quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O amor: uma mentira contada mil vezes que " virou" verdade

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Faço parte de uma geração e de um meio social que via a vida de forma muito tradicional. Quando era adolescente, beijar um garoto no cinema era o máximo da ousadia.

Eu beijei pela primeira vez aos vinte anos. Recusei na adolescência ser beijada por rapazes mais velhos e atraentes pois esperava o tal do amor.  O primeiro beijo tinha que ser mágico...e foi. Entre suspiros, gemidos lânguidos e eu amo você sussurrado. 

Não critico a atitude mais reservada da minha geração. Não acho que sair por aí beijando e transando com todo mundo, principalmente quando se é adolescente seja o melhor a se fazer.

Mas, por outro lado, algo na juventude atual me desperta inveja. Me faz sentir vontade de ter nascido uns 15 anos depois.  O adolescente de hoje tem um senso de realidade que eu não tinha. Mais do que isso. Tem uma ironia e um niilismo que eu não tinha. O jovem de hoje tem mais couraças.

Cresci num meio tradicional, católico, classe média alta , em que a vida da gente precisava seguir uma linha reta, mesmo que ninguém falasse isso com todas as letras. A gente tinha que entrar na faculdade depois de terminar a escola, depois arrumar um trabalho tradicional, um marido tradicional,  ter filhos e aparentar prosperidade.  Nunca falar dos problemas. Nunca rir demais. Como afirma o ditado: "Muito riso, pouco siso".

Lá no fundo eu sentia que a vida podia ser mais do que isso...mas como se diz "uma mentira contada mil vezes vira verdade" e eu acabei acreditando na tal da linha reta e perdendo a mim mesma.

Agora aos 37 anos estou namorando a mim mesma, me descobrindo, me desnudando , me permitindo existir num sentido mais amplo, em ziguezague, sem certezas absolutas, vivendo o momento, experimentando este veneno que muitos jovens já conhecem desde a tenra idade. Experimentando este senso de realidade,  esta dureza da vida. Este desencantamento. Este cinismo.

Sim, dói ser cínico por perceber que não existe nenhum pote de ouro no fim do arco-íris. Por perceber que o amor é a mais cruel das ilusões, a mentira mais bem contada que inventaram.  Ela foi contada tantas e tantas vezes que realmente acreditamos nela, negando o inegável: tudo se resume a sexo, mentira e conveniência social. 

O amor para se desenvolver, precisaria estar no vácuo, em condições ideais. A sociedade mata qualquer possibilidade de um sentimento verdadeiro.  A sociedade nos convida ao cinismo bem educado das relações convenientes.

Por outro lado ter este desencantamento é preciso. Este desencantamento me machuca e me fascina em medidas iguais.

E talvez ter nascido em outros tempos não seja uma grande desvantagem. Se eu tivesse sido desencantada desde sempre , não poderia experimentar este gozo que me esfola as intimidades. Não poderia provar esta sensação de descoberta perplexa. Talvez não me sentisse tão viva e tão morta ao mesmo tempo.

 
 
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

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