sábado, 16 de julho de 2016

Sobre a fatalidade do amor

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Só pode dizer categoricamente que ama , com olhar fixo, imperturbável, postura ereta e voz firme aquele que já provou do veneno do ser amado.
 
Só pode dizer categoricamente que ama, sem gaguejar , sem pestanejar , sem buscar palavras ,  sem pensar em mas nem poréns , aquele que já vislumbrou o lado obscuro do ser amado, aquele que descortinou as feridas abertas e as fraturas expostas do ser amado.
 
Não existe neste mundo cinza e sem gosto gente que valha realmente a pena conhecer que não tenha pelo menos uma fratura exposta saindo da alma e algumas boas feridas purulentas, ultra sensíveis a um mero olhar.
 
Sim, teu olhar me fere. Me fere de morte , mesmo quando vem transbordante de bondade. Mesmo quando vem com gosto de mel, brigadeiro de colher , bananada caseira com canela. Mesmo quando vem com gosto de eu te amo, te pertenço, não me deixe ou eu morro. Mesmo quando vem com gosto de súplica , de amor eterno, de paixão escrava , escravizante , ternamente brutal ou brutalmente terna.
 
Sim, teu olhar me salva. Me salva de mim mesma: criatura essencialmente solitária , meio louca , despudorada.  Exibo minha nudez cheia de perversa castidade. Ofereço meu corpo a você como quem entrega as mãos cheias de água para um andarilho no deserto.
 
Mato tua sede de desespero no meu corpo insano que ensandece cada vez mais a cada gesto.  Sou teu pedaço amputado. Tua prece, tua blasfêmia. Teu Jardim do Éden, teu inferno. Te levo pelas mãos por caminhos desenhados no seu coração. Transformo em carne e sangue e suor e riso aquilo que para você era apenas delírio, ilusão, febril imaginação.
 
Declamo poesia e filosofia mal digerida durante um banho quente a te olhar matreiramente nos olhos embriagados. Sabemos que não sabemos. Eis a grande graça da existência.  Saber não sabendo. Não existem caminhos fáceis. Sabemos disso. Não existem caminhos fáceis e saber disso simplifica tudo.  Derrama teu vinho em mim e pela primeira vez me pertenço totalmente ao ser tragada por você com a volúpia displicente de quem fuma um cigarro.
 
 
 
 
 





 


 










 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 







 








 

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