigos , entre amores.

Se uma empresa valoriza o seu trabalho, provavelmente você renderá muito mais nela do que em outra que te subestimava. 

Se um amigo te maltrata , em algum momento não muito distante , você deixará de ser seu amigo. Se pelo contrário, ele estende a mão no momento que você mais precisa , esta amizade estará consolidada. 

Nos casos amorosos , a coisa é bem parecida. Não amamos nem nos entregamos nem deixamos de nos entregar da mesma forma com todas as pessoas. O amante que somos é um produto da nossa natureza associada à natureza do amado e daquilo que um desperta no outro.

Com algumas pessoas, o amor flui como um rio que desemboca no mar. É uma força inevitável da natureza. Com outras pessoas, dissimulamos um falso bem estar para fugir de nossos próprios fantasmas. 

Com algumas pessoas o amor queima e arde e deixa marcas impressas na alma. Com outras , o amor é como um som distante. Algo vago. Algo que sabemos que vai acabar um dia. Ou pior ainda. Algo que sabemos que na realidade nunca começou. Foi apenas uma invenção para matar o tempo e o tédio. Uma invenção para nos protegermos de nós mesmos e fingir que está tudo bem.

Sempre penso no filme "Os girassóis da Rússia" quando este tema me vem à cabeça. Antonio , o personagem vivido por Marcello Mastroiani, alegre e vivaz com  sua esposa italiana , transformara-se num zumbi com sua esposa russa. Ele era mau com a russa? Não. De forma alguma. Ele apenas se sentia morto. 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 




















segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Fome de saber

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 

Ontem, conversando com um ex-aluno meu muito querido, tive mais um insight para escrever no Garota desbocada.
 
 
Conversamos sobre o equilíbrio entre paixão e razão no momento de analisar questões intelectuais. Uma bela maneira de encerrar um domingo banal.
 
 
Ele disse-me que a busca deste equilíbrio torna a expansão intelectual muito prazerosa. Concordo com ele. Se fosse um processo simples e indolor , não seria tão instigante.
 
 
Pode soar como pedantismo da minha parte e talvez o seja ...não sei.. mas acho difícil entender o desinteresse da maioria das pessoas pelo conhecimento.
 
Não digo que acumular saberes seja tudo. Sem valores fortes , uma boa dose de coragem e uma alma capaz de se partir ao meio por amor , o conhecimento pelo conhecimento fica meio pobre.
 
Sem generosidade e gentileza, a erudição por si só fica arrogante.
 
 
Mas voltando à questão do interesse pelo saber, acho difícil entender quem consegue passar a vida inteira aplicando duas ou três técnicas para ganhar um salário no fim do mês. Me parece uma vida alienante. Sem sal nem pimenta.
 
 
Ok.Ok.Ok. Cada um se sente bem e é feliz de um jeito. De repente , Literatura , Filosofia , Artes , conversas instigantes , Psicanálise e outras formas de autoconhecimento, Neurologia , Sociologia , Antropologia  não sejam assim tão importantes para alegrar um coração. 
 
 
Entendo aqueles que se apaixonaram por Física Quântica , Física nuclear , Matemática e outras áreas do conhecimento que não me tocam. Mas acho que morrerei sem entender o desinteresse e o desprezo pelo conhecimento de um modo geral. Uma mente sem curiosidade, sem gosto por aprender e conhecer me parece uma mente quase morta.


 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 













domingo, 24 de janeiro de 2016

Fechada em meu mundo

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Gosto de passear, viajar , sociabilizar, conhecer novas paisagens , novas texturas quando coloco uma comida nova na boca.

Gosto de comer comida apimentada no México e muito queijo raclette na Suíça.  Experimentei scargots pela primeira vez na caótica e calorenta Paris de julho.

Gosto de sentir o ar frio e limpo do inverno europeu e ao regressar ao calor brasileiro, gosto de sorrir amplamente , mesmo odiando o calor.

Gosto de fotografar lugares que visito embora as melhores fotos fiquem sempre impressas na mente.

Gosto de arriscar algumas conversas com desconhecidos durante o trajeto.

Enfim, gosto de experimentar o novo. Saboreá-lo suavemente. Deixá-lo desmanchar lentamente debaixo da língua , impregnando a boca inteira.

Gosto de dormir em quartos de hotel. Em casa , nunca tomo leite. Mas quando viajo, adoro tomar café com leite. É uma nova existência que se abre à minha frente.

Gosto de tomar banho de banheira sem pensar se elas foram devidamente higienizadas. Apenas os tomo, relaxada , distante da minha realidade.

Mas quando estou triste ou simplesmente muito cansada ( cansada do trabalho, cansada da rotina , cansada da vida) gosto do meu quarto. Do meu pequeno mundo mágico com meus móveis sólidos e familiares. Minha cama de cabeceira alta , forte e robusta.

Gosto de teclar em meu notebook e acessar os meus filmes e músicas favoritas. Gosto de folhear meus livros que ficam empilhados na cabeceira ou olhar a capa dos meus dvds...senti-los...

Uma vez , quando fiquei muito doente , hospitalizada, e sentia-me cansada de tudo, pensei que não queria morrer antes de rever o meu quarto, o meu mundo.

Acho aconchegante ver um filme assustador deitada na cama sem sentir medo algum.  Acho acolhedor mergulhar no escuro do meu pequeno e poético mundo, onde não posso ser julgada nem olhada como um bicho raro.

No meu pequeno mundo, ninguém pode me maltratar ou me ferir... ninguém pode me desprezar. No meu pequeno mundo  estou protegida da sordidez da vida com seus horrorosos arranjos sociais e frases prontas.

No meu pequeno mundo estou a salvo da hipocrisia de bocas que se consideram mais sábias ou mais santas.

 


 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 













sábado, 23 de janeiro de 2016

Sobre os calos das mãos e da alma

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Quando eu era bem jovem, bem jovenzinha mesmo ( entre 11 e 12 anos) eu adorava passar as tardes de sábado e domingo fechada em meu quarto escrevendo.

Não se usava computador naquele remoto tempo e nunca curti máquina de escrever. Então, o jeito mesmo era lotar cadernos e mais cadernos com minha letra horrorosa e expansiva. Resultado: tinha um calo em um dos meus dedos de tanto usar lápis e caneta.

Esquecia-me de tomar água , lanchar e usar o banheiro. Ficava um pouco corada pela luz forte da luminária e pela própria emoção despudorada de escrever tantas sandices naquelas horas caseiras.

Como Marguerite Duras tentava recriar o mundo por meio da minha literatura. Acho que me sinto verdadeiramente em paz apenas quando escrevo. Sinto-me verdadeiramente conectada comigo mesma e com tudo e todos que mais amo.

As palavras me parecem o único meio de tentar sobreviver a um mundo que não compreendo e que nem quero compreender por ser sórdido demais.

Não entendo as relações sem vigor e uma dose de passionalidade.  Não entendo como as pessoas podem passar pela vida sem calos na alma.  Sem entregar-se despudoradamente a nada.

Não entendo como alguém pode dizer não ao amor. Nunca pude. Nunca fui capaz de deixar para trás quem eu amava ou imaginava amar.

Como escrevi num livro que ainda não foi publicado, penso que quando duas pessoas se amam, elas deveriam ficar juntas, sob qualquer circunstância.

Sim, eu sei. É um pensamento simplório para uma professora doutora. É um pensamento simplório para uma mulher de 37 anos. A sociedade já deveria ter me moldado aos padrões do status quo.

Eu já deveria ter aprendido a dissimular , a sublimar , a amar por conveniência.  Eu já deveria ter aprendido a negar a mim mesma.

Sim, eu já deveria ter entendido e aceitado que o mundo é como é e que lutar contra ele é dar murro em ponta de faca. É inútil. Eu já deveria ter assimilado que o amor é o que menos importa em uma relação.

Sorrio para mim mesma. Para o calo do meu dedo que ainda posso sentir. Para os calos da minha alma. Sorrio o sorriso desgraçado daqueles que nunca aprendem.

Escuto agora o tema do amor, de Andrea Morricone, música principal do filme Cinema Paradiso e penso: quando tinha apenas 17 anos, ao assistir pela milésima vez a sequência final deste filme, eu já sabia que estava destinada a não encontrar o amor. Ou o encontraria dezenas de vezes, depois de caminhar por léguas e léguas,  para perde-lo no minuto seguinte.  Continuei buscando-o por pura teimosia.

Lá no fundo, acho que soube desde sempre que a minha passagem pelo mundo seria como atravessar sozinha um longo deserto. 


 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 













sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

De olhos fechados

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Mais uma vez ouço Perfect Kiss ( estou obcecada por esta música RS) e penso que as melhores coisas da vida, faço de olhos fechados.

Uma grande amiga me disse uma vez que eu fechava os olhos para comer algo que eu gostava muito. Que eu externava o meu prazer.

Uma aluna , outra vez, disse-me que ao ouvi-la cantar Elis Regina, eu fechei os olhos. Como não fechar os olhos ouvindo Elis na voz poderosa de uma aluna querida?

Fecho os olhos quase que instintivamente para sentir melhor, para captar cada nuance da emoção que se desenrola em minha alma, esfolando-a levemente, eliminando aquela camada superior e fútil, revelando o que existe de mais íntimo e profundo.

Fecho os olhos para gozar mais intensamente diante de tudo aquilo que faz a minha  alma jorrar como uma fonte de água limpa e cristalina.

Fecho os olhos para matar a sede . A sede mesmo. E principalmente a de amor. Fecho os olhos ao sentir os lábios do homem amado encontrando os meus. Fecho os olhos para sentir seu corpo devassando o meu. Fecho os olhos para simplesmente lembrar de tudo que já me fez despudoradamente feliz e não me pertence mais.

É de olhos fechados que se bebe o primeiro gole de vinho encorpado, é de olhos fechados que se escuta as juras de amor eterno, é de olhos fechados que se traga o cigarro , que se traga o melhor dos sentimentos.

É de olhos fechados que nos perdemos e depois nos reencontramos no outro. É de olhos fechados que se vive o melhor e o pior. É de olhos fechados que abandonamos os scripts da vida e somos quem somos.

Agora escuto It's all coming back to me now e sinto uma paz profunda e cansada adentrar o meu coração.


 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 














quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Sobre aeroportos e passagens internas

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Toda vez que faço uma viagem, principalmente internacional, tenho uma sensação muito estranha. Sinto o mundo exterior e concreto servindo de metáfora para o meu mundo interior e subjetivo.
 
 
Sempre me perco no aeroporto de Zurique, embora já tenha ido para lá quatro vezes. Sempre preciso pedir informações para mais de uma pessoa com o meu inglês macarrônico e sorriso indefeso no rosto.
 
 
Toda vez que dependo da gentileza de um desconhecido para me orientar e "consigo me localizar" ( prestem atenção na ironia das aspas RS) sinto uma vaga ternura por aquelas pessoas que nunca vira antes e que nunca mais verei.
 
 
Por alguns momentos , elas foram importantes para mim. Por alguns momentos , eu dependi da  boa vontade delas e toda vez que necessito da bondade de estranhos ( como diria Blanche Dubois) o meu mundo interior se amplia.
 
Sim, aeroportos para mim são corredores, são passagens para o meu mundo interno. São corredores que me fazem mergulhar no mais profundo da minha subjetividade.
 
Nesta última viagem que realizei, duas pessoas me chamaram a atenção de forma especial: um pesquisador sul-africano que me acompanhou do aeroporto de Zurique até Berna e uma moça húngara que me ajudou a encontrar o meu portão de embarque , de volta ao Brasil.
 
Seu rosto transparecia uma simplicidade comovente. Ela não me explicou o trajeto. Ela me conduziu até o portão e me olhou com a delicadeza típica daqueles que tem um coração sem chaves nem cadeados.  Agradeci sorrindo a sua generosidade. Disse-lhe que era muito doce com o meu inglês macarrônico e meu sorriso grato e aliviado.  E ela devolveu-me o sorriso com a mesma dose de calor.
 
 
Nunca mais a verei. Mas tanto ela como o meu anjo da guarda sul-africano farão parte do meu mapa afetivo para sempre.

 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 














segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Sobre os terrores da infância

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Quando tinha 9 anos de idade , uma priminha ficou aqui em casa. Ela tinha apenas 4 anos e vimos uma cena muito violenta em uma novela. Um homem sendo alvejado. Temi por ela. Temi que ficasse assustada. Mas acho que fiquei mais traumatizada do que ela porque anos mais tarde , já na fase adulta , gemi e levei as mãos à cabeça ao imaginar que veria cena semelhante em outra novela.

Esta mesma priminha aos 6 e eu aos 11 , ficou em casa mais uma vez. Ela queria dormir aqui, mas de repente sentiu saudades da mãe. Quis dar-lhe um banho antes de minha tia chegar. Acho que fiquei mais molhada do que ela...e quando aquela garotinha linda já estava banhada e vestida, olhou-me nos olhos e me perguntou com um pouco de culpa. Disse que sentia saudade apenas da mãe. Do pai não. Perguntou-me se aquilo era errado. Oh, meu Deus! Já estamos condenados à dor da culpa tão cedo...

Não lembro exatamente das minhas palavras , mas respondi-lhe que não. Que era normal sentir mais falta da mãe.

Logo depois minha tia chegou um pouco impaciente , apesar de ser uma das pessoas mais doces que conheço. E que alegria minha prima sentiu em seus braços...o tempo para as crianças passa de um jeito diferente , mais lento....custa-se a fazer aniversário...depois dos 30 poderia demorar também RS

As cenas violentas parecem mais assustadoras , os locais maiores , os adultos mais altos e bravos. 

Aos 4 anos tinha um pouquinho de receio da barba áspera do meu vovô. Uma vez , tentei fugir dele, mas ele me pegou de jeito, agarrou-me inteira em seu abraço e raspou aquela barba áspera em mim...no final das contas , foi bom!


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 














domingo, 17 de janeiro de 2016

Gostar é mais simples do que amar

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 

 Mais um post do Face me inspirou loucamente. Um que diz mais ou menos o seguinte e foi bem curtido: Tem tanta gente que se ama e que não está junto. E tem tanta gente que não se ama e que está.
 
Este pensamento me fez lembrar de duas figuraças da Comunicação e Semiótica da PUC, onde fiz meu mestrado e doutorado.
 
Um deles foi um grande amigo poeta. Ao relatar meus dissabores , ele sorriu meio ironicamente para mim, com aquele jeito dele , deliciosamente blasé e disse-me que gostar era melhor, era mais simples. Disse-me que amar era estar á beira de um abismo. Nunca me esqueci deste pensamento.
 
Disse-me também outra vez que era cruel. E eu o retruquei jocosamente: "Mas eu falo apenas a verdade!' Mais uma vez , sorriu-me ironicamente e disse: "Por isso mesmo".
 
A outra figuraça que tirou sarro das pessoas que ficam com quem não amam foi meu irresistível orientador. Disse mais ou menos assim: "Tem gente que não trepa..." fez uma pausa dramática e prosseguiu: " Mas também tem gente que trepa com quem não quer." O grupo de pesquisa caiu na risada em peso. Enfim, muita gente sem trepar ou trepando com a pessoa errada.
 
Mas como diria meu amigo...trepar com quem não se ama dá menos medo...ai, por favor , please...me cortem os pulsos!
 



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

sábado, 16 de janeiro de 2016

Acredito na beleza

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Não sou espírita. Tive rígida formação Católica. Fui inclusive catequista por 4 anos. Mas há muitos anos , tenho certa simpatia pelo espiritismo...e por alguma razão que não compreendo muito bem, alguns espíritas acham que sou médium.

Depois de levar tantas pauladas da vida , comecei a afastar de mim qualquer tipo de crença metafísica. Era do tipo  que vivia dizendo que nada acontece por acaso. Inclusive , fui uma vez presentada com uma Bíblia e no cartão que a acompanhava , a moça que me presentou disse que a motivação era o meu traço mais evidente na opinião dela. E destacou a frase " Nada é por acaso".

Hoje prefiro crer no acaso. Pois crer em um plano determinado, detalhado, faz meus olhos e alma se encherem de lágrimas. Por que Deus faria para mim um plano tão triste?

Hoje uso como muletas a Filosofia e as Artes. Bebo da beleza que existe na mais profunda e refinada inteligência e delicadeza. Me sinto perto de tudo que existe de mais etéreo por meio de uma poesia , de uma música , de uma palavra transbordante de sabedoria... gosto de um pensamento irreverente. Gosto de espancar e apanhar com as palavras,  mordê-las , beliscá-las, acariciá-las...jogá-las de um lado para o outro da boca como uma bala de caramelo. 


Sim, acredito na arte e no poder que ela tem de nos transformar e nos amparar em um mundo tão estranho e sombrio...


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 















sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Amar é narcísico

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS



Uma amiga virtual, amiga de uma prima muito querida, adicionou-me por causa de uma brincadeira de Facebook. Fiz um daqueles testes bobos para matar o tempo e nele constava que eu deveria receber um diploma por melhor coração. Não resisti. Compartilhei e fiz piada a respeito, dizendo que nem nos testes do Face me livro deste carma...

A amiga da minha prima respondeu-me seriamente e disse- me que ter bom coração era darma...minha prima curtiu a brincadeira como brincadeira mesmo, pois sabe que sempre me senti meio tonta por ser considerada boa pelas pessoas.

Esta amiga virtual desafiou-me a escrever sobre a relação entre lucidez e insanidade quando o tema é desejo. Prometi encarar o desafio pois para mim ainda é complicado dizer não. Estou na luta RS

Falei que seria complicado escrever sobre este tema no atual momento porque só conseguiria ver a insanidade. Mas ela pediu-me imparcialidade.

É estranho escrever uma coisas dessas. Passei a vida amando ou imaginando amar, desejando, querendo ser desejada, me moldando, me dobrando, me partindo ao meio...nos últimos tempos , resolvi fugir e quando tentei me moldar mais uma vez como sempre fizera , o trem já havia partido para mim.  Acho que nunca me perdoarei por isso...

Acho o desejo algo escorregadio. Como diria Platão, a gente só deseja o que não tem. Então, desejar é sentir falta. Quando obtemos o que desejamos , nos saciamos e deixamos de desejar. Deixar de desejar não significa  deixar de amar. O desejo pode virar amor....e como é bom! Sei lá...a vida nunca me deu tempo para isso...

Acho que existem muitos tipos de relacionamento: o namoro amizade. O namoro sexo. O namoro cor-de-rosa. O namoro conveniência. Alguns mesclam duas ou três categorias....acho que quanto mais sentimentos entrarem na roda , melhor...

Só bater papo com o namorado fica meio frio. Só fazer sexo, super animal. Amor cor-de rosa , desprovido de boas afinidades , acaba logo.  Acho que precisa ter de tudo um pouco como uma boa refeição.

Ninguém fica saudável só comendo queijo ou só saboreando frutas ou só deglutindo vinho...

Sim, o bom relacionamento engloba sexualidade intensa, inteligência instigante... é preciso gozar-se bem tanto com as palavras como na cama. É preciso ter afeto também. Piedade pelo outro. É preciso secar as lágrimas do amante. É preciso segurar-lhe a mão com força, impedindo-o que ele caia. É preciso aceitá-lo em sua imperfeição e crueza, como a um quadro sem retoques.
 É preciso deliciar-se no corpo do outro sem nojo de nada. É preciso degustar o amante como a mais elaborada iguaria. Entre dois amantes , nada é sujo ou proibido.

Mas precisa-se gozar com as ideias também. Ter assuntos e interesses em comum. Rir das mesmas piadas , ler os mesmos livros , babar pelos mesmos autores, se irritar com  certas mesmices, se entender com um simples olhar e saber o que o outro quer dizer mesmo que a boca do amante pronuncie palavras opostas. É importante reconhecer o amor no ódio , no cuspe , na bofetada e o ódio , no beijo doce e lento.

Não, minha cara amiga virtual que fala comigo como se me conhecesse há séculos , há milênios....como se me conhecesse mais a mim do que eu mesma. O desejo e o amor não são serenos porque são revolucionários.

O desejo pode ser sereno em alguns momentos...mas depois...basta! Começa-se a guerra novamente! A guerra de corpos que se enroscam, bocas que se sugam e mentes que se conectam numa rede de profundo entendimento.

Amar é narcísico. Amar é olhar-se no outro como a um espelho...e quando imaginamos odiar o outro, estamos odiando os nossos próprios defeitos. E quando amamos, estamos entrando em comunhão com a gente mesmo...

Fugir do amor é fugir da nossa própria essência. É fechar a porta atrás de si. É ignorar-se. É ser sepultado em vida por nós mesmos.


Dedico este post à Cida Fonseca.


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 







quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Gosto de caramelo

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Estou aqui na bela Suíça, na paradisíaca Berna , recebida como membro da família por minha grande amiga Fernanda e seu distinto marido. 

Atravessei novamente o oceano no turbulento e intrépido céu de janeiro. Mas desta vez por uma amizade e não pelo amor de um homem.

Me soa estranho estar novamente no país dos Alpes em uma situação completamente diferente, em outro contexto. 

Acho curioso que a Suíça seja o ponto em comum entre as minhas duas jornadas: a de moça casadoira , que tudo fazia para agradar e ser amada. Que deixava a cozinha da casa rescendendo a canela , caramelo e refogados , com o rosto suado e um sorriso simples quando via meu noivo entrar em casa, cumprimentando-o com o meu mau pronunciado "My sweet". 

E esta outra , que filosofa e brinca com as palavras e grava programinhas jocosos , entre piadinhas quentes e sorrisos pouco confiáveis, exibindo bijuterias extravagantes e um chapeuzinho exótico.

Mas talvez não haja tanta diferença entre elas como cheguei a imaginar neste último semestre que passou. Tive tanto temor de ser doce e meiga novamente , que neguei todo o meu gosto de caramelo e engoli meu sorriso simples num assimétrico. Não que o assimétrico também não me pertença RS Como me pertence esta mania insidiosa de entortar a boca para rir...

Mas enfim, ainda estou tentando me descobrir no vão destas duas moças...



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 














quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Viagens

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Me inspiro nas conversas com as pessoas e em posts que leio para escrever meus textos no Garota desbocada.

Gosto muito de conversar com desconhecidos. Manicures na época em que fazia as unhas regularmente, motoristas de táxi, pessoas que se sentam ao meu lado no avião.

Acho que aprendemos muito conversando com as pessoas e bebendo de suas experiências e permitindo que elas bebam das nossas.

Por um ano ( 2007) substitui uma professora numa faculdade municipal da cidade de Assis. Para quem não conhece , fica no oeste paulista , bem perto do Paraná. Ia para lá toda segunda lecionar e voltava às quartas. Foi um ano cansativo, mas talvez um dos mais felizes e ricos da minha vida.

Depois de viajar 6 horas de ônibus , retocava a toalete e ia dar à minha aula de Produção Publicitária em Rádio, TV e Cinema.  Era uma turma de quarto ano e era o meu primeiro como docente. Era pouca coisa mais velha do que os meus alunos . Foi um desafio e tanto.

No ônibus , tanto na ida como na volta , bati papo com pessoas que me trouxeram relatos muito especiais. Alguns engraçados. Outros comoventes. Uma linda senhora de olhos azuis e profundos , confidenciou-me que sua filhinha havia sido roubada na maternidade....chegou a conhecê-la na fase adulta apenas.

Um senhor muito gentil confidenciou-me cheio de ternura que se pudesse voltar no tempo, não deixaria o amor da sua vida passar.

Rezei junto com uma garota em prantos pela saúde do seu sogro. Fiz amizade com uma divertida oficial de justiça que almoçava comigo todas as terças.

Durante minhas viagens para a Suíça , quando atravessa o oceano sozinha em busca daquilo que eu considerava o amor, travei alguns relacionamentos muito interessantes: um garoto irreverente e bom papo de 15 anos, uma chilena simpaticíssima que passou mal durante a viagem inteira, um francês meio mal humorado mas muito culto com um Português bem aceitável e um suíço extremamente gentil e jocoso , com um Português muito bom por ser apaixonado há anos por uma brasileira.

Enfim, no embate da vida , do dia a dia, a gente vai tecendo teias invisíveis e deixando nossas marcas nos mapas afetivos alheios. Mas é importante deixar-se marcar também. Mais importante do que aquilo que deixamos para os outros ou os outros deixam para nós, é aquilo que os outros nos permitem ser e o que permitimos que os outros sejam por meio de nossas mãos.

A chilena hermosa despediu-se de mim com um caloroso abraço, me chamando de guapa. Naquele voo complicado , fui um pouco sua irmã. E ela , a minha.

O garoto irreverente , voltei a vê-lo no lançamento do meu livro O cinema da paixão: Cultura espanhola nas telas. Foi com seus pais e uma amiga cinéfila.

Alguns ficam mais tempo em nossa vida. Outros menos. Mas de uma forma ou de outra , todos ficam em nosso coração, nas nossas ideias, na constituição daquilo que somos, sentimos e pensamos.

Enfim, meu post de hoje é sobre viagens. As viagens internas. As viagens da alma.


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 















terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Os amantes ingleses

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Terminei a noite de ontem com Perfect Kiss e inicio o dia de hoje com Tears for fears.
 Embora esteja muito ligada ao mundo latino ( sou uma pacífica combinação do melodrama histérico italiano com a compulsão assassina espanhola) me fascino pelo mundo britânico.

Por causa de métodos arcaicos usados para ensinar a língua na minha longínqua infância mais uma boa dose de preguiça e comodismo da fase adulta, acabei resistindo a aprender o idioma. Mas por conta de um namoro/noivado tive que aprender na marra como disse rindo uma amiga de infância.

Quer dizer...aprender , aprender de fato, eu ainda não aprendi. Me comunico.  Me viro. Prefiro falar a ouvir. Embora fale mal, me faço entender. Mas para eu entender, a coisa complica....de qualquer forma gosto do som da língua. Não digo que seja bonita. Muito pelo contrário. É uma língua feia gostosa.

Mas não é por causa do idioma que me seduzo pelos ingleses, muito menos pela culinária ou por  toda aquela formalidade...me seduzo por seu humor ácido, contundente , seco , cortante.

Humor é algo muito cultural. Normalmente não vemos muita graça nas piadas das culturas alheias, pois dificilmente chegamos ao âmago delas...ou como diria Marlon Brando em Último tango em Paris ...no cu da questão ( aquilo foi um caco dele com certeza RS Não imagino Bertolucci escrevendo esta deliciosa e barata filosofia no roteiro).

Tirando o escrachado humor brasileiro, gosto mesmo apenas do inglês. Ok.Ok.Ok. O americano Two and a half men também é engraçado...porque é cínico e foge àquele esquemão do humor pateta de escorregar na casca de banana. É niilismo sexy na veia.

Volto para Perfect Kiss e penso que talvez a formalidade inglesa possa ser meio sexy...quem os imagina extremamente pudicos e sem sangue nas veias , precisa mergulhar em alguns de seus livros mais célebres.

Maurice de Graham Greene , Heathcliff de Emily Brönte, Mr. Edward de Charlotte Brönte, Jude de Thomas Hardy ou o amante de lady Chatterley, de David H Lawrence  nada deixam a desejar a um bom Latin lover...acho que  são até melhores....porque eles ligam no dia seguinte e costumam ficar obcecados.  Nunca subestime o poder de sedução sufocante de um homem obcecado. Homem obcecado é coisa séria. É coisa para livro famoso ou aqueles romances que te deixam na maior ressaca a vida inteira...ou pelo menos por boa parte dela...

Os ingleses são práticos, didáticos e tem aquele jeito meio blasé , de quem está cagando para a opinião alheia.

Gosto das bandas inglesas , da sua toada. Elas tem uma melancolia gostosa. Uma melancolia que me deixa alegre. Não sou do tipo que fica feliz recebendo cartões floridos e luminosos com estrelinhas piscando ou ouvindo conselhos de autoajuda que a minha vida vai brilhar ali na frente porque sou uma boa pessoa e eu mereço.

Ela chegou a brilhar algumas vezes , mas depois se apagou novamente...a última vez que vi o nascer do sol e acreditei ingenuamente no futuro foi no dia 24 de dezembro...e quem pensa que teve relação com o natal, se engana redondamente...às vezes sinto pena de mim. Às vezes , acho graça e rio de mim mesma. Existe certo charme em ser patética.

Prefiro quem assume , olhando nos meus olhos e sorrindo sedutoramente , que tudo é uma merda, mas que se foda...


 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 













segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Perfect Kiss

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Termino a minha a noite...ou seria mais adequado dizer, começo o meu dia ouvindo Perfect Kiss nas vozes deliciosamente desafinadas dos New Order...mais uma vez o gosto de infância volta à minha boca. 

Tinha dez anos quando conheci esta música e ela trouxe à mim uma espécie de van premier do que estaria por vir....sim, Perfect Kiss sempre mexeu comigo. No melhor ou no pior sentido...depende do ponto de vista...

Escuto Perfect kiss depois de ter me embriagado com os posts do Existencialismo Virtual.  Acendi meu cigarro imaginário e me deixei levar pelas loucas e vastas estradas do pensamento livre, politicamente incorreto, sem nenhuma pretensão de parecer bonitinho ou dentro da modinha do tudo de bom.

Às vezes queria ter nascido burra e fútil. Tudo seria mil vezes mais simples...volto a ouvir Perfect Kiss mais uma vez...sou meio compulsiva...posso ouvi-la centenas de vezes até recriar beijos imaginários em minha boca , misturados à fumaça simbólica de meu cigarro fictício. 






Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 












Nossos lutos

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

 A morte do compositor e cantor David Bowie  me fez pensar em outra morte: a da cantora Whitney Houston. Você pode estar se perguntando: o que tem a ver o cu com as calças?  Deixa que eu explico.

David Bowie foi um símbolo forte na minha infância nos anos 1980. Sempre lembro dele no filme "Labirinto". E Whitney Houston, esta eu a conheci em 1987 , quando tinha 8 ou 9 anos...não sei se foi antes ou depois de junho ...a primeira música que ouvi se chama Didn't we almost have it all? Tocava na trilha internacional da novela Mandala. Para quem não sabe , esta novela se baseava na tragédia Édipo rei. E graças ao governo Sarney , a novela virou uma tragédia mesmo.

Mas voltando à Whitney Houston e às suas músicas , elas me acompanharam por toda a minha infância , adolescência , juventude e começo da minha maturidade. Ela morreu quando eu tinha 33, quase 34 anos. Nunca fui muito tiete de ninguém.

Mas naquele dia , quando soube da sua morte , chorei muito. Muito mesmo. Mas não chorei só por ela não. Chorei por mim também. É como se minha companheira de solidão e amores frustrados estivesse me deixando sozinha , sem ninguém para segurar a minha mão e alegrar um pouquinho o meu coração.

É como se um pouco da minha própria vida estivesse indo com ela...parece papo de louco, né? Mas foi assim que me senti enquanto soluçava copiosamente por todas as tristezas da vida reunidas simbolicamente para mim naquele único luto.

Em 1987 e 1988 , quase enlouqueci meu pai e meu irmão ouvindo Didn't we almost have it all? sem fones de ouvido. Naquele tempo era disco de vinil e eu a ouvia dezenas de vezes por dia , sonhando com o momento em que eu encontraria o amor.


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.