sábado, 12 de dezembro de 2015

A difícil arte de amar

Garota desbocada é um espaço visualmente tosco, ideologicamente irreverente, em que posto artigos politicamente incorretos sobre as minhas insatisfações e inquietações. Se quiser rir e praguejar comigo, entre e fique à vontade RS




Um dia desses estava me lembrando do filme A difícil arte de amar, de Mike Nichols, o mesmo diretor de Closer, perto demais e A primeira noite de um homem.

É um filme doído. A gente vê aquele casal afinado e cúmplice se perdendo nas mesquinharias do dia a dia e tudo aquilo que começou com gosto de prosecco e canapés variados vira uma marmita requentada com direito à traição: o início do fim de uma relação que vale a pena.

Por que é tão difícil amar? Por que é tão difícil sintonizar? Quanto mais eu penso no assunto, menos respostas eu tenho. Talvez, o amor entre um homem e uma mulher seja desejo mesmo como já dizia Platão. E desejo satisfeito perde a graça.

Talvez, a resposta não seja tão simples assim. Talvez , amar não basta no mundo adulto. É preciso estar no local certo, na hora certa...é preciso alinhar os ponteiros da alma. É preciso desejar os mesmos desejos , padecer das mesmas obsessões,  falar cobras e lagartos com um simples olhar. Dizem que nada une mais duas pessoas do que um vício em comum.

Talvez seja preciso um pouco de fúria também. Um pouco de veneno nos lábios, olhos injetados, a alma meio rasgada, trôpega, suplicando mais um instante.

Talvez certo desalinho seja preciso. O amor entre um homem e uma mulher não precisa apenas de palavras doces e pétalas de rosas num casto leito nupcial. O amor precisa de indignação, de indignidade. Como diria a música Moda de sangue, "Sinto meu amor/Que o amor é isso/ Essas coisas/ Muito fora de juízo".

Seria um crime ou uma imoralidade não querer partilhar a rotina tosca com quem desejamos furiosamente? Seria um crime ou pecado passível de excomunhão, querer manter por tempo indeterminado a magia do encontro inesperado?

Os amantes se ressentem da enfadonha e banal rotina não compartilhada, mas nem percebem toda a poesia que lhes é entregue numa bandeja de afagos , xingamentos e cuspes na cara cheios de afeto e devoção.



Sílvia Marques é escritora, professora doutora e escreve regularmente na Obvious. Viciada em café, chocolate, vinho barato, dias nublados, filmes bizarros e pessoas profundas.

4 comentários:

  1. Eu como adoro desafios e a opto sempre pela ousadia, vou tentar dar uma resposta subjetiva e bem simples a essa pergunta: Por que é tão difícil amar?

    Pra mim, porque somos capazes de facilmente apontar defeitos nos outros, mas não aceitá-los e enxergá-los como parte integrante de qualquer ser humano. Há teólogos e filósofos mais modernos que fazem essa diferenciação entre paixão e amor. Todos dizem que a paixão é o estágio de cegueira, que só envergamos o ser que já fora idealizado anteriormente por nós ou as qualidades de quem diante de nós está. Só no amor, após conhecermos os defeitos, as fraturas da alma, todas as fragilidades, é que somos capazes de amar. Até porque, amar é tbm é um exercício que deve curar almas mesmo. Agora, quando vale a pena amar? Quando identificamos que somos capazes de conviver (ou, quem sabe, até ajudar na transformação deles) em função das virtudes que o outro possui.

    Como tu bem sabe, todos temos nossas trajetórias existenciais e delas herdamos toda a coerência comportamental, humana ou ética que temos. Amar exige apenas coragem, exige inteligência emocional e, como toda arte, exercício.

    É apenas o que eu penso. Certo ou errado? Continuará sendo o que eu penso até me provarem o inverso. ;) Abçs

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  2. Bela resposta, mas este tema me deixa cada vez mais desapontada. Quando acho que já vi de tudo, surge algo horripilante pela frente RSRS

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  3. Sílvia, não gosto e nem quero cometer o pecado da indiscrição, mas, sabe, aprendi na minha jornada pela consciência que somos condicionados pela vida a pensar assim. Quando falo da vida, me refiro as experiências que já vivemos de falsos amores.

    Somos toos humanos coerentes e só estamos refletindo no presente uma construção existencial costurada no passado. Sendo assim, sei que não é fácil fazer ou pensar no amor da forma como falei, mas, por isso tbm, falei de coragem. Coragem, pois as decepções, as traições, as ilusões e idealidades que são próprias de qualquer ser que ama ainda imaturamente, nos preenchem de medo, medo de amar, de que não sejamos amáveis, enfim, medo do amor. Só que, como disse um outro dia para uma amiga que me questionou o porquê temos tanto medo de amar? Minha resposta está no significado do "medo". Eu adoro etimologia e estudo ela tbm. Aprendi que medo é apanas um temor pelo que ainda desconhecemos. Nesse ínterim, medo de amar só denota que o amor é um sentimento que ainda pouco o conhecemos e verdade. A razão? Talvez, também pelo medo de enfrentar as consequências do compartilhamento de uma vida, de objetivos, de universos, de pensamentos, enfim, de uma relação amorosa.

    Eu não vivenciei tudo o que estou te dizendo, mas conheci e conheço casais com esses 3 amores que bem sabemos. Pessoas que estiveram e estão juntas há anos construindo lindas histórias e que, ao menos pra mim, provam que amar é um exercício possível, aliás, como todo outro que envolva humanidade. A questão é: estamos dispostos? Como sabes bem tbm, somos livres pra escolher e com nossas escolhas teremos inevitavelmente perdas pra que outros ganhos possam vir. Nada é perfeito, rs.

    Abçs

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