sábado, 28 de janeiro de 2017

Águas profundas e a lama nossa de cada dia

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Há dois dias peguei um filme por acaso na TV5, canal francês. O filme era protagonizado por um Jean -Louis Trintignant  de meia idade e uma Isabelle Huppert novinha , com cabelos curtos e o mesmo olhar magnético e impertinente de sempre.

A trama começou a me indignar na mesma proporção que me enredou, que me deixou ali sentada no sofá , com os olhos fixos na tela, indiferente à vida real.

Como um bom filme francês que se preze , Águas profundas , de 1981, está cagando e andando para a normalidade, para o politicamente correto, para o the end convencional. Acredito que os personagens protagonistas tiveram o seu final feliz , mas nada convencional. Ninguém casou ou foi promovido na empresa onde trabalha e dá um duro danado.  O mundo não retribuiu com pétalas de rosas caindo do céu o esforço dos personagens. Não houve prêmio algum para parabenizar suas virtudes.

As virtudes ali eram bem poucas...uma bizarra dinâmica de casal , uma garotinha praticamente órfã de mãe viva , uma série de amantes ocasionais abestalhados , meros joguetes nas mãos de uma mulher muito doente, amada apaixonadamente por um homem igualmente doente.

Ultimamente , estou optando por rever filmes que aprecio a ver filmes que não conheço pois estou bem exigente e até mesmo chatinha quando o assunto é cinema. Quase nada me agrada. Não suporto mais os modelos convencionais de filmes. Me entediam, penso em qualquer outra coisa enquanto os vejo...quando os vejo. Na maioria das vezes , durmo. Durmo e acordo logo em seguida sem remorso algum por ter perdido longas passagens, pois lá no fundo sei que não perdi nada. Que não deixei de ver nada que já não tenha visto centenas de vezes.

Sem querer fazer um trocadilho, mas já fazendo, Águas profundas é um convite para mergulharmos em nossas próprias obscuridades, no lago lamacento que existe dentro de nós , no oceano de possibilidades inusitadas.  Sim, somos doentes , de uma forma ou de outra , em diferentes graus , as pessoas aceitando ou não. O filme é um tapa na cara. Um tapa bem dado com gosto de café forte. Delicioso.




























 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 



segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Eu não sei do que eu gosto mais...

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Eu não sei do que eu gosto mais é a minha nova página no Facebook. Uma página de humor apenas ...aparentemente. Mas muita gente vai se ver ali e vai ficar incomodada. Muito bom. Se a gente se incomoda , a gente tem a chance de refletir e mudar. Ou de pelo menos pegar mais leve em algumas manias chatas e condutas inoportunas.

Se nem sempre podemos mudar essencialmente , podemos pelo menos disfarçar alguns defeitos e guardar para nós algumas frases preconceituosas.

Eu não sei do que eu gosto mais é um grito sarcástico e desesperado contra um mundo bem banal e mesquinho, em que as pessoas se sentem superiores por serem heterossexuais , jovens,  por não fumarem, por aderirem ao estilo fitness, por desprezarem o conhecimento e quem se dedica ao mesmo.

Eu não sei do que eu gosto mais é um grito louco para denunciar este mundo que valoriza mais grifes do que livros e bons filmes. Este mundo sem senso de humor do politicamente correto, cheio de gente azeda que prefere comentar o que odeia a elogiar o que ama.  Este mundo de gente apressada que critica sem ler até o final.

Este mundo de gente hipnotizada pelas baboseiras da literatura de autoajuda, sem a menor abertura para um conhecimento mais profundo. Este mundo que joga para debaixo do tapete os deprimidos ,  que insiste em reiterar preconceitos contra a mulheres , contra os pobres , contra os negros , contra os gays , contra as garotas que passaram dos 30 anos, contra os obesos, contra as pessoas que questionam o status quo. 

Este mundo sem alteridade, em que as pessoas acreditam que seus filhos podem fazer qualquer maldade contra as pessoas por serem crianças. Este mundo em que as pessoas acreditam em que o outro não existe ou não importa. Este mundo que acredita que os  pobres precisam limpar os excrementos dos ricos. Que as pessoas precisam ser ironizadas e discriminadas por adotarem um estilo diferente de vida. Este mundo que faz os intelectuais morrerem de fome.  Este mundo cheio de machões e gente superficial e hipócrita.

Se você também é um questionador , entre e saboreie com boca boa os meus pensamentos marinados com baba ácida rs Bom apetite!


https://www.facebook.com/Eu-não-sei-do-que-eu-gosto-mais-1881963282041512/
























Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 




quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Amor, amor , amor...

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Antes de ingressar no mundo da Psicanálise, quando eu ainda tinha algum resquício de crença no sonho americano, não gostava de ler os textos da Tati Bernardi nem os do Contardo Caligaris.
 
Hoje , me delicio com estes dois colunistas do jornal Folha de São Paulo. Caligaris é um psicanalista italiano, que já viveu em vários países.
 
Seu texto de hoje gira ao redor de um ditado popular bem conhecido por aqui, em terras tupiniquins. Pelo texto do autor , este ditado também é bem famoso na Itália: " Dois corações e uma cabana", traduzindo do Italiano para o Português. Aqui, falamos "Um amor e uma cabana".
 
Caligaris , apesar de extremamente realista em relação a tudo, incluindo o amor, não deixa de dar crédito a este sentimento que nos faz nos reinventar.
 
Ele admite que por amor mudou de país, de língua , de profissão.
 
Sim, o amor nos faz querer mudar , ser diferente ou até mesmo nos aproximar mais daquilo que julgamos ser o nosso eu verdadeiro.
 
Me identifiquei bastante com o texto porque por amor também fiz escolhas drásticas em minha vida.  Joguei, inclusive , para debaixo do tapete muitos dos meus valores. Certo? Provavelmente não. Mas quem somos nós para julgar os atos movidos pelo amor num mundo tão cinza e indiferente como o nosso?
 
Sim, creio que haja limites para tudo, mas o amor tem um quê de amoral. Não confundam amoral com imoral...
 
Sim, o amor me levou para terras distantes que existiam dentro de mim. Paraísos perdidos abandonados em meu próprio coração.
 
Por amor , eu já atravessei mares de preconceito, preconceitos meus. Nossos preconceitos são sempre os piores pois não há como fugir deles. É preciso aceitá-los ou assassiná-los com as próprias mãos, sem medo de se sujar com o próprio sangue.
 
Sim, lidar com o preconceito alheio é muito mais simples. Para o preconceito alheio basta um olhar de desdém, como o de alguém que está sentindo cheiro de pum, para a coisa cair por terra.  Ninguém verdadeiramente nos oprime com seus julgamentos nojentos se não somos cúmplices de algum modo, em alguma medida.
 
Para mim, nunca houve nada mais vital na vida do que o amor entre um homem e uma mulher. Falo entre homem e mulher pois sou heteroafetiva. Apenas por isso. Não vejo diferença entre o amor entre duas pessoas que carregam o mesmo genital ou genitais diferentes. Amor é amor e para mim sempre foi o que mais contou. Sempre foi o que eu mais quis.
 
Existe algo de quase sobrenatural entre duas pessoas que se identificam ferozmente num mundo tão cheio de desencontros.
 
Existe algo de quase sobrenatural entre duas pessoas que se comunicam apenas com os olhos num mundo tão cheio de palavras vazias.
 
Como disse um professor de teatro, cumplicidade é o que mais desejamos e o que menos temos.  E muitos vão se conformando com a banalidade de diálogos sem alma, parcerias que poderiam se desfazer facilmente a qualquer momento, amores circunstanciais.
 
Talvez , o amor circunstancial seja o maior triunfo do status quo: uma cópia vagabunda do amor verdadeiro, vendida a preço de ouro.
 
Toda vez que acredito encontrar este amor menor e vital, sinto uma alegria meio desesperada.  A alegria daqueles moleques sapecas que subiram no topo da árvore. A alegria daqueles que sabem que existem dois caminhos possíveis: se manter onde está ou despencar.
 














Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 




terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Amor bom massageia os pés e abre vidros de azeitonas

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Quando somos extremamente jovens e idealistas ( na minha época , as garotas eram idealistas). Ok.Ok.Ok. Esta coisa de minha época parece papo de gente bem idosa, olhando com desdém para as netas ou bisnetas vestidas com biquínis simbólicos. Biquínis que são mais metáforas do que uma vestimenta propriamente dita.
 
Sim, o tempo está passando tão depressa e as gerações estão se transformando de forma tão vertiginosa que já vi gente com 20 anos de idade dizendo o mesmo: "Quando era criança , não era assim".
 
Ah? Como assim? Você foi criança ontem! Sim, é possível alguém que nasceu em meados dos anos 1990 ficar chocado com o comportamento daqueles que nasceram a partir de 2010.
 
Mas voltando ao tema do meu atual post, o amor , mais uma vez o amor , quando somos jovens e idealistas , sonhamos com um homem realmente espetacular , sem lacunas , sem teclas quebradas , sem reticências , sem crises existenciais , sem sono na hora em que a gente quer curtir , capaz de nos conduzir sempre , nos orientando no sentido das pequenas loucuras ajuizadas.
 
Quando nos tornamos garotas apenas de alma , descobrimos o valor das pequenas coisas, como por exemplo, ter alguém por perto quando não conseguimos abrir o vidro de azeitonas. Ironia? De jeito nenhum! Sei que sou bem sarcástica , mas desta vez , falo a mais pura verdade: é bom ter alguém para abrir vidros de azeitonas e conservas em geral. É bom ter alguém para abrir a garrafa de espumante. É bom ter alguém para massagear os nossos pés quando estes estão bem cansados e meio doloridos. É bom ter alguém que elogia os nossos pés , mesmo eles estando cheios de cutícula e sem esmalte. É bom ter alguém para te ensinar a usar o Instagram e dizer "Você está linda hoje" todos os dias  em que te vê.
 
Alguém que acha que o seu vestidinho vagabundo , comprado pela internet em 2013 , é lindo. É bom ter alguém que coma com boca boa qualquer coisa que você faça , até mesmo um miojo passado na manteiga. É bom ter alguém que apesar de te achar super atraente, se apaixonou pela sua inteligência e irreverência.
 
É bom ter alguém que viva suas crises existenciais , que seja sensível, complexo, ás vezes , meio escorregadio e complicado. É bom ter alguém que não tenha certeza de tudo, que se encontre meio perdido de vez em quando. Como ouvi uma vez , há milênios , um amigo dizer: " Não confie em ninguém que não tenha uma tristezinha no canto dos olhos".
 
Como diria o filósofo rebelde Deleuze , o nosso charme é a nossa loucura. Esta coisa de gente sem tecla quebrada é um saco. Gente que se acha perfeita demais enlouquece os outros no pior sentido da palavra loucura.
 
Sim, opte por homens que não tenham tudo sob controle. Homens super poderosos são fofos apenas nas insuportáveis comédias românticas americanas. Na vida real eles são chatos para cacete. Não importa o que você diga ou faça . Você sempre estará errada pois é ele quem tem o controle. É ele quem tem a força como o príncipe Adam depois de levantar a espada mágica no desenho do He-Man. Hum...outra referência meio antiga...



















Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas. 


quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Inquietações cheias de apetite no começo do ano

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Depois de alguns poucos dias longe do blog e de qualquer outra atividade neurótico/lúdica/intelectual que exigisse o uso simultâneo de três neurônios, me sinto revigorada novamente para voltar a destilar as minhas "verdades" subjetivas , carregadas de uma paixão histérica.  Pera aí! Existe alguma paixão que não seja pelo menos um pouquinho histérica? Deixarei este questionamento para um outro post ou para um outro momento da minha vida.

Há cerca de dois dias , estou com uma ideia fixa: saber se cleptomania se encaixa no quadro das neuroses obsessivas.  Questão estranha? Não. Nem um pouco. Questionamento bastante natural para uma estudante de Psicanálise.

Agora , olho para todo mundo e tento encaixar cada um em uma das três categorias propostas por Lacan: neuróticos , psicóticos e perversos.

E não satisfeita o bastante , quero encaixar as pessoas também nas subdivisões de cada estrutura. Faço isso com pessoas conhecidas, personagens de filmes famosos... é instigante e cansativo ao mesmo tempo. Mais uma maniazinha para esta garota que pensa saber o que quer. Ou pensava...

Depois de alguns poucos dias sem escrever e produzir qualquer tipo de material artístico/divertido cult/entretenimento chique, meus dedos voltam a surrar o teclado do computador cheio de apetite. Na verdade , dedo. Digito incrivelmente rápido com um dedo apenas. Com aquele dedo que usamos para fazer um sinal lúdico/irreverente/sem educação.  O dedo companheiro da garota desbocada, que adora mesclar filosofia com termos chulos, cinema cult com piadas escrachadas, lições de vida, da vida mais banal e cotidiana com o aparentemente mais complexo dos grandes escritores da literatura.

Entre os dias 23 e 31 de dezembro assisti a uma série deliciosa no Netflix: Merlí. Uma série espanhola, mais especificamente catalã.  A série tem duas temporadas , mas apenas a primeira está disponível no Netflix. Uma temporada com 13 episódios sobre um fodástico professor de Filosofia que ensina Filosofia como deve ser ensinada: com paixão.

Diferentemente do que a maioria das pessoas imagina , Filosofia não é disciplina de gabinete , para pessoas enfadadas e medrosas , que usam pilhas de livros mofados como barreiras para enfrentar o mais comezinho do dia a dia. Que usam bibliotecas e escritórios como trincheiras para fugir da vida real: medonha e fascinante em proporções quase idênticas. Que usa os livros para sublimar a falta de sexo, a falta de romance , a falta de aventura , a falta de tesão pela vida e pelas as outras pessoas.

Ao ver o primeiro episódio, já pensei: Só podia ser uma série espanhola ...com o meu típico sorrisinho irônico de canto de boca.

Merlí mostra que os conceitos deixados pelos filósofos da Grécia Antiga , pelos filósofos do século 18 e de qualquer outro século extrapolam as páginas de qualquer livro e podem ser encontrados e apalpados e acariciados e chutados no nosso banal dia a dia. 

Usa Foucault para falar sobre a tacanhez das nossas escolas nos dias de hoje . Usa os céticos para nos propor um olhar mais contemplativo e menos julgador sobre a vida. Usa os sofistas para mostrar que às vezes precisamos defender uma ideia a qual não acreditamos para obter um objetivo importante. Usa Guy Debord para mostrar os estragos feitos pela sociedade do espetáculo. Usa Nietzsche para falar sobre o super homem ou simplesmente alguém que se reinventa, utilizando como combustível a sua própria força.

Cada episódio, uma aula. Cada episódio, um deleite.

Sim, Merlí mostra que não existe nada mais cotidiano, prático e aplicável à vida real do que o amor ao saber. Sim, filosofamos quando jogamos fora ou simplesmente questionamos qualquer coisa que é aceita como inquestionável pela sociedade. Sim, filosofamos quando chutamos regrinhas bobas que não servem para nos tornamos melhores ou mais felizes. Sim, filosofamos quando optamos pelo amor , quando nos arriscamos a sermos nós mesmos , quando escolhemos por um estilo de vida que faça sentido para nós e não para os outros.

Sim, filosofamos quando rimos , brincamos , quando bebemos vinho, quando fazemos amor , quando nos apaixonamos, quando lutamos contra aquilo que luta contra nós. Quando simplesmente olhamos para o espelho e pensamos que tudo poderia ter sido muito diferente para nós.

Falando em questionamentos , estou com uma dúvida inquietante: o que significa fazer muito cocô? Fazer muito cocô indica  simplesmente  que estamos comendo demais ou fazer muito cocô é uma estratégia do organismo para não engordamos muito? 










 
 
 
 

 
 
 







 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious.  Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.