quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A vida é perda

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Quando adoecemos, sentimos a vida receber um pause.  Uma simples sinusite faz cair por terra toda a agenda semanal,  adiando compromissos que nos pareciam inadiáveis.

Diante de qualquer doença, mesmo diante de uma sinusite, a vida se reconfigura e as prioridades são modificadas bruscamente. E é quando percebemos que nada é realmente importante e ao mesmo tempo sentimos que tudo é muito importante. Ouvi estas palavras de um professor muito querido, que fez a mim, um típico ser de Humanas,  gostar de Química. 

Ao sofrer um acidente de carro, sem consequências físicas, meu professor disse que ao ouvir o barulho dos carros passando na estrada enquanto ele esperava ajuda, fez ele perceber o quanto nos preocupamos exageradamente com coisas pequenas. Ele afirmou perceber que nada era tão importante assim. Ao mesmo tempo tudo é importante.

Sim, a vida é breve e caótica. Nada faz muito sentido. Encontrar e perder as pessoas. Amar e sofrer. Seguir o caminho A ou B. Não importa qual porta se feche ou qual porta se abra. Do outro lado encontraremos um emaranhado de venenos e bálsamos. 

Como dizia Oscar Wilde, a vida apresenta duas tragédias: não realizar o que se deseja e realizar o que se deseja. 

No final das contas estamos condenados a perder. A passagem do tempo é a mais viva prova da debilidade de nossa existência. Corpos debilitados continuam com a alma em chamas como qualquer jovem de 18 anos.

E se num primeiro momento a vitória parece o melhor dos acontecimentos, em alguns casos, a impossibilidade pode imortalizar o que mais queremos. 

Sim, caro leitor. A vida é perda.  Mas não se deixe levar pelo excesso de amargura e nostalgia. Apenas algumas gotas por dia enquanto escuta uma música triste e toma sua taça de vinho. 

E quando começar a sentir uma pontada de despeito, reaja ao estilo "A raposa e as uvas". Diga a si mesmo que esta coisa de ser feliz é meio brega e meio fake. 

Diga a si mesmo que esta coisa de ser feliz cheira a prato feito em refeitório de empresa acompanhado por um daqueles suquinhos artificiais doces demais. 

Diga a si mesmo que esta coisa de ser feliz soa a selfie enfadonha e à gente que não sabe apreciar um bom Chopin ou Mozart. 

Diga a si mesmo que esta coisa de ser feliz é típica de gente que nunca viu um filme de arte e se acha crítico literário sem ter lido um livro na vida além daqueles que ensinam a alcançar o sucesso dormindo ou peidando. 

Diga a si mesmo que tem certo glamour em perder e sofrer. E tome mais um gole do seu vinho tinto, convicto de que a não felicidade tem os seus gozos. 



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

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