sexta-feira, 27 de maio de 2016

É preciso incomodar-versão sem cortes

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Adoro traduzir para o linguajar da Garota desbocada alguns artigos que escrevo para a Obvious. Estilo filme de terror ou pornô sem cortes, versão do diretor...ulalá RS  No caso, da diretora.
 
Mas não nego que sinto certo prazer em traduzir o que penso em palavras bonitinhas, botar fitinhas cor-de-rosa em cabeleiras rebeldes, fazer um make em caretas, jogar um pouco de groselha para colorir e adoçar a baba ácida.
 
Escrevi um texto intitulado "É preciso incomodar". Não que o texto seja propriamente meiguinho. Dou boas bofetadas. Mas, aqui posso dizer com todas as letras o que realmente me passa pela cabeça e o que eu rumino enquanto seleciono palavras bem comportadas, de pernas cruzadas, sem fios puxados na meia calça.
 
Aqui me sento confortavelmente. Calças largas , macias, dançando um pouco na cintura. Botinas. Um sorriso matreiro.
 
Sim, é preciso incomodar. É preciso dar um basta para quem só enche o saco. Para quem se aproxima simplesmente para tomar, pegar , sugar , usurpar. É preciso saber e dizer não para quem só nos enxerga quando é para nos atropelar.
 
Sim, é preciso incomodar e incomodar-se com situações ambíguas, mal resolvidas, com palavras engasgadas no meio da garganta com gosto de vinho azedo ou cerveja quente.
 
Sim, é preciso incomodar a modorra do cotidiano. A mesmice dos dias. É preciso dar uma bagunçada nos scripts, criar falas novas, uns bons cacos, fazer algum gesto de improviso.
 
É preciso incomodar-se quando não incomodamos mais ninguém...nem a nós mesmos. É preciso incomodar os hábitos que não nos fazem mais felizes. Deixá-los de cabelo em pé.
 
É preciso levantar o dedo do meio para problemas menores que tentam se tornar vedetes no nosso dia a dia. Sim, é preciso levantar-se da cadeira e deixá-los rebolando sozinhos sob a vulgar luz de seus teatros baratos.
 
É preciso incomodar-se quando mais nada nos incomodar. Aí, é preciso nos pegar de jeito, nos sacudir pelos ombros, chacoalhar o corpo inteiro, dar uns tapinhas nas bochechas para acordarmos para qualquer coisa. Para acordarmos para nós mesmos.
 
Sim, é preciso incomodar-se com a vida que vai escorregando por entre os dedos...é preciso esconder o rosto entre os braços e chorar e chorar... até recuperar as forças e incomodar-se...incomodar-se muito, a ponto de afiar as garras para lutar.
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

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