domingo, 20 de dezembro de 2015

O que desaprendi com a terapia


Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Há cerca de 8 meses, cheguei a um consultório psiquiátrico, dopada de Frontal, lágrimas embaçando a vista e ideias engessadas embaçando a alma. Embaçando a mulher que sou.

Nunca entrei em um consultório tão a mercê e suplicante dos cuidados de um médico.

Só pensava em morrer pois viver havia se tornado intolerável. Posso dizer hoje sem nenhum tipo de receio que nunca fui feliz. De verdade, pra valer , nunca. Ao olhar para trás, tudo me parece meio cinzento e esgarçado.

Depois de mais ou menos 8 meses de terapia, a felicidade já não me parece assunto tão importante.  Com um sorriso de canto de boca, assimétrico e pouco confiável, passei a entender que a felicidade como eu concebia é tão realista quanto papai Noel e coelhinho da Páscoa. Ou os ridículos filmes hollywoodianos que falam de felicidade como se esta coubesse numa caixinha cor-de-rosa, que vem de brinde em uma Mc oferta qualquer.

Não, não creio mais em felicidade. Não creio mais em futuro. Não creio em par perfeito, alma gêmea. Não acredito mais nas instituições. Não acredito mais em monogamia afetiva. Sim, posso ser fiel a vida toda por uma questão ética. Não por vontade. Não por desejo. A monogamia por tempo indeterminado não é orgânica.

Era uma grande defensora do casamento e apesar de respeitar muito quem opta por ele ( valorizo muito a alteridade). Para quem não sabe, alteridade é saber se colocar no lugar do outro. É respeitar o jeito de ser e viver das pessoas independente do nosso gosto pessoal.

É respeitar as variadas crenças, orientações sexuais e estilos de vida. É olhar para as pessoas e ver seres humanos e não rótulos: o crente, o ateu, o gay, o tatuado, o intelectual etc...cada ser humano é um universo único e complexo por mais rasa que a pessoa seja. Como disse a filósofa Márcia Tiburi no Café Filosófico O mito do sexo: não é possível definir um número fechado de orientações sexuais pois cada indivíduo vive e expressa a sua sexualidade de forma única.

Mas voltando ao meu olhar atual sobre o casamento, concordo com o professor e historiador Leandro Karnal. Para mim, hoje, vejo o casamento como a mortalha do sexo. Vou além. Eu o vejo como a mortalha de qualquer gesto espontâneo, belo e vital. Até namoros certinhos demais começaram a me dar coceira.  Fidelidade sexual sim. Mas esta coisa de andar de mão dada em shopping center sábado à tarde é muito brega. Me parece mais uma encenação do amor do que o amor propriamente dito. Me parece mais uma justificativa para a sociedade. Uma maneira imbecil de gritar: "Olhe sociedade! Olhe! Estou namorando e estou feliz! Chupem esta manga! Chupem alguma coisa já que não estou chupando nada!"

Maledicências à parte, acho que quem vive namoro ostentação é o que menos está em namoro, que significa estar em amor.

O amor com a minúsculo, menor e vital,  não acontece nas praças de alimentação super lotadas , nem nos beijos dados em locais públicos. Não está nas melosas palavras de afeto nem nos almoços familiares de domingo quando o namorado não sabe o que dizer para agradar os pais da namorada e a namorada finge ser uma boa moça no sentido chato da palavra para não escandalizar os pais do namorado.

O amor com a minúsculo anda por aí, pelos becos e inferninhos da cidade, meio embriagado e trôpego. Trocando as pernas de vez em quando, tropeçando nos próprios pés, rindo de suas próprias ideias.

O amor com a minúsculo  se encontra na surdina, em hotéis baratos ao som do bolero mais trágico. O amor com a minúsculo divide o cigarro, o vinho ordinário, as mais loucas obsessões. O amor com a minúsculo é underground.

O amor com a minúsculo não comemora dia dos namorados nem troca aliança de compromisso. Ele se desenrola no escárnio da vida, à meia luz dos barzinhos boêmios da cidade. Na troca cúmplice do olhar. No reconhecimento dos vícios em comum, do niilismo que come as carnes, na poesia vagabunda sussurrada como a mais suja blasfêmia.

Ok.Ok.Ok. Esta é a minha verdade do momento. Se quiserem me julgar, que julguem. Desaprendi a agradar gente que não faz nada por mim. Desaprendi a rastejar por migalhas de amor. Desaprendi a ser boazinha full time. Tentar agradar o tempo todo é o caminho mais curto para não ser amada.

Me sinto tão pouco amada atualmente  como me senti a minha vida toda, porém, com uma grande diferença: pelo menos hoje eu gosto de mim. E se gostar não é um pequeno detalhe. Hasta la vista, baby!


 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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