domingo, 30 de abril de 2017

Um copo barato de cerveja e um beijo de até logo

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

O amor é cheio de pequenas delicinhas. Prazeres simples, aparentemente desimportantes, sem glamour , mas que conferem à vida gosto de bolo de chocolate, daqueles bem fofinhos , que acabaram de sair do forno rumo à nossa boca faminta.

O amor é cheio de suspiros , gemidinhos, palavras ambíguas, sorrisos perigosos , gestos inoportunos. Gosto quando me beija no metrô. É inadequado, pouco gentil com quem volta cansado e sozinho para casa. "Que se dane!", pensa a menina vaidosa e egoísta que mora dentro de mim.

O amor é cheio de mesmices, de clichês, frases prontas e lugares comuns. Gosto quando pergunta se eu o amo . E não basta dizer que sim com meu sorriso torto, de canto de boca. Preciso dizer o quanto, como fazemos com as crianças.

Gosto quando se deixa conduzir por mim. Quando se entrega em minhas mãos , quando confia em minhas decisões sem prestar muita atenção, com a tranquilidade descuidada de alguém que se sente realmente em casa.

Com você , não preciso ser perfeita. Você se perde nos meus desvios e os seus delírios me fazem sorrir desesperadamente feliz.

Gosto do seu suspiro quando estou lendo um livro de Filosofia,  com um ar displicente , de menina erudita, vestindo meu casaco bem comportado e meus óculos de vista vermelhos estridentes.  Gosto quando me imagina mais inteligente do que sou.  

Gosto quando me imagina mais desejada do que sou , mais surpreendente , mais irreverente, mais suja , mais sua.

Gosto quando me diz com o olhar mais limpo deste mundo que o nós será para sempre. E que sou linda e poética quando fecho os olhos para degustar melhor as suas e as minhas palavras...gosto de me fazer poesia , nua e crua , a pele da alma esfolada para me fazer ainda mais amada.

Gosto quando ri das minhas piadas abjetas e posso te dizer o quanto sou eu mesma, bebendo cerveja num copo barato.

Gosto quando sorri ingenuamente feliz, ao me ver chegando ao longe, com minha bolsa grande , meio hippie e bagunçada ,   com a minha sedução barata e minha beleza descuidada.

Gosto quando acena uma última vez na estação do metrô, antes de me dar um beijo rápido. Aquele beijo com gosto de cigarro e até logo, amanhã ou depois será minha novamente.































Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.









terça-feira, 25 de abril de 2017

Sobre amores e a fatalidade da vida

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Como disse Cazuza , ás vezes, sinto vontade de fechar a conta com a analista para não saber quem sou, para não me curar desta inquietação que me faz escrever loucamente. Que me faz vagar pelo mundo como o verso derradeiro de uma poesia triste. 

Não existo fora da minha pena. Das duas. Terei que me reescrever com letras diferentes. Talvez garrafais , escandalosas como o riso rasgado daqueles que só querem viver. Daqueles que não sonham em ficar impressos na História pois já estão inseridos em sua própria história, pequena , particular , íntima, banal e calorosa como um bocejo pela manhã, como uma caneca de chocolate quente condimentado com canela, preguiça e amor. 

Me movo meio desajeitadamente fora dos limites do drama. A luz do proscênio bate em meu rosto e eu só preciso sorrir. Não estou acostumada a me sentir feliz. Penso numa frase de efeito. Mas estou cansada demais para falar. Tento juntar dois versos trágicos em meu coração, mas só consigo pensar no cheiro do café, nas sobras da omelete sobre a  mesinha de cabeceira, na alegria banal de ser amada sem mas nem reticências. O amor simples é a maior das fatalidades. E entrego -me a esta tragédia com a imprudência típica daqueles que nunca aprendem. 

Me pede para jurar amor eterno. Sorrio internamente. Já vivi muitas coisas para acreditar no felizes para sempre. Sim, te prometo com minha fala esgarçada que nós nunca acaberemos...em meu regaço, o teu rosto sobre o meu colo, o futuro não existe. O mundo ficou do lado de fora. Estou louca? Sorrio mais uma vez.



















Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.








sexta-feira, 14 de abril de 2017

Floresta negra ou bolo de chocolate com morango? Um dilema de pessoas felizes

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Ás vezes , eu penso que a sanidade pode ser uma merda. É gostoso reclamar , se vitimizar , declamar para o mundo a nossa tragédia em 507 versos...é meio prazeroso dizer o quanto não fomos amados nem compreendidos. Melhor ainda é acreditar nisso tudo se olhando no espelho, de esguelha, se sentindo tragicamente linda. 

O sofrimento nos confere certa distinção. Mais do que isso: nos confere certa dignidade. A felicidade é banal, é coisa de gentinha comum,  é coisinha de gente de inteligência mediana , aspirações medíocres e visão estreita.  É coisa de gente sebosa que curte ver comédia romântica, que passa o final de semana naquele clima meio cafona de casal consolidado , que toma café na mesma xícara sem nenhuma intenção erótica. Toma na mesma xícara por preguiça mesmo de tirar o traseiro do sofá e pegar uma xícara na cozinha.

É coisa de casal consolidado com seus apelidinhos afetivos e broxantes. É coisa de mulher que usa calcinha bege com elástico frouxo. É coisa de homem que usa cueca meio encardida,  que coça o saco na frente da parceira...mais uma vez, sem intenção erótica...é coisa de gente que encontrou seu lugar confortável no mundo. É coisa de gente que perdeu a vontade de criticar o mundo pois está mais interessada em comer bolo de chocolate e dormir abraçadinho depois de fazer um sexo pouco performático. 

É coisa de gente que perdeu a vontade de viver grandes aventuras e defender causas homéricas porque está mais interessada em fazer uma churrascada com toda a família e se sentir em paz consigo mesmo. E optar por fazer farofa com banana ou arroz à grega pode ser o grande dilema do feriado. 

Sim,  se felicidade fosse comida, seria um bom prato de arroz com feijão e ovo frito. Ou carne moída com quiabo. Ou um pastel de feira. Um daqueles bem engordurados que a gente devora cheio de apetite , sem fazer pose , sem frescura. 

Felicidade é café bebido em copo de requeijão, é bolo caseiro assado com amor, é bocejo no café da manhã, é chinelo de dedo com unhas sem fazer , é a cama desarrumada num domingo preguiçoso. 

Felicidade soa tão brega como chamar o parceiro de mozão com a boca cheia de empadinha comprada na padaria da frente. Felicidade soa tão brega como encher o pescoço do mozão de filtro solar num dia calorento, recomendando a ele a importância do uso de um boné. Ou ainda acompanhá-lo ao dentista no meio de uma crise de canal.

Sim, pessoas felizes pensam e se importam com cáries ,  com o preço da carne , com as contas acumuladas na mesinha de cabeceira , com o serviço desastroso da TV a cabo, com o cachorro infernal do vizinho que não para de latir, com a geladeira que precisa ser trocada , com as compras do mês, com as roupas que precisam ser lavadas, com o presente que deve ser comprado para a sogra. Pessoas felizes perdem tempo decidindo se vão comprar bolo de chocolate com morango ou floresta negra. Pessoas felizes podem realmente se preocupar com o restaurante onde vão comemorar o aniversário de namoro. Pessoas felizes são banais. 




















Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.