domingo, 6 de março de 2016

Descalça e nua

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Comecei meu dia ouvindo canções francesas famosas..."Que rest t-il de nos amours" e "Hier encore J'avais 20 ans". A segunda,  na nostálgica voz de Charles Aznavour.


E enquanto me deixo levar pela beleza melancólica destas canções, penso numa frase que li na internet: " Vi os sonhos se prostituindo na zona de conforto" ( Zack Magiezi).


Sim, sonhos adoram se prostituir na zona de conforto. Sonhos adoram fazer sexo com indigentes e depois deitarem exaustos num canto qualquer, sem carinho, sem coberta, como diria a música "Atrás da porta" , de Chico Buarque.


Sim, sonhos adoram se embriagar com estranhos para se esquecerem de onde vieram, para não precisarem nunca mais voltar. Para não precisarem mais se confrontar com seus medos.


Sim, sonhos são para aqueles que sabem sonhar. São para aqueles que não os temem...são para aqueles que não temem despetalar o coração mil vezes.


Sim, sonhos são para aqueles que tem asas na alma e sabem voar desde sempre, antes deles mesmos.  Antes da invenção do mundo. Antes da invenção do amor.


Sim, sonhos são para aqueles que já nasceram embriagados de poesia e afeto. Para aqueles que trazem um verso tatuado na alma e andam descalços no mundo, ironizados, humilhados.


Sempre me lembro do romance "Floradas na serra" da escritora Dinah Silveira de Queiroz. Me lembro mais apaixonadamente da personagem de Lucília. Ao presenciar Elza jogando a felicidade fora por medo, Lucília, com uma costela a menos e abandonada pelo homem amado, diz à Elza, que mesmo sendo ela , Lucília, uma infeliz,  sente pena de Elza pois não há nada mais triste do que abrir mão espontaneamente da própria felicidade.


Obviamente, as palavras não são exatamente essas...li este livro há milênios. Mas o essencial ficou impregnado na minha alma, como tudo aquilo que realmente importa.


Sim, concordo com Lucília. Não há nada mais triste do que ser infeliz por opção. Deste mal não morro. Como Lucília, ando meio desesperada e louca pelo mundo.  Sou daquele tipo de gente que os adeptos do status quo crucificariam de bom grado, depois de severos e ácidos julgamentos. Claro que entre o julgamento e a crucificação, passariam as mãos em mim. É assim que funciona o status quo. 


Mas trago a alma limpa. Nunca joguei o que considerava minha felicidade fora com as próprias mãos. Nunca deixei meus sonhos se prostituirem pelos becos do politicamente correto e do socialmente estabelecido.


E sigo pelo mundo, descalça e nua,  tecendo poesia com as minhas lágrimas invisíveis.



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 





4 comentários:

  1. Belo e verdadeiro! Se puder dá uma olhada no blog: memoriadaspedras.blogspot.com
    Vai um poema meu pra vc:
    Eu, andarilho das estrelas
    Navego
    Entre as pedras oníricas
    Lembrando-me
    De vidas ancestrais...

    Grande abraço!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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