sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Sobre medos simbólicos. É preciso acender a luz do quarto

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS
 
Quando alguém afirma ter medo de um dobermann ou de ser assaltado , ninguém pergunta "Por quê?" Parece óbvio o que um dobermann ou um assaltante podem fazer contra a gente.
 
Por outro lado, as pessoas mesclam expressões e olhares de curiosidade, perplexidade, leve ironia ou profundo interesse quando alguém afirma ter medo de bromélias ou de azulejos com bolotas gigantes.
 
O que uma bromélia ou um azulejo podem fazer contra alguém? Morder, atacar, espoliar?  Na verdade, ninguém tem medo realmente de bromélias ou azulejos. Vou mais longe. Ninguém tem medo do escuro. Como não?????????????????? perguntaria alguém indignado contando diversos relatos de sobrinhos, afilhados e vizinhos que padecem ou padeceram deste mal.
 
Como professora dedicada que sou, me explico. Embora o Garota desbocada não seja espaço para explicações. Achamos que tememos o escuro ou a bromélia. Mas na verdade, tememos algo que o escuro ou a bromélia representa. É um lance bem semiótico mesmo. Ou psicanalítico. Psicanálise é semiótica pura. Inclusive existe uma linha chamada Semiótica psicanalítica.
 
Há muitos anos temo bromélias. Só de vê-las me dá uma sensação ruim, realmente esquisita. Algo relacionado a ameaça. Uma vez, sentada no lobby de um hotel, me dediquei a tentar descobrir qual dos três vasos com bromélia era mais horrendo em minha opinião.
 
Para a Psicanálise, as formas circulares se relacionam ao feminino enquanto que as pontiagudas, ao masculino. Ok. Já começaram a sacar? Esta explicação não me convencia muito porque nunca tive medo dos homens. Ou achava que não tinha.
 
Analisando mais cuidadosamente a questão, descobri que as bromélias representavam um tipo bem específico de homem. Homem abarrotado de testosterona. Um tipo de homem com uma energia masculina mais brutal.  Sim, a professorinha que buscava tipos meigos com cara de pai de família dentro de seus pijaminhas azuis ,  queria na verdade um estilo mais motoqueiro. E quem pagava o pato eram as pobres bromélias com suas folhas pontudas, representando um tipo de sexualidade que em minha cabeça poderia me ferir.
 
Não se iludam, meninas. Homens com carinhas meigas do típico pai de família sabem ferir como ninguém.
 
Vamos ao escuro? Crianças e alguns adultos temem o escuro e imaginam ver silhuetas humanas quando olham para o amontoado de roupas do cabideiro.  Quando estamos no escuro, a imaginação flui e tudo pode ser, tudo pode acontecer. Basta acendermos a luz para ver que a silhueta maligna nada mais é que nossas inofensivas roupas do dia a dia e um chapeuzinho estiloso.
 
O escuro aparece como signo da dúvida, do desconhecido. E a gente se caga todo diante do novo. Quantas pessoas não escolhem uma vida de merda conhecida à possibilidade de uma nova vida muito melhor?
 
É preciso acender as luzes do quarto, da sala, do coração.  É preciso encarar os próprios desejos, as próprias dúvidas.  É preciso encontrar-se com aquilo que escondemos de nós mesmos. É preciso ver o que se esconde por trás das bromélias....
 
Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.
 
 
 

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