quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Prazeres indiscretos e nada secretos de uma professora

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Sim, eu gosto de dar aula. Não vejo como uma sina ou carma. Vejo como uma vocação, um destino no bom sentido da palavra.  Destino como a inevitabilidade de dois corpos que se rendem um ao outro pois é exatamente isso que eles querem fazer.

Ser professora não foi meu plano A, embora dar aula fosse uma das minhas brincadeiras favoritas na infância. Queria ser roteirista quando ingressei na faculdade de Cinema. E quando saí dela, continuei querendo. Até hoje , faria um roteiro de bom grado.  Por falta de conexões na área, acabei migrando para a área acadêmica. 

Terminada a faculdade sem emprego, não queria criar bunda na frente da TV. Entrei no mestrado. Me assustei em princípio. Me achava muito "fubá" para fazer um curso daquela categoria.

Mas pouco tempo depois me encontrei na carreira acadêmica e a coisa toda começou a virar uma grande cachaça.  Me diverti pra cacete durante meu mestrado e doutorado. Não tive as crises habituais de quem cursa a vida acadêmica.  Digo e repito: tirando raríssimos momentos chatos, a coisa foi gostosa pra cacete ou como um cacete...fica a critério do leitor.

Um dia, durante o mestrado,  minha mãe me deu para ler uma matéria com certa apreensão. No artigo, falava-se sobre a inevitável angústia de quem faz mestrado e doutorado. E como eu estava muito bem e tranquila, provavelmente devia estar fazendo alguma coisa errada.

Na verdade, tive um grande ponto a meu favor: pude estudar sem trabalhar. Tinha tempo e energia para estudar. Obviamente não vi tal situação como privilegiada. Queria dar aula, ralar o cu nas pedras.  Já estava na metade do doutorado quando arrumei minha primeira oportunidade.  

E desde a minha primeira turma até as atuais, sinto uma emoção imensurável cada vez que entro numa sala nova. É um mundo inteiro se desvendando para mim como as pétalas de uma flor se abrindo. 

Bebo dos olhares desconhecidos e tento me conectar na mesma energia, sentindo a vibração, a aura de cada turma. Por muitas, o amor é à primeira vista. Visceral. Por outras, vem com o tempo. Lento e um pouco complicado. De qualquer forma, em todas as classes existem aqueles alunos que fazem o processo valer muito a pena, meus cálidos portos-seguros.

Quando entrei no mestrado aos 22 anos queria parecer mais velha. Me sentia em desvantagem em relação aos estudantes mais velhos. Como se respeitabilidade tivesse a ver com idade. Hoje, vejo que tinha os elementos essenciais para estar ali, entre colegas mais experientes e instruídos. Eu era uma pedra bruta, pronta para ser lapidada. Curiosa, poética e sem grandes conhecimentos prévios fui moldada ao bel prazer das mãos habilidosas dos meus estupendos professores. Entreguei-me ao conhecimento e ao savoir faire deles de olhos fechados e coração aberto e deixei que fizessem de mim o que quisessem. Foi mágico!

Hoje, quero me sentir mais nova. Mais do que isso. Me sinto mais nova com meus alunos. Se no passado, bebi da fonte dos mestres, hoje bebo da fonte dos pupilos e me torno professora a partir da relação com eles e não porque um contrato me permite desempenhar esta função. Ser professor vai além de títulos, de cargas horárias. 

Ser professor é uma paixão avassaladora e arrebatadora. Não há nada mais lindo do que ver as pessoas fluírem e se expressarem e serem elas mesmas, mostrando tudo que há de mais luminoso, por meio das nossas mãos. 



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

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