quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Uma taça de melancolia num dia de chuva

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Sorvo a minha dose de solidão por meio do vinho branco gelado. Levo aos lábios um pouco das lembranças que estilhaçam meu coração. Não recuo. Continuo a beber daquilo que me faz mais triste.

Quase entorto a boca sensualmente para sorrir. Mas não é um riso de gozo ou volúpia. É o riso daqueles que se sabem desgraçados, perdidos, vencidos. É o riso daqueles que perderam a partida antes mesmo de iniciá-la. 


Sinto certo prazer mórbido nisso. Olho pela janela e vejo a chuva cair. Minha alma se cobre um com um véu cinza. Não me importo. Quase entorto a boca de novo. Talvez , para afugentar o tédio. Talvez, para trazê-lo de novo ao meu corpo, aninhá-lo junto ao meu peito. 


A melancolia é um vício.  Não sei se poderei viver sem ela. Não sei se poderei viver com ela. Relação de amor e ódio. E entre afagos e cusparadas, sigo bebendo as minhas lembranças, sigo vivendo a minha vida de poeta. Sempre com um brilho estranho nos olhos e a alma meio rasgada , suja de lama e exalando alguma fragrância exótica. No meio do barro, posso sentir o aroma das damas da noite...

E por meio do calor das suas mãos , tudo se despedaça. Transforma poesia macabra em versos livres e desmancha uma carranca em argila pura , simples. Faz o que quiser de mim, mas no dia seguinte , volto a beber do meu vinho. 




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Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 




sábado, 27 de agosto de 2016

A vida é poesia macabra de versos pervertidos

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 

 
 Ás vezes, a gente se cansa. Se cansa mesmo. Se cansa pra valer. Se cansa até sentir a alma desfalecer, desmaiar pelos becos da cidade , sem se importar com as consequências. Sem se importar com tudo aquilo que já passou ou com aquilo que está por vir.
 
Às vezes , ficamos tão cansados que nem imaginamos que seja capaz chegar algo novo. E ficar estirado no chão, no abandono, parece o mais natural, o mais confortável.
 
Às vezes, a gente sai por aí, pulando e rindo e dançando com a alma e fazendo piadas bobas e tecendo a vida com fios dourados , jogando tintas de cores variadas nas telas em branco que são os rostos dos desconhecidos que passam por nós.
 
Às vezes, a gente canta uma canção qualquer e tira alguém para dançar. Ás vezes, a gente dedilha num piano imaginário e esculpe a vida com as próprias mãos enquanto segura um pincel na boca.
 
Às vezes, é tudo prosa e poesia. Ás vezes, é tudo melodia. Ás vezes, tudo explode em cores e gostos e a plateia fica em pé para aplaudir cada um dos nossos gestos.
 
Ás vezes, a gente derruba a taça com vinho tinto na toalha branca e nem liga. Em outras vezes, choramos as lágrimas mais amargas.
 
Viver é dividir-se entre os às vezes. É saltar do melhor ao pior ou do pior ao melhor num piscar de olhos.
 
Uma manhã estranha pode sequestrar a alegria da noite anterior  e uma noite bizarra pode fazer a tarde feliz perder o sentido. Um simples sorriso seu pode ressignificar tudo e em um olhar eu posso perder tudo que eu pensava saber.
 
Saímos embriagados por nossas falsas verdades pelos labirintos do mundo, tentando recriar alguma poesia por meio da nossa ironia. Por meio da nossa incapacidade de acreditar em felicidade, quase ficamos alegres e rimos e nos olhamos mais uma vez.
 
 

 
 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 
 
 

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Alma nua

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 

Não sei me dar pela metade , migalhas do coração despencando como farelos de um bolo seco , que ficou ali, no canto da mesa da cozinha, desprezado, louco para ser devorado por uma boca qualquer.

Não sei dizer o que não sinto e não sei sentir o que me dizem que devo sentir.

Sim, sou uma garota imprudente e impulsiva.  Sim, sou uma garota desbocada e desamparada , que fala bobagem, que sai por aí dando risadas inoportunas,  mas que lá no fundo quer dançar de peito aberto dentro do coração daqueles que amo.

A vida devia ter gosto de champanhe, cheiro de churrasco e clima de feriado. A vida devia ser doce e macia como um brigadeiro meio mole grudando no céu da boca. Devia ser lânguida como aquela espreguiçada gostosa que damos antes de voltar a dormir. A vida devia ser mais feliz.

Queria viver com aquela eterna sensação de quem acabou de sair de um banho quente: corpo relaxado e alma lavada. Queria que a vida tivesse aquele torpor colorido pelo cheiro de lavanda, cabelos molhados,  pantufas macias em pés cansados.

Não, não sei ser o que não sou. Até poderia fingir. Sou tortuosa o bastante para fingir o que bem entender. Posso ser azedinha como uma torta de limão mesmo sendo feito de mel. Posso ser bem açucarada como uma colherada de doce de leite , embora seja feita de fel.

Não quero ser o que não sou. Não abro mão de mim ou de pelo menos aquilo que imagino que eu seja.

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 
 



 












segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Um beijo quente numa noite fria

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

 Me chame para um vinho fora de hora, para um papo inusitado, para uma piada inoportuna.

Me chame para vagar por aí, sem destino, sem compostura, sem saber para onde vamos ir.

Divida seu cigarro comigo, me olhe nos olhos com um sorriso na alma.

Fale comigo. Apenas isso. Se quiser me analisar um pouquinho, me fazer deitar num divã imaginário, sem problemas. Tirarei meus sapatos para não sujar o estofado novo.

Sim, pode me analisar, me medir , me pesar com o seu olhar enquanto bebo o último gole de vinho, um pouco ruborizada , o olhar distante , a alma colada ao meu corpo.

Pode até mesmo tecer um comentário ou dois...prejulgamentos se afogando num sorriso morno.

Pode até mesmo deixar uma breve repreensão enquanto olha ternamente para mim, enquanto me afoga num sorriso de amor.

Mas não me venha com vereditos. Nem com receitas. Seja feliz em dez passos. Aprenda a ter equilíbrio dormindo.

Não, não quero equilíbrio. Quero ser eu mesma. Meio louca e despudorada. Castamente despudorada. Quero sair com você. Me analise , mas guarde seu julgamento para si. Me beije sem pressa , sem culpa.  

Me beije até perder a razão. Não, não quero razão, não quero tê-la nem vê-la estampada em seus lábios. Quero ser eu mesma. Inocente e extasiada. Lucidamente extasiada.
 
Me beije com um gosto de não sei o quê rompendo a pele das lembranças vãs.  Me beije para me proteger do frio. Para me proteger de mim mesma, do veneno que vagueia pelo meu coração.

 
 

 
 

 



 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 



 








sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Gosto de olhares tortuosos

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Há quem se apaixona por virtudes, linhas retas , caminhos certos , rostos bem comportados ,  simétricos, olhares limpos e vazios.
 
 
Há quem se apaixona por curvas, desvios...e olhares nada vazios. Tortuosos. Torturantes. Que trituram o nosso num simples esbarrar acidental.
 
Há quem se apaixona por almas rasgadas trazidas nos braços dos olhos. Há quem se apaixona pelo lapso, pelo ato falho, pela palavra não dita , pela palavra maldita. Pelo sorriso cheio de amor maldoso.
 
Olhos que brilham, que sorriem, que choram, úmidos , tépidos , embaçados pela fumaça do cigarro, pelo escárnio dolorido de um amor complicado.
 
Há quem se apaixona pelas ideias simplesmente. Há quem vá para a cama todas as noites com elas. Algumas nuas. Algumas loucas. Algumas doces como os versos gentis de uma poesia ingênua.
 
Algumas sensuais , com seus sorrisos de canto de boca. Algumas inebriantes como um bom copo de vinho barato. Algumas intrigantes como a filosofia ardente , tecida no leito dos amantes.
 
A vida é enamoramento. De uma forma ou de outra , pegando caminhos longos ou atalhos, não importa, caímos sem querer ou  com um sorriso nos olhos e uma adaga na alma , nas armadilhas vitais da existência humana.
 
E se para os poetas , tudo é rima e se para os filósofos da vida , tudo é desperdício, que saiamos por aí , sem rumo, expelindo junto com a fumaça do cigarro alguns dos nossos devaneios mais caros. 
 
Que nos enrosquemos neles como os amantes se atracam nas noites frias e insones. Que brindemos ao momento , com as vozes um pouco roucas pelo sereno. E que serenamente , sejamos nós mesmos ou aquilo que imaginamos ser ou aquilo que desejamos ser...que sejamos apenas.
 
 
 

 
 

 


 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 



 








terça-feira, 16 de agosto de 2016

A face mais viva do amor

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Digam o que quiserem. Pensem o que são capazes de elaborar no tumulto de suas mentes tranquilamente vazias. Na beleza pasteurizada de seus corações politicamente corretos.
 
Cada emoção combinando com cada situação. Raiva moderada. Ódio nunca. Amor por tudo e todos. Amor vazio. Carinho fashion. Estou de boa. Não guardo mágoa. Eu sou mais eu.
 
Tenho emoções desordenadas. A beleza e o caos convivem lado a lado, mãos dadas, dedos entrelaçados , olhos nos olhos. Às vezes, um olhar de amor. Ás vezes , um olhar de ódio...o que dá quase no mesmo.
 
O ódio é só a face descabelada do amor. É quando o amor se esquece de fazer a toalete e sai por aí com uma meia de cada cor , cabelos sem pentear , pijamas surrados, sentimentos esgarçados de tanto sentir.  
 
O olhar de ódio é o olhar de amor injetado e cheio de ramelas. O olhar de ódio tem um quê a mais. O olhar de ódio tem as garras de uma paixão furiosa que se perde no olhar de amor.
 
O olhar de ódio é o olhar de amor carregado de irreverência e indignação. É o amor protesto, que sai às ruas loucamente para gritar ao mundo suas verdades insanas, seus direitos que apenas quem ama/odeia acredita ter.
 
O olhar de ódio é o ápice do olhar de amor. É o superlativo, a hipérbole. É o amor desprovido de ternura , de carinho. É o amor em seu estado mais bruto e brutal. É o amor sem subterfúgios.  
 
Não diga que me ama se nunca me odiou, pelo menos um pouquinho. Uma colherinha de chá de fel na xícara do café.
 
Não diga que me ama se nunca colou teus lábios aos meus cheio de horror, cheio de garras e gana de despedaçar meu coração ao meio e depois comê-lo, para nunca mais me perder, para nunca mais me ver sumindo na multidão, com um sorriso frio nos lábios e um ardor incompreensível na alma.
 





Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 



 










segunda-feira, 8 de agosto de 2016

A natureza como o maior destino

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS



Somos o que somos. Qualquer reinvenção é mero truque. É ilusionismo. É esperança vã e ingênua tecida pelas mãos da alma. 

Somos o que somos. Entre brisas e tempestades, entre o canto suave dos passarinhos ou os sons das gralhas, choramos as nossas lágrimas , às vezes em silêncio, às vezes para o mundo sobre o proscênio. Choramos nossas lágrimas cheias de culpa e medo.

Somos o que somos. Por mais bem comportados que sejamos , sorrimos com malícia. Rimos os nossos risos cheios de veneno e impiedade. Trazemos uma adaga na alma. Às vezes apontada para os outros. Às vezes,  apontada para nós mesmos. 


Somos o que somos quando olhamos através dos olhos dos outros e enxergamos apenas a nós mesmos: despidos , com as chagas expostas num espelho gigantesco.

Somos o que somos: frios , quentes , passivos , intrépidos, mesmo quando decidimos e falamos ao pé do nosso ouvido que somos diferentes.

Não há destino mais imutável do que o da própria natureza. 

Somos o que somos: poetas, loucos , maestros de delírios, atrizes abandonadas sozinhas no escuro do palco vazio. 

Somos o que somos: seres errantes, seres que erram. Seres que sorriem e choram sem saber bem o porquê. Que bebem de uma taça para lembrar ou para esquecer. 

Sim, não há destino mais implacável do que o da própria natureza. E querendo ou não, seguimos em frente , com olhos de cordeiro ou contra a vontade. Mas seguimos , mesmo quando nos mantemos parados, pés fincados na terra desolada. 













Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 



 

















sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Destino?

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS



Ás vezes, a vida oferece maus dados. Ás vezes, descobrimos que não existem maus ou bons números. A sorte é uma ilusão. Existem números. Símbolos. Convenções. Cuspe sobre aquilo que não podemos conter , que não podemos controlar.

De repente , um sinal aleatório. As superstições voltam a sorrir. Secamos o cuspe maledicente dos dados e oferecemos ao destino o melhor dos nossos sorrisos. O nosso sorriso domingueiro, bem ajeitado como roupa de ir ao culto.

Penteamos os cabelos da alma , tornamos os fios bem comportados , nos agarramos a uma crença dócil a respeito de nós mesmos. 

Sentamos de pernas cruzadas. "O que tiver que ser , será" , falamos placidamente com nossos lábios sonsos. Mas por dentro queimamos com a certeza de que existem dados bons sim e que eles são nossos. 

E se o destino resolver fazer mais uma piada sórdida , cuspiremos novamente , olhos injetados , olhar blasfêmico e profano. 

Não, não existe beleza na infelicidade. No desencontro. Nas noites em que a alma trepida de frio e solidão. 

Não existe mérito na desgraça. O infortúnio como dádiva é mais uma mentira que nos contaram ao pé do ouvido. É uma mentira tecida pelas mãos embriagadas dos poetas , os jogadores de palavras, que suportam seus maus dados com rimas e idílios. 

A desgraça é viscosa como o cuspe atirado nos dados e diante dela nada nos resta a fazer além de sermos desgraçados ou conformados, uma modalidade bem penteada e asseada de desgraça. Prefiro a de cabelos desgranhados. 













Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.