terça-feira, 15 de setembro de 2015

Que Deus me livre dos normalpatas

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS



Ok. Você deve estar pensando que eu estou brincando ou falando alguma maluquice. Normalpata? What? Sim, normalpata foi uma expressão usada pelo psicanalista Christian Dunker para se referir às pessoas completamente adequadas à vida social.



Normalmente pouco imaginativas e com vidas mais previsíveis, sem desencontros, estas pessoas podem padecer de um mal muito complicado: uma vida chata.



Normalpatas não questionam ordens abusivas, acham que o mundo é como é e não há nada a se fazer, respeitam cegamente hierarquias, adotam numa boa os valores da moda, fazem suas escolhas baseados na opinião alheia, supervalorizam o que pega bem socialmente , usam máscaras para se defenderem e se enquadrarem na sociedade, vivem como lhes disseram que a vida deve ser vivida, passam pelo mundo sem tocar e serem tocados. Que Deus me livre dos normalpatas pois eles sabem como ninguém deixar alguém doente.



Não quero dizer que é preciso ser um bipolar , um esquizofrênico ou depressivo para ter uma vida significativa e expressiva.  Mas adequação social em excesso, conformismo em excesso, subserviência aos sistema em excesso e nada de drama , de sentimentos à flor da pele, de perda e desencontro empobrecem a vida íntima do sujeito que passa a transitar pelo mundo de forma robótica , sem passos inusitados e sem brilho nos olhos. Não há nada mais triste que alguém sem brilho e uma pitada de amargura nos olhos. Que Deus me livre dos normalpatas com seus afetos frios e sorrisos desdenhosos.



Muitos se chocam e até mesmo se escandalizam quando sabem que um amigo ou colega toma antidepressivos ou qualquer outra medicação psiquiátrica.  Mas poucos se chocam com a frieza e falta de sensibilidade em que muitos estão imersos. Poucos percebem que o mundo e a vida social são lugares bem loucos, cheio de pessoas engessadas em uniformes da moda e máscaras sociais, negando o que mais desejam e pegando para si o que mais detestam em nome do status, do lucro, de uma pseudo aceitação. Que Deus me livre dos normalpatas que tudo entendem sobre protocolos, mas nada sobre o amor.
 
Eu fico com a autenticidade e o cinismo sadio dos loucos, o cinismo poético dos que amam ou amaram demais, dos que aprenderam à custa de muita porrada na cara que a vida é dura, implacável e linda de uma maneira bizarra e grotesca. Que Deus me livre dos normalpatas que preferem moda e etiqueta social  à arte e à filosofia.
 
Eu fico com aqueles que não temem ser o que são, que não temem assumir seus vícios, suas dores, seus gostos, seus gozos. Eu fico com aqueles que me olham nos olhos sem medo de admitir que estão apavorados ou consumidos por qualquer emoção.  Eu fico com aqueles que se admitem sós mesmo no meio de uma multidão ou logo após "fazer amor"com o corpo nu e alma vaga sobre a cama profanada. Eu fico com as chagas, com as feridas abertas, com os cuspes na cara. Que Deus me livre dos normalpatas.
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, filmes bizarros e pessoas profundas.

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