sábado, 8 de outubro de 2016

Calcinhas de renda vermelha

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
 
 
Cheiro de café sendo coado, calcinha no varal, teu sorriso ainda meio sonolento. O cheiro do queijo quente anuncia a hora de desligar a sanduicheira.
 
Visto as calcinhas de renda vermelha com um gesto banal, numa manhã que poderia ser outra qualquer.  Teu sorriso continua sonolento. Agora , um pouco matreiro.
 
Tomo o primeiro gole de café. O dia finalmente começa para mim, mas minhas calcinhas continuam me parecendo banais.
 
Aprendi que renda é para dia de festa. Vermelho para dias passionais. No entanto tomo café com elas , pernas cruzadas , olhar meio perdido, meio sonolento também.
 
Sorri para mim. Meu mundo se centra nos sanduíches sobre a mesa, na louça suja sobre a pia. A vida ganha ares comezinhos.
 
E nesta nova vida , posso usar calcinhas de rendas vermelhas todos os dias. Minhas calcinhas se confundem com o cheiro do café , com a preguiça das manhãs, com os lençóis embolados ao pé da cama , com a fresta de sol que entra pela veneziana semi aberta do quarto acanhado que parece amplo, com o vestido de flores surradas abandonado sobre a cadeira, com suas calças amarrotadas jogadas num canto qualquer, com tudo o que estiver por vir.
 
Minhas calcinhas me levam para dentro de mim mesma , para aquela garota irreverente que nem teve tempo para abrir a boca, que nem teve tempo para descobrir quem era.
 
Minhas calcinhas me fazem perceber que vim com renda vermelha tatuada na pele da alma. Que nasci para vesti-las e despi-las, para jogá-las no chão do quarto , vagueando pela penumbra da noite boêmia.
 
Minhas calcinhas me fazem pensar em quantas lágrimas precisei derramar para chegar até elas , para chegar até mim mesma. Quantas mentiras tive que ouvir e contar também para sobreviver mal e parcamente a uma vida sem calcinhas de renda vermelha.
 
 
 
 

 
 
 

 
 

 
 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 
 
 
 












 
 
 
 
 
 
 
 
 

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