sábado, 19 de dezembro de 2015

Não ousem limpar as botas em mim!



Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS



Hoje, tirei o dia para mergulhar na cultura espanhola. Esta cultura que explode em minhas veias e salta em meu rosto. Ok.Ok.Ok. Tenho bem mais sangue italiano do que espanhol e sou bem italianada também. 

Amo macarrão, acho um sacrilégio deixar a pasta cozinhar demais até virar um quase purê, ao cozinhar, coloco molho de tomate e orégano em praticamente tudo, adoro o idioma ( o mais intuitivo em minha opinião), amo os filmes italianos, falo com as mãos, falo alto, falo cantado, adoro um drama e quanto aos homens italianos e descendentes...prefiro não comentar como diria Copélia...

Mas hoje quero falar do lado espanhol. Este lado que custei a reconhecer em mim e talvez por isso mesmo, entre outros motivos, acabou me fascinando tanto.

Desde criança me via como italiana, mas foi apenas por volta dos 20 , um pouco antes, acredito, vendo filmes espanhóis , me reconheci naquelas mulheres explosivas. Naquelas mulheres passionais , extremas, que transformam suas fraquezas em força. 

Aquelas mulheres absurdas, com veias pulsando no pescoço, fogo nos olhos e na alma, alma rasgada, veneno nos lábios, língua afiada, os seios arfando descontrolados.

Hoje revi Amantes de Vicente Aranda e A flor do meu segredo , de Pedro Almodóvar. O primeiro, no início da minha juventude,  me fez cair a ficha da minha hispanidade quando a personagem protagonista se refere à noiva do seu amante como a outra. Para a mulher espanhola,  a rival é sempre a outra, mesmo que seja a titular RS

Este filme foi baseado em fatos reais e eu recomendo àqueles que gostam de hispanidade na veia e romances sem meios termos. Agora, se você está na fase de segurar o pênis com um lencinho para não sujar a mão, não recomendo. No caso dos rapazes, se forem aqueles cheios de "nojinha" recomendo menos ainda.

A flor do meu segredo não está entre meus favoritos do Almodóvar nem entre os que menos gosto. Está no meião. É um filme interessante. Quis vê-lo principalmente porque a protagonista é uma escritora em crise. Não digo que estou em crise, mas estou num momento especial, de profunda auto análise e busca de mim mesma, esta mulher irônica que ficou por aí perdida, sentada num canto qualquer, em uma festa que ela não foi convidada.

Ver filmes espanhóis me reconecta com meu lado mais colérico, mais primitivo, que quer degustar a vida com dentadas, que quer tudo aquilo que neguei em mim mesma para mim mesma. 

Meu lado menos servil, menos hipócrita. Meu lado que não espera, que quer amar com igualdade, que quer dar e receber amor num movimento de mão dupla. Cansei de dar meu coração em troca de alguns feijões mágicos.

Meu lado que não aceita mais ser capacho. Que limpem as botas em outro lugar. Se tentar limpá-las em mim, eu mordo como um cão raivoso.  Se baterem em minha face , não esperem que eu dê o outro lado. Preparem-se para ofensas e cusparadas.

Não temo mais descer ao nível dos meus algozes porque hoje me vejo de forma demasiadamente humana. Sim, sou mulher  feita de barro e coragem. Beije minha mão que eu lhe lanço minha alma despetalada. Morda a minha mão e ganhará meu escárnio e meu escarro.



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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