quarta-feira, 29 de junho de 2016

Sobre a fome de viver

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
 

Sim, é preciso ter fome de viver. É preciso ter apetite. Devorar a vida com grandes e empolgadas mordidas. É preciso passear a língua pela vida, com movimentos suaves e apaixonados, como quem chupa um delicioso sorvete.
 
É preciso tomar o último gole do Martini, pensando cheia de cobiça na azeitona ou na cerejinha abandonada no fundo da taça. É preciso beber todo o copo de cerveja com a mesma sofreguidão do primeiro gole sedento.
 
É preciso vagar pelo mundo como quem passa alegremente por uma quermesse, aspirando todos os odores quentes , picantes , adocicados e salgados que atravessam o nosso caminho. É preciso querer comer o milho assado, flertando com o churrasquinho. Se lambuzar com a maçã do amor fluindo levemente como chumaços de algodão doce cor de rosa.
 
É preciso acordar de manhã sentindo o cheiro de café forte e bom na alma e se deitar extenuado à noite com o calor bondoso e conciliador de uma caneca de chá. É preciso saborear um simples almoço como o mais delicioso banquete. É preciso salpicar a vida com maionese e molho barbecue como se a nossa existência tivesse a faceirice brincalhona de um grande X-Tudo.
 
Sim, sem apetite , sem fome de viver não dá. A coisa não rola, não flui. Desce mal, dá azia , má digestão. A gente quer arrotar e não consegue. Fica o dia inteiro ruminando o peso de uma comida que nos ancora em más lembranças.
 
Sim, a vida é dura. Não nego. Ás vezes , tem gosto de molho vencido, bacon ranço. Às vezes, tem textura de creme de leite talhado.  Às vezes , cai mal para caramba e dar a próxima garfada exige uma coragem danada.
 
Mas precisamos correr atrás das melhores iguarias. Não podemos perder o apetite diante de um belo prato porque comemos algo estragado no passado.
 
Viver é se reinventar , é se reinventar com cores novas , mais fortes. Outras vezes, mais delicadas. Viver é despertar em si o próprio apetite quando ele se esconde medroso num cantinho escuro e frio da alma.
 
 
 
 


Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 







2 comentários:

  1. Acabei de fazer um "turismo gastronômico" nessa postagem. Adoro essa mistura conotativa. Minha cobiça é no fruto do outro lado do muro. Tô tramando um modo de chegar até lá. Vou me "estabacar" toda ao tentar, mas, vou pular.

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  2. Sim...adoro relacionar tudo com comida RSRS Fiquei curiosa a respeito deste muro...RS Sobre se "estabacar" , entendo bem RSRS Faz parte, faz parte RS

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