quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Sem palavras

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS

 Vejo uma palestra sobre Sartre olhando para as minhas unhas cheias de cutículas. Depois de quase 18 anos fazendo as unhas toda semana, depois de quase 18 anos exibindo mãos impecáveis com unhas vermelhas poderosas, resolvi parar de fazê-las para me mutilar simbolicamente. Para dizer a mim mesma que amor e paixão não faziam mais parte da minha vida. Que não olharia mais para os homens nem eles para mim. E se olhassem, eu os mataria com minhas unhas curtas mesmo.
 
O que em princípio teve um princípio mórbido e autopunitivo, transformou-se numa espécie de índice de uma liberdade descuidada. Quando olho para as minhas unhas com cutícula, não penso que estou apartada dos homens, não penso que vou matá-los com minhas unhas sem esmalte. Talvez fosse mais feliz se tivesse realmente apartada RS talvez a vida fosse menos turbulenta e histérica. Talvez me sentisse menos desesperada e eufórica.
 
 Os jovenzinhos pensam que as paixões explodem e nos implodem no início da vida apenas.  Boa notícia! Se você perdeu seu grande amor, senhorita de 17 anos ou senhor de 18, a vida ainda vai  reservar muitas surpresas. Má notícia: a vida ainda vai te levar a nocaute muitas vezes. Porque se apaixonar é sempre bom, é sempre forte, é sempre louco, é sempre horrível.  No meu caso, bem horrível, quase horrendo. Não sei por que mas a palavra horrendo me parece mais assustadora do que horrível.
 
 Mas voltando às cutículas, eu penso simplesmente que eu não preciso mais de unhas vermelhas para dizer qualquer coisa sobre mim.  Eu não preciso de mais nada para dizer qualquer coisa sobre mim, além das minhas próprias palavras. Elas me definem tão vivamente que são praticamente eu mesma.  Talvez sejam mais verdadeiras do que qualquer outro gesto.
 
Uma vez,  a milênios, em outra vida,  alguém me disse que havia uma paixão em mim quando eu escrevia que se perdia quando eu falava.  Ele me achava meio defendida falando...que injustiça...estou quase emocionada ao lembrar do meu passado ridículo.
 
Ok.Ok.Ok. Voltando novamente às unhas, tema chave deste artigo escrito num dia de crise criativa e um tédio agudo de fazer doer o útero, em que só não grito bem alto porque estou com preguiça,  quando uma amiga ou uma prima casar, eu pintarei as unhas. Eu irei bem arrumadinha como a boa menina que me ensinaram  a ser.  Prometo botar uns sapatos de salto também como uma moça bem educada. Mas não me peçam para andar elegante. Já é pedir um pouco demais.
 
Tem coisas que realmente não posso fazer, como andar de salto sem afastar as pernas para me equilibrar nem mexer em eletrônicos. Enquanto houver um rapaz gentil por perto para me ajudar com eletrônicos, continuarei sem aprender com meu sorriso irônico.
 
Além de entediada, estou dispersa! Voltando às unhas, se eu fizer uma peça teatral com uma personagem que se auto defina pelas unhas, também posso pintá-las. Mas enquanto estiver na pele de Sílvia Marques, continuarei com a cutícula olhando para mim enquanto olho para Sartre, Nietzsche ou qualquer outro pensador que me faça pensar que se livrar destas pequenas vaidades do dia a dia é bom pra cacete. É como "desentochar" a calcinha.
 
Sim, minhas cutículas são o índice da minha rebeldia e principalmente da minha preguiça.





 

Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas

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