domingo, 22 de maio de 2016

Sobre confidências e imprudências

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 

 
 

Vendo um post no Facebook, senti vontade de escrever este texto no final do final de semana. Um bom horário para escrever contra a rotina , pois final de domingo evoca cheiro de mesmice. Obrigação. Longa jornada pela frente.

No post , a personagem feminina dizia à masculina que não queria viver como uma formiga , com o piloto automático sempre ligado. Ela não queria se restringir à responder perguntas como "Débito ou crédito".
 
 Ela queria olhar e ser olhada pelo personagem masculino. Enfim, ela queria quebrar o automatismo, as perguntas burocráticas,  os "sinto muito" ou  os "desculpe" protocolares que falamos quando esbarramos com um estranho na rua.
 
Não há nada mais difícil do que tirar a vida do piloto automático. Ao mesmo tempo, não há nada mais lindo. 
 
Me lembro de uma vez que saí correndo pela rua segurando na mão de uma aluna. Ela é completamente anti atlética como eu, o que tornou o gesto mais engraçado.
 
Tinha passado muito tempo triste e de repente aquele gesto explodiu naturalmente , como uma flor do mato, como uma força da natureza. Saímos correndo e rindo. Ela extremamente jovem e cheia de vida . Eu com meu vestido estampado e botas surradas. Cheia de vida também.
 
O cineasta inglês David Lean disse que um grande filme era um filme normal com duas ou três grandes cenas. Acho que a vida também é assim. Algo normal com alguns momentos espetaculares e outros pavorosos.
 
Quem consegue quebrar mais vezes o piloto automático e dizer algo inusitado, tomar uma cerveja fora de hora ,  abrir o coração mesmo contra as probabilidades do bom senso tem chances maiores de viver os tais momentos espetaculares ou pavorosos. Tem mais chance de viver uma vida que extrapola as barreiras do normal, do banal, do mais ou menos, do nem ruim nem bom, do não cheira nem fede , da média 5.
 
Como diria Sartre , na vida precisamos escolher entre o ruim e o pior. Sim, eu fico com o infortúnio daqueles que ousam interceptar estranhos na rua , vomitar sentimentos de amor, quase desfalecer por ele. Eu fico com minhas botas surradas e meu riso solto enquanto agarro a mão de alguém que eu queira bem. Eu fico com o calor das confidências imprudentes de quem me olha nos olha sem medo de mostrar quem é. Eu fico com o sussurro rouco de quem como eu prefere sofrer a não viver.
 
 
 
 
 
 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 













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