quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Amor, amor , amor...

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Antes de ingressar no mundo da Psicanálise, quando eu ainda tinha algum resquício de crença no sonho americano, não gostava de ler os textos da Tati Bernardi nem os do Contardo Caligaris.
 
Hoje , me delicio com estes dois colunistas do jornal Folha de São Paulo. Caligaris é um psicanalista italiano, que já viveu em vários países.
 
Seu texto de hoje gira ao redor de um ditado popular bem conhecido por aqui, em terras tupiniquins. Pelo texto do autor , este ditado também é bem famoso na Itália: " Dois corações e uma cabana", traduzindo do Italiano para o Português. Aqui, falamos "Um amor e uma cabana".
 
Caligaris , apesar de extremamente realista em relação a tudo, incluindo o amor, não deixa de dar crédito a este sentimento que nos faz nos reinventar.
 
Ele admite que por amor mudou de país, de língua , de profissão.
 
Sim, o amor nos faz querer mudar , ser diferente ou até mesmo nos aproximar mais daquilo que julgamos ser o nosso eu verdadeiro.
 
Me identifiquei bastante com o texto porque por amor também fiz escolhas drásticas em minha vida.  Joguei, inclusive , para debaixo do tapete muitos dos meus valores. Certo? Provavelmente não. Mas quem somos nós para julgar os atos movidos pelo amor num mundo tão cinza e indiferente como o nosso?
 
Sim, creio que haja limites para tudo, mas o amor tem um quê de amoral. Não confundam amoral com imoral...
 
Sim, o amor me levou para terras distantes que existiam dentro de mim. Paraísos perdidos abandonados em meu próprio coração.
 
Por amor , eu já atravessei mares de preconceito, preconceitos meus. Nossos preconceitos são sempre os piores pois não há como fugir deles. É preciso aceitá-los ou assassiná-los com as próprias mãos, sem medo de se sujar com o próprio sangue.
 
Sim, lidar com o preconceito alheio é muito mais simples. Para o preconceito alheio basta um olhar de desdém, como o de alguém que está sentindo cheiro de pum, para a coisa cair por terra.  Ninguém verdadeiramente nos oprime com seus julgamentos nojentos se não somos cúmplices de algum modo, em alguma medida.
 
Para mim, nunca houve nada mais vital na vida do que o amor entre um homem e uma mulher. Falo entre homem e mulher pois sou heteroafetiva. Apenas por isso. Não vejo diferença entre o amor entre duas pessoas que carregam o mesmo genital ou genitais diferentes. Amor é amor e para mim sempre foi o que mais contou. Sempre foi o que eu mais quis.
 
Existe algo de quase sobrenatural entre duas pessoas que se identificam ferozmente num mundo tão cheio de desencontros.
 
Existe algo de quase sobrenatural entre duas pessoas que se comunicam apenas com os olhos num mundo tão cheio de palavras vazias.
 
Como disse um professor de teatro, cumplicidade é o que mais desejamos e o que menos temos.  E muitos vão se conformando com a banalidade de diálogos sem alma, parcerias que poderiam se desfazer facilmente a qualquer momento, amores circunstanciais.
 
Talvez , o amor circunstancial seja o maior triunfo do status quo: uma cópia vagabunda do amor verdadeiro, vendida a preço de ouro.
 
Toda vez que acredito encontrar este amor menor e vital, sinto uma alegria meio desesperada.  A alegria daqueles moleques sapecas que subiram no topo da árvore. A alegria daqueles que sabem que existem dois caminhos possíveis: se manter onde está ou despencar.
 














Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 




2 comentários:

  1. Amai-vos...

    Amai-vos um ao outro,
    mas não façais do amor um grilhão.
    Que haja, antes, um mar ondulante
    entre as praias de vossa alma.
    Enchei a taça um do outro,
    mas não bebais da mesma taça.
    Dai do vosso pão um ao outro,
    mas não comais do mesmo pedaço.
    Cantai e dançai juntos,
    e sede alegres,
    mas deixai
    cada um de vós estar sozinho.
    Assim como as cordas da lira
    são separadas e,
    no entanto,
    vibram na mesma harmonia.
    Dai vosso coração,
    mas não o confieis à guarda um do outro.
    Pois somente a mão da Vida
    pode conter vosso coração.
    E vivei juntos,
    mas não vos aconchegueis demasiadamente.
    Pois as colunas do templo
    erguem-se separadamente.
    E o carvalho e o cipreste
    não crescem à sombra um do outro.
    Gibran Kahlil Gibran -

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