terça-feira, 5 de julho de 2016

Mulher poesia

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
 
 
Sou escritora. Sempre fui. Acho que sou escritora antes de ser eu mesma. Talvez não haja de fato um eu mesma fora dos limites da minha pena.

 
Talvez não haja um eu mesma fora dos limites trêmulos e vigorosamente hesitantes e vagos das palavras.
 
 
Talvez as palavras sejam a minha matéria-prima. Talvez as palavras estejam para mim como a celulose para o papel, a gordura para o sabão.
 
Talvez as palavras estejam comigo como o vento e a tempestade. Talvez as palavras me antecedam e me anunciem como o vento antecede e anuncia a tempestade.
 
Talvez as palavras me antecedam e me anunciem como o cheiro adocicado do mar em ressaca.
 
Talvez as palavras me antecedam e me anunciem como o primeiro enrubescer de face diante da descoberta do amor.
 
Talvez as palavras sejam para mim como um sorriso de amor, prenúncio de toda a desgraçada alegria com seus infinitos abismos.
 
Talvez as palavras sejam os precipícios de onde despenco todos os dias com o destemor típico dos ingênuos.  Os precipícios da alma por onde vagam aqueles que só sabem sonhar. Aqueles que são mais ar do que terra, mais pensamento do que carne e osso, mais poesia do que sangue, mais lembrança do que existência.
 
Talvez eu seja o verso derradeiro de uma poesia qualquer. Um verso negligenciado num livro antigo, enlaçado pela poeira e pelo tempo e pelo esquecimento.
 
Talvez eu seja uma simples e tímida rima à procura de olhos famintos que me declamem com rubor na face, com o mesmo rubor dos amantes que se deliciam diante de todos os abismos que os cercam, diante de todas as marés furiosas que banham suas almas.
 
Talvez um dia me desconstrua em letras...letras que nada significam, que em nada tocam a pele , que nada podem fazer , que nada podem tremer , enrubescer. Que nada podem transbordar. Talvez as palavras sejam o meu pó.
 
 

 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 



 

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