terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Nunca diga eu te amo

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS


Falam que é o amor que torna as pessoas grandes artistas, grandes poetas. Pelo menos foi o que Mozart disse: "Para se fazer uma obra de arte , não basta ter força, não basta ter talento. É preciso antes de tudo se viver um grande amor".

Admito que escrevi coisas muito boas movida pelo amor. Meu mais novo livro O corpo nu é um livro sobre o amor. Sobre as lembranças de um amor que aconteceu em outra Era...e que de certa forma tingiu por muitos anos a minha vida com cores trágicas. 

Mas preciso reconhecer também a força do desamor guiando a mão de uma escritora. Se o amor confere doçura às palavras de uma mulher , a negação deste sentimento pode ser algo vital também para uma obra expressiva.

Foi por meio do desamor daqueles que amei ou imaginei amar que descobri a mim mesma. Se tivesse sido minimamente amada por um dos que imaginei amar, talvez fosse ainda aquela mulher submissa , sempre pronta a servir e a agradar, com lágrimas de emoção nos olhos pelo simples fato de ter sido afagada como um cachorro dócil. 

Hoje prefiro um homem para filosofar comigo, andando despreocupadamente pela rua. Prefiro um homem cinéfilo, que adore um bom filme inteligente e que nunca me obrigue a acompanhá-lo a um cinema de shopping. 

Hoje prefiro tomar uma taça de vinho, regando uma conversa instigante. Prefiro compartilhar um pouco do meu sarcasmo na cama. Prefiro sair pelo mundo com alguém que coloque uma mochila nas costas e entre no meu espírito de aventura. 

Quero alguém que me estimule e que ria comigo e que não doure a pílula e que não ceda a estes porcos jogos sociais de prosperidade e perfeição. Quero alguém imperfeito e que cague para isso. Quero alguém para compartilhar as miseráveis delícias da vida.

Não quero uma casa com cerquinha branca, cão bonito correndo pelo quintal, eu limpando as mãos num avental cheio de corações. Não quero tirar uma torta de banana do forno enquanto o homem que se comprometeu a me amar pensa em outras. Não quero que a minha xoxota vire uma espécie de pinico para um homem realizar suas necessidades fisiológicas em mim por falta de companhia melhor. 

Não quero a felicidade fake do Facebook. Fotos na praia, abraços encenados, declarações de amor piegas e padrão para disfarçar tudo o que não queima nem vibra na intimidade. Não quero ser a mulher que o homem olha cheio de piedosa ternura , dizendo: "Você é muito boa".

Sim, me levem para sair. Me levem para conversar, me levem para rir, para beber, para dançar , para viajar...mas não me peçam meu coração ofertado num espeto de churrasco. 

Não me arrastem para o abismo que é ser aquela mulher mal amada, mal amada por mim mesma.

E não importa o quanto eu ame quem estiver comigo, prefiro me jogar no vão do metrô antes de confessar...antes de me submeter, antes de assinar qualquer contrato. 





Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

4 comentários:

  1. Descobri seu blog hoje e tive a imensa satisfação de perceber que não compartilhamos apenas nosso nome! Você é incrível e seus textos, excelentes! Parabéns!!!!

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    1. Muito obrigada! Espero que continua lendo a Garota desbocada!

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    2. Muito obrigada! Espero que continua lendo a Garota desbocada!

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  2. quando não tenho não me ponho a pedir: não gosto de cravar nada a ninguém, apanho quantos sorrisos consigo. Não gosto de precisar de cigarros. Não gosto do exemplo do Bukowsky. Tenho frio, a respiração pesada. Tenho estas mutilações para lhes gravar com o cinzel da inviabilidade uma inscrição surrealista. O pendor dramático dos receptáculos, a necessidade premente de te encontrar.

    indefiro qualquer lobotomia que me prive destes sintomas. Quero-os todos. A doença que me atormente, morrerei a lutar. É hoje que faço alguma descoberta? A lenta passagem do tempo neste pântano, ilha na atmosfera boreal de conspirações neuronais. O lado Lunar. O lado modular. O lado que não se pode esconder.

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