terça-feira, 10 de maio de 2016

Sim, a vida é um filme!

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Sim, a vida é um filme! Ou poderia ser...ou é quase tão idêntica a um filme, simulacro praticamente perfeito, que nem faz muita diferença assistir à vida por uma tela ou viver uma ficção pelos becos da cidade.
 
Quando saio correndo pelas ruas, de mãos dadas, sinto-me Eva Green em "Os sonhadores", imitando Julie de Truffaut.
 
Quando me despeço entre beijos rápidos e quentes na estação do metrô, sinto-me a mulher de "Um homem, uma mulher" ou qualquer moça da Nouvelle-Vague.
 
Quando discuto a relação entre os lençóis...ou sem eles...penso em "Acossado". Penso mais uma vez na Nouvelle-Vague quando racionalizo o amor, sendo que na verdade quero atirar coisas contra a parede como Marina de "Atame!"
 
Quando a noite promete, sinto-me qualquer personagem insana de Almodóvar e quando contradigo meu senso de liberdade com uma roupa elegante e um jeito blasé, pertenço totalmente ao universo de Buñuel.
 
Quando me canso de ser bem comportada, poderia muito bem ser Isabella Rosselini em "Um toque de infidelidade" correndo até o lado oposto do trem e das convenções. Quando não quero entender os limites razoáveis do desejo, sou Isabella Rosselini novamente...só que em Veludo azul.
 
Quando o amor ao cinema em si fala mais alto, vejo a sequência de beijos de "Cinema Paradiso".  Quando o amor ganha nuances muito pasteurizadas, penso em qualquer comédia romântica com certo constrangimento e uma incômoda alegria.
 
Quando digo que não tenho sorte no amor, com ares dramáticos e levemente envelhecidos, reverto-me em Loreta de "O feitiço da lua".
 
Quando me entrego à vida cheia de displicência , posso ser qualquer diva.
 
Às vezes , a vida não faz o menor sentido e mergulhamos na mais profunda reflexão e ostracismo como num filme de Bergman ou de Tartovski.
 
Falando em Bergman, quando quero gritar , mas não tenho voz ou não tenho saco para me fazer ouvir por aqueles que não querem me ouvir ou até querem, mas temem, me fundo ao vermelho estridente de "Gritos e sussurros" ou ao nojo de "O silêncio".
 
Quando a vida de repente floresce dos escombros cinzas, sinto-me saltitar como a desafortunada Cabíria de Fellini.
 
 
Sim, a vida é um filme! Basta um pouco de abstração para flertar com os enquadramentos, com os movimentos de câmera, com a trilha sonora que insiste em tocar , dando alguma dignidade à coreografia da vida.
 
 



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 






 












Um comentário:

  1. Quem nunca flertou com um momento igual? Eu simplesmente adoro misturar meus momentos com filmes do Woody Allen. E quando colocamos uma trilha sonora nos momentos vividos é prazeroso.

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