terça-feira, 1 de março de 2016

Sobre o medo e a coragem

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Quando estudava teatro, uma colega disse algo que não compreendi muito bem na época. Ela disse que não acreditava na divisão entre bem e mal , mas sim na divisão entre coragem e medo.

Sim, para a minha colega as pessoas praticavam o mal por medo. E o que consideramos o bem eram manifestações de coragem.

Anos mais tarde , degusto este pensamento como quem mastiga lentamente um bombom recheado de licor de cerejas. Deixo-o impregnar a minha alma. Resisto a engoli-lo completamente antes de captar cada nuance.

Creio no bem e no mal sim. Embolados dentro da alma. Mas faz todo o sentido esta história do medo.

Pessoas extremamente maldosas, que machucam os outros gratuitamente são pessoas apavoradas. São pessoas dominadas pelo medo.

Onde falta espontaneidade, coloca-se máscaras sociais. Onde falta  destemor , coloca-se couraças. Onde falta capacidade de amar, coloca-se a necessidade de ter poder e dominar. Onde falta capacidade de perdoar, coloca-se a necessidade de se vingar.

Sim, talvez minha colega estivesse certa. Talvez todo "mau" seja um medroso que destrói aquilo que não pode sentir, entender , ter e ser.


Talvez por isso pessoas doces e afetuosas sejam as  vítimas escolhidas por aqueles menos capazes de sentir amor. Talvez por isso, as pessoas mais intensas , inteiras e verdadeiras sejam as vítimas escolhidas por aqueles mais quebrados. Talvez por isso as pessoas mais luminosas sejam as escolhidas por aqueles mais sombrios e opacos.

O grande gozo do medroso "mau" consiste em destruir toda forma de beleza e bondade. Qual seria a graça de corromper o que já está corrompido?

Pode soar muito cruel e pesado, mas infelizmente , algumas pessoas se comprazem sim tornando pessoas doces , amargas. Pessoas intensas, sem vitalidade. Pessoas luminosas, apagadas.

Todo gesto de bondade e coragem é um lembrete amargo de que todos nós podemos ter uma vida muito mais plena do que aquela que temos. E o medroso não quer aceitar o convite do amor, da coragem, da felicidade...é mais simples destruir quem o aceita do que criar coragem para aceitá-lo.


Sim, talvez minha colega estivesse certa. Talvez todo manipulador, sádico, perverso seja um grande medroso que não consegue viver com coragem. Isto é, que não consegue viver com o coração. 



 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 













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