sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Eu crucificaria o verão

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

O dia amanheceu fresco e nublado e sinto meu humor mais ameno. Achava curioso e bizarro as pessoas falarem que os invernos longos e rigorosos na Europa arrastavam as pessoas para um estado de espírito modorrento e melancólico, fazendo muitos, inclusive, se atirarem no vão do trem ou estourar os miolos.

Hoje acredito fielmente nesta teoria como a mais dogmática das verdades. Odeio o calor. Odeio a ponto de odiar a vida quando os marcadores ultrapassam os trinta graus.

Ontem, deitada na minha cama, depois do almoço, notebook sobre a barriga, assistindo a um filme de terror, não senti nada, além de um profundo tédio. A veneziana fechada do quarto para dar um clima de nada adiantou.

A luz invadia o quarto e todo aquele ritual de aconchego que existe ao se ver um filme de terror num dia frio ( cobertor fofinho e felpudo, ambiente escurinho, uma coisinha gordurosa para comer) foi passear em PQP sem data prevista para voltar.

Fico sem rumo no calor exagerado. Não consigo pensar. Qualquer coisa me irrita. Se fosse obrigada a viver sob um calor constante de 40 graus não teria me tornado uma escritora, uma professora , uma pesquisadora. Teria me tornado qualquer outra coisa que não exigisse mais do que dois neurônios debilitados.

O calor é pegajoso, não combina com vinho e  parmesão. O calor é letárgico, não combina com fondue e romance. Romance nos dois sentidos da palavra. Romance gênero literário e romance romance...u lá lá...

O calor é modorrento, não combina com chocolate quente e Jane Austen nem com as irmãs Brontë. O calor é inóspito, não combina com abraço apertado e um bom papo filosófico depois do amor.

O calor não é romântico nem poético.  Muito menos intelectual. Não se lê Sartre ao redor de uma mesinha de café num dia extremamente abafado. Não se acena com o coração aos pedaços através da janela do metrô, deixando o seu amor em outra estação aos 35 graus. No calor queremos apenas ficar embaixo de qualquer foco de ar condicionado.  Calor é bom para deixar assentos de metro molhados com o suor de nossas bundas, como diria Bernarda Alba e encher a lavadora de roupas malcheirosas, cheias de nódoas de gordura.

Ok.Ok.Ok. Estou sendo grosseira e autoritária. Mas este é o meu cantinho privado e íntimo e ando livremente por ele sem roupas íntimas nem papas na língua. Aqui é o meu lugar confortável no mundo: pequeno, mas meu. Aqui não preciso entender nada ou fingir que entendo para ser gentil e civilizada.  Aqui, eu sou apenas a garota desbocada.


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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