Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
Hoje, uma pessoa muito especial, enviou-me pelo WhatsApp uma frase interessante: sobre um homem que comparava a mulher amada aos filmes do Tarantino. Ele não entendia bem o enredo, mas ficava vidrado com a intensidade, pois ela era violentamente encantadora.
Ao ler esta frase com o meu sorriso assimétrico pouco confiável, pensei no punhado de arroz branco e frio que comi ontem à noite antes de dormir.
Sim, o arroz que mata a minha fome quando chego em casa tarde , nas noites de sexta-feira, significa muito mais para mim do que um mero alimento.
Ele é praticamente o meu cúmplice. Coloco-o na boca , cheia de apetite e saudade dos momentos anteriores. Ele me faz companhia e me aconchega quando estou novamente sozinha, perdida em pensamentos.
Não o esquento. Faz parte do ritual profano comê-lo frio, disposto num pratinho de sobremesa. O arroz aquecido sobre um prato grande seria formal demais...arroz frio, comido em pé, a meio caminho da ansiedade e da euforia tem gosto de improviso, tem gosto de imprevisto. Tem gosto de vida que se desenrola naturalmente.
Nada de castelos projetados no futuro. Nada de escombros do passado. Apenas o seu olhar cúmplice. Às vezes , meio atrevido. Outras vezes, meio acanhado. Apenas o seu sorriso que receia se expandir. Vejo pouco dos seus dentes quando sorri, diferentemente do meu que se entrega despudoradamente.
Apenas a cerveja compartilhada nas noites quentes. E nas frias também. Apenas o frisson do encontro da sua pele na minha alma de poeta. Apenas o frisson do encontro do seu coração filosófico e inquieto com o meus olhos que te cozinham em fogo lento.
Não existe ontem. Não existe amanhã. Apenas uma sequência de hojes.
Não, não é preciso aquecer o arroz. Não, não é preciso por a mesa. É preciso saborear os momentos como eles são. No meio da cozinha, numa mesa de bar na calçada, num canto qualquer da plataforma do metrô. É preciso viver entre um trem e outro até onde o acaso nos levar.
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.
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