terça-feira, 15 de dezembro de 2015

É preciso assassinar cada uma das ilusões como a uma barata

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

Hoje, uma leitora estava elogiando dois textos meus publicados esta semana na Obvious. Ao abrir a página do Facebook com meu perfil profissional me deparei com um depoimento de que eu era uma pessoa iluminada.

Muitas pessoas que não conheço, mas que acompanham regularmente meus textos, tanto os da Obvious como os da Garota desbocada , me escrevem recados fervorosos e ficam felizes pelo simples fato de adicioná-los. Sinto uma pureza de alma em suas palavras que já não tenho mais.

Sim, sim, sou carinhosa, abraço com força as pessoas, me envolvo em seus problemas. Não sou uma pedra de gelo. Mas não consigo me ver como alguém iluminado. Talvez criativa, eloquente. Apenas isso.

Hoje, publicamente, disse à minha leitora que era muito mais lúcida nos textos do que na vida. Na vida ainda sou cega e burra, embora esteja me esforçando muito para melhorar. Acho que já obtive algumas conquistas bem importantes e com apenas 6 meses de terapia.

Hoje me vejo como um ser humano inteiro, que não precisa de um homem por perto para me tornar completa, para me tornar alguém.

Continuo querendo o amor. Quem não quer o amor? Quem não quer uma companhia interessante. Mais do que isso. Quem não quer um cúmplice nos pequenos crimes do amor?

Quem não quer passar um final de semana em Montevidéu ou Buenos Aires comendo muita boa carne e tomando muito bom vinho a preços bem moderados? Quem  não quer assistir a um show de tango se entupindo de vinho branco e rindo por qualquer bobagem? Que mulher intelectualizada não quer um parceiro bom de papo?  Alguém que não morra de sono durante filmes inteligentes e não morra de tédio em exposições de arte?

Mas hoje não acho que amor necessariamente precisa virar casamento. E mesmo que vire, não precisa ser aquela coisa chata e modorrenta que conhecemos.

Não, não me sinto iluminada. Sinto apenas que estou cercada de luz e o que para mim parecia monstruoso e terrível era apenas uma peça de roupa pendurada no cabideiro. 

Falei para uma amiga que era bom ficar desiludida. Sim, é bom sim. Estar desiludida é estar livre das ilusões, das falsas esperanças. A gente começa a viver de fato quando se desliga desta merda toda. Quando a gente deixa os contos de fada, as comédias românticas e os comerciais de margarina para trás. Uma vida meio cinza e enfumaçada, mas real, palpável, honesta , que não te faz falsas promessas , que te olha nos olhos enquanto fala com você, que te leva a sério mesmo quando brinca despudoramente.

Não perdi todas as ilusões ainda. Ainda me confundo, me enrosco, enfio os pés pelas mãos. Ainda confio. Ainda busco um brilho no fundo dos olhos. Mas tudo bem. Como já disse, fiz apenas 6 meses de terapia.





 
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

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