segunda-feira, 4 de julho de 2016

A vida e a morte num orgasmo fumegante

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Descobri que talvez os vinhos que aprecio não sejam assim tão baratos. Mas não chegam a ser caros. São assim como eu, habitantes de uma terra , de uma zona intermediária entre tudo aquilo que existe de mais gritante e devasso e tudo aquilo que existe de mais pudico e suave.
 
Mas em outros momentos, penso que sou mais suave quando sou devassa e não pudica. Existe uma aspereza essencial em todo caráter profundamente pudico. Existe uma aspereza essencial  em todo caráter profundamente devasso.
 
Te olho com olhos febris enquanto encolho meu corpo, defendendo-o da maledicência de teu olhar. Olho-te inocentemente , lábios levemente entreabertos enquanto te ofereço meu corpo nu sem ressalvas.
 
A morte deve ter a quentura de um banho de ofurô. Fecho os olhos. Comprimo os lábios e contorço o rosto numa careta ridícula. A morte deve ter o gosto de um gemido diluído na água quente, no movimento obsessivo dos pés empurrando as bordas da banheira. Empurramos exatamente o quê? Sorrio com os ares tolos dos supostamente felizes. Sorrio pois não consigo fazer nada além de sorrir.
 
Sim, sou como este vinho intermediário. Nem barato nem caro. Nem elegante nem vulgar. Nem virtuosa nem perdida. Nem perplexa nem totalmente convicta das profanações da vida. E continuo a sorrir entre o preto e o branco, fundindo-me em todas as nuances da vida, sem saber para onde rolar o corpo nu e trêmulo de ardor.
 
 



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


 

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